Os Treze Anos
(Cantilena)
Já tenho treze anos,
que os fiz por Janeiro:
Madrinha, casai-me
com Pedro Gaiteiro.Já sou mulherzinha,
já trago sombreiro,
já bailo ao domingo
com as mais no terreiro.Já não sou Anita,
como era primeiro;
sou a Senhora Ana,
que mora no outeiro.Nos serões já canto,
nas feiras já feiro,
já não me dá beijos
qualquer passageiro.Quando levo as patas,
e as deito ao ribeiro,
olho tudo Ă roda,
de cima do outeiro.E sĂł se nĂŁo vejo
ninguém pelo arneiro,
me banho co’as patas
Ao pé do salgueiro.Miro-me nas águas,
rostinho trigueiro,
que mata de amores
a muito vaqueiro.Miro-me, olhos pretos
e um riso fagueiro,
que diz a cantiga
que sĂŁo cativeiro.Em tudo, madrinha,
já por derradeiro
me vejo mui outra
da que era primeiro.O meu gibĂŁo largo,
de arminho e cordeiro,
já o dei à neta
do Brás cabaneiro,dizendo-lhe: «Toma
gibĂŁo,
Poemas sobre Prisioneiros
9 resultadosCom Palavras
Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhĂŁs, o rosto
e saio para a rua.
Com palavras – inaudĂveis – grito
para rasgar os risos que nos cercam.
Ah!, de palavras estamos todos cheios.
PossuĂmos arquivos, sabemo-las de cor
em quatro ou cinco lĂnguas.
Tomamo-las Ă noite em comprimidos
para dormir o cansaço.
As palavras embrulham-se na lĂngua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
roxas de silĂŞncio. De que servem
asfixiadas em saliva, prisioneiras?
PossuĂmos, das palavras, as mais belas;
as que seivam o amor, a liberdade…
Engulo-as perguntando-me se um dia
as poderei navegar; se alguma vez
dilatarei o pulmĂŁo que as encerra.
Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas eu me deito, me levanto,
e faltam-me palavras para contar…
Pequenos Poemas Mentais
Mental: nada, ou quase nada sentimental.
I
Quem nĂŁo sai de sua casa,
nĂŁo atravessa montes nem vales,
nĂŁo vĂŞ eiras
nem mulheres de infusa,
nem homens de mangual em riste, suados,
quem vive como a aranha no seu redondel
cria mil olhos para nada.
Mil olhos!
Implacáveis.
E hoje diz: odeio.
Ontem diria: amo.
Mas odeia, odeia com indĂ´mitos Ăłdios.
E se se aplaca, como acha o tempo pobre!
E a liberdade inĂştil,
inĂştil e vĂŁ,
riqueza de miseráveis.II
Como sempres, há-de-chegar, desde os tempos!
Vozes, cumprimentos, ofegantes entradas.
Mas que vos reunirá, pensamentos?
Chegais a existir, pensamentos?
É provável, mas desconfiados e inválidos,
Rosnando estĂşpidos, com cĂŁes.Ă“ inĂşteis, aquietai-vos!
Voltai como os cĂŁes das quintas
ao ponto da partida, decepcionados.
E enrolai-vos tristonhos, rabugentos, desinteressados.III
Esse gesto…
Esse desânimo e essa vaidade…
A vaidade ferida comove-me,
comove-me o ser ferido!A vaidade nĂŁo Ă© generosa, Ă© egoĂsta,
Mas chega a ser bela,
IrmĂŁo
Eu não fiz uma revolução.
Mas me fiz irmão de todas as revoluções.
Eu fiquei irmĂŁo de muitas coisas no mundo.
IrmĂŁo de uma certa camisa.
Uma certa camisa que era de um gesto de céu
e com certo carinho me vestia, como se me
vestisse de árvore e de nuvens.
Eu fiquei irmĂŁo de uma vaca, como se ela
também sonhasse. Fiquei irmão de um vira-lata
com o brio com que ele também me abraçava.
Fiquei irmĂŁo de um riacho, que Ă© nome
de rio pequeno, um pequeno que cabe
todo dentro de mim, me falando,
me beijando, me lambendo, me lembrando.
Brincava e me envolvia, certos dias eu
girava em torno do redemoinho do cachorro
e do riacho e da vaca, sem Ă s vezes saber
se estava beijando o riacho, o cachorro
ou a vaca, com um grande céu
me entornando, com um grande céu
com a vaca no lombo e com o cĂŁo,
com o riacho rindo de nĂłs todos.
Eu fiquei irmĂŁo de livros, de gentes.
Eu fiquei irmĂŁo de uma certa montanha.
Ode à Esperança
1
Vem, vem, doce Esperança, Ăşnico alĂvio
Desta alma lastimada;
Mostra, na c’roa, a flor da Amendoeira,
Que ao Lavrador previsto,
Da Primavera próxima dá novas.2
Vem, vem, doce Esperança, tu que animas
Na escravidĂŁo pesada
O aflito prisioneiro: por ti canta,
Condenado ao trabalho,
Ao som da braga, que nos pés lhe soa,3
Por ti veleja o pano da tormenta
O marcante afouto:
No mar largo, ao saudoso passageiro,
(Da sposa e dos filhinhos)
Tu lhe pintas a terra pelas nuvens.4
Tu consolas no leito o lasso enfermo,
C’os ares da melhora,
Tu dás vivos clarões ao moribundo,
Nos já vidrados olhos,
Dos horizontes da Celeste Pátria.5
Eu já fui de teus dons também mimoso;
A vida largos anos
Rebatida entre acerbos infortĂşnios
A sustentei robusta
Com os pomos de teus vergéis viçosos.6
Mas agora, que Márcia vive ausente;
Que nĂŁo me alenta esquiva
C’o brando mimo dum de seus agrados,
Lisboa perto e longe
Lisboa chora dentro de Lisboa
Lisboa tem palácios sentinelas.
E fecham-se janelas quando voa
nas praças de Lisboa – branca e rota
a blusa de seu povo – essa gaivota.Lisboa tem casernas catedrais
museus cadeias donos muito velhos
palavras de joelhos tribunais.
Parada sobre o cais olhando as águas
Lisboa é triste assim cheia de mágoas.Lisboa tem o sol crucificado
nas armas que em Lisboa estĂŁo voltadas
contra as mãos desarmadas – povo armado
de vento revoltado violas astros
– meu povo que ninguém verá de rastos.Lisboa tem o Tejo tem veleiros
e dentro das prisões tem velas rios
dentro das mĂŁos navios prisioneiros
ai olhos marinheiros – mar aberto
– com Lisboa tão longe em Lisboa tão perto.Lisba é uma palavra dolorosa
Lisboa sĂŁo seis letras proibidas
seis gaivotas feridas rosa a rosa
Lisboa a desditosa desfolhada
palavra por palavra espada a espada.Lisboa tem um cravo em cada mĂŁo
tem camisas que abril desabotoa
mas em maio Lisboa é uma canção
onde há versos que são cravos vermelhos
Lisboa que ninguem verá de joelhos.
Os Amantes com Casa
Andavam pela casa amando-se
no chĂŁo e contra as paredes.
Respiravam exaustos como se tivessem
nascido da terra
de dentro das sementeiras.
Beijavam-se magoados
até se magoarem mais.
Um no outro eram prisioneiros um do outro
e livres libertavam-se
para a vida e para o amor.
Vivendo a prĂłpria morte
voltavam a andar pela casa amando-se
no chĂŁo e contra as paredes.
EntĂŁo era a mĂşsica, como se
cada corpo atravessasse o outro corpo
e recebesse dele nova presença, agora
serena e mais pobre mas avidamente rica
por essa pobreza.
A nudez corria-lhes pelas mĂŁos
e chegava aonde tudo Ă© branco e firme.
Aquele fogo de carne
era a carne do amor,
era o fogo do amor,
o fogo de arder amando-se e por toda a casa,
contra as paredes, no chĂŁo.
Se mais nĂŁo pressentissem bastaria
aquela linguagem de falar tocando-se
como dormem as aves.
E os olhos gastos
por amor de olhar,
por olhar o amor.
E no chĂŁo
contra as paredes se amaram e
pela casa andavam como
se dentro das sementeiras respirassem.
AnĂşncio no Ar
CĂ©us, nuvens, ondas, ventos,
dai-me notĂcias do meu amor norueguĂŞs.Elementos da natureza gastos por tantos versos,
ferralha romântica, brilhai de novo
e trazei-me notĂcias do meu amor norueguĂŞs.Aquela que eu amei um verĂŁo na praia
– pérola cuja ostra era um barco de carvão,
matrĂcula de Bergen, essa mesma, elementos!,
notĂcias, notĂcias do meu amor norueguĂŞs.A que veio dos fiordes e vivia num barco
encostado ao cais, junto de um guindaste;
a que me acendeu a manhĂŁ do amor,
a que abriu a porta Ă s tempestades,
a que me deu a chave da invenção…
Existe? Fugiu Ă ocupação? Morreu prisioneira?NotĂcias, notĂcias do seu rosto que mal lembro,
do seu corpo de caule adolescente…
NotĂcias do seixo branco que trocámos
com palavras de amor em inglĂŞs mal decorado.NotĂcias da que foi espiga mal madura,
notĂcias do meu amor norueguĂŞs.
Recado aos Amigos Distantes
Meus companheiros amados,
nĂŁo vos espero nem chamo:
porque vou para outros lados.
Mas Ă© certo que vos amo.Nem sempre os que estĂŁo mais perto
fazem melhor companhia.
Mesmo com sol encoberto,
todos sabem quando Ă© dia.Pelo vosso campo imenso,
vou cortando meus atalhos.
Por vosso amor Ă© que penso
e me dou tantos trabalhos.NĂŁo condeneis, por enquanto,
minha rebelde maneira.
Para libertar-me tanto,
fico vossa prisioneira.Por mais que longe pareça,
ides na minha lembrança,
ides na minha cabeça,
valeis a minha Esperança.