Poemas sobre Pombos

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Poemas de pombos escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Acordar na Rua do Mundo

madrugada, passos soltos de gente que saiu
com destino certo e sem destino aos tombos
no meu quarto cai o som depois
a luz. ninguém sabe o que vai
por esse mundo. que dia Ă© hoje?
soa o sino sĂłlido as horas. os pombos
alisam as penas, no meu quarto cai o pĂł.

um cano rebentou junto ao passeio.
um pombo morto foi na enxurrada
junto com as folhas dum jornal já lido.
impera o declive
um carro foi-se abaixo
portas duplas fecham
no ovo do sono a nossa gema.

sirenes e buzinas, ainda ninguém via satélite
sabe ao certo o que aconteceu, estragou-se o alarme
da joalharia, os lençóis na corda
abanam os prédios, pombos debicam

o azul dos azulejos, assoma Ă  janela
quem acordou. o alarme não pára o sangue
desavém-se. não veio via satélite a querida imagem o vídeo
nĂŁo gravou

e duma varanda um pingo cai
de um vaso salpicando o fato do bancário

Nas Altas Torres

Nas altas torres do corpo
todas as horas cantavam.
Eu quis ficar mais um pouco
como se um campo de potros
espantasse a madrugada.

Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo e o meu tocavam
inquietudes, caminhos,
noites, nĂşmeros, datas.

Nas altas torres do corpo
eu quis ficar mais um pouco
e o silĂŞncio nĂŁo deixava.
Conjugámos mãos e peitos
no mesmo leito, trançados;
eis que surgiu outro peito,
o do tempo atravessado.

Eu quis ficar mais um pouco
e o teu corpo se iniciava
na liturgia do vento,
lenta e veloz como enxada.
Era a semente batendo,
era a estrela debulhada.

Nas altas torres do corpo,
quis ficar. Amanhecia.
Todos os pombos voavam
das altas torres do corpo.
As horas resplandeciam.

princĂ­pio do prazer

Ă  sua volta os pombos cor de lava
nos arabescos pretos do basalto
e gente, muita gente que passava
e se detinha a olhá-la em sobressalto

no seu olhar havia uma promessa
nos seus quadris dançava um desafio
num relance de barco mas sem pressa
que fosse ao sol-poente pelo rio

trazia nos cabelos um perfume
a derramar-se em praias de alabastro
e um brilho mais sombrio quase lume
de fogo-fátuo a coroar um mastro

seu porte altivo punha Ă  vista o puro
princĂ­pio do prazer que caminhava
carnal e nobre e lĂşcido e seguro
com qualquer coisa de uma orquĂ­dea brava

e nas ruas da baixa pombalina
sua blusa encarnada era a bandeira
e o grito da revolta na retina
de quem fosse atrás dela a vida inteira.

Funeral Blues

Parem todos os relĂłgios, desliguem o telefone,
Evitem o latido do cĂŁo com um osso suculento,
Silenciem os pianos e com tambores lentos
Tragam o caixĂŁo, deixem que o luto chore.

Deixem que os aviões voem em círculos altos
Riscando no céu a mensagem: Ele Está Morto,
Ponham gravatas beges no pescoço dos pombos brancos do chão,
Deixem que os polícias de trânsito usem luvas pretas de algodão.

Ele era o meu Norte, o meu Sul, o meu Leste e Oeste,
A minha semana Ăştil e o meu domingo inerte,
O meu meio-dia, a minha meia-noite, a minha canção, a minha fala,
Achei que o amor fosse para sempre: Eu estava errado.

As estrelas não são necessárias: retirem cada uma delas;
Empacotem a lua e façam o sol desmanchar;
Esvaziem o oceano e varram as florestas;
Pois nada no momento pode algum bem causar.

Ă“ Minha Felicidade

Revejo os pombos de SĂŁo Marcos:
A praça está silenciosa; ali se repousa a manhã.
Indolentemente envio os meus cantos para o seio da suave
frescura,
Como enxames de pombos para o azul
Depois torno a chamá-los
Para prender mais uma rima Ă s suas penas.
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Calmo céu, céu azul-claro, céu de seda,
Planas, protector, sobre o edifĂ­cio multicor
De que gosto, que digo eu?… Que receio, que invejo…
Como seria feliz bebendo-lhe a alma!
Alguma vez lha devolveria?
NĂŁo, nĂŁo falemos disso, Ăł maravilha dos olhos!
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Severa torre, que impulso leonino
Te levantou ali, triunfante e sem custo!
Dominas a praça com o som profundo dos teus sinos…
Serias, em francês, o seu «accent aigu»!
Se, como tu, eu ficasse aqui,
Saberia a seda que me prende…
— Ó minha felicidade! Ó minha felicidade!

Afasta-te, mĂşsica. Deixa primeiro as sombras engrossar
E crescer até à noite escura e tépida.
É ainda muito cedo para ti, os teus arabescos de ouro
Ainda nĂŁo cintilam no seu esplendor de rosa;

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Natal

Perguntei pelo Natal,
indicaram-me os rochedos.
Subi a altas montanhas,
sĂł trouxe sustos e medos.

Um mendigo, previdente,
avisou-me: o Natal
fica na quilha de um barco
que ainda nem Ă© pinhal.

E minha avĂł, mondadeira
do trigal que eu nunca tive,
dizia desta maneira:
— É dentro desta ribeira,
tecendo os bunhos da esteira,
que o Natal, em brasas, vive.

O vento nada sabia
e a noite, irada, afirmava
que o Natal Ă© o meio-dia
de uma noite inacabada.

Li poemas, li romances,
mondei sonetos na horta:
Do Natal, sĂł as nuances
da fome a rondar a porta.

Até que um dia, ó milagre,
levado pelo coração,
toquei teus seios redondos
– brancas rolas, rĂłseos pombos –
e tive o Natal na mĂŁo!