A Caridade
Eu podia falar todas as lĂnguas
Dos homens e dos anjos;
Logo que nĂŁo tivesse caridade,
Já não passava de um metal que tine,
De um sino vĂŁo que soa.Podia ter o dom da profecia,
Saber o mais possĂvel,
Ter fé capaz de transportar montanhas;
Logo que eu nĂŁo tivesse caridade,
Já não valia nada!Eu podia gastar toda afortuna
A bem dos miseráveis,
Deixar que me arrojassem vivo Ă s chamas;
Logo que eu nĂŁo tivesse caridade,
De nada me servia!A caridade é dócil, é benévola,
Nunca foi invejosa,
Nunca procede temerariamente,
Nunca se ensoberbece!NĂŁo Ă© ambiciosa; nĂŁo trabalha
Em seu proveito prĂłprio; nĂŁo se irrita;
Nunca suspeita mal!Nunca folgou de ver uma injustiça;
Folga com a verdade!Tolera tudo! Tudo crĂŞ e espera!
Em suma tudo sofre!
Poemas sobre Profecia
6 resultadosCântico da Noite
Sumiu-se o sol esplĂŞndido
Nas vagas rumorosas!
Em trevas o crepĂşsculo
Foi desfolhando as rosas!
Pela ampla terra alargar-se
Calada solidĂŁo!
Parece o mundo um tĂşmulo
Sob estrelado manto!
Alabastrina lâmpada,
Lá sobe a lua! Entanto
Gemidos d’aves lúgubres
Soando a espaços vão!
Hora dos melancĂłlicos,
Saudosos devaneios!
Hora que aos gostos Ăntimos
Abres os castos seios!
Infunde em nossos ânimos
Inspiração da fé!
De noite, se um revérbero
De Deus nos alumia,
Destila-se de lágrimas
A prece, a profecia!
A alma elevada em ĂŞxtase
Terrena já não é!
Antes que o sono tácito
Olhos nos cerre, e os sonhos
Nos tomem no seu vĂłrtice,
Já rindo, e já medonhos,
Hora dos céus, conserva-me
No extinto e no porvir.
Onde os que amei? sumiram-se.
Onde o que eu fui? deixou-me.
Deles, sĂł vĂŁs memĂłrias;
De mim, sĂł resta um nome:
No abismo do pretérito
Desfez-se choro e rĂşy
Desfez-se! e quantas lágrimas
Brotaram de alegrias! Desfez-se!
e quantos jĂşbilos
Nasceram de agonias!
A Vida
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua
mais que perfeita imprecisĂŁo, os dias que contam
quando não se espera, o atraso na preocupação
dos teus olhos, e as nuvens que caĂram
mais depressa, nessa tarde, o cĂrculo das relações
a abrir-se para dentro e para fora
dos sentidos que nada tĂŞm a ver com cĂrculos,
quadrados, rectângulos, nas linhas
rectas e paralelas que se cruzam com as
linhas da mão;a vida que traz consigo as emoções e os acasos,
a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram
e dos encontros que sempre se soube que
se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com
quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo
o rosto sonhado numa hesitação de madrugada,
sob a luz indecisa que apenas mostra
as paredes nuas, de manchas hĂşmidas
no gesso da memĂłria;a vida feita dos seus
corpos obscuros e das suas palavras
prĂłximas.
Amar-te Ă© Vir de Longe
Amar-te Ă© vir de longe,
descer o rio verde atrás de ti,
abrir os braços longos desde os sete
anos sob a latada ao pé do largo,
guardar o cheiro a figos vistos lá,
a olho nu, ao pé, ao pé de ti,
parar a beber água numa fonte,
um acaso perdido no caminho
onde os vimes me roçam a memória
e te anunciam mĂŁos e te perfazem;
como se o sino Ă hora de tocar
já fosse o tempo todo badalado,
e a tua boca se abrisse atrás do tojo,
e abaixo dos calções as pernas nuas
se rasgassem sĂł para o pequeno sangue,
tal o pequeno preço que me pedes.
Atrás da curva estavas, és, serias,
nos muros de granito, nas amoras.
Amar-te era lembrança e profecias,
uma porta já feita para abrir,
e encontrar o lar ou mĂşsica lavada
onde, se nasces, vives, duras, moras
— meu nome exacto e pão
no chĂŁo das alegrias.
Natal
1
A voz clamava no Deserto.
E outra Voz mais suave,
LĂrio a abrir, esvoaçar incerto,
TĂmido e alvente, de ave
Que larga o ninho, melodia
Nascente, docemente,
Uma outra Voz se erguia…A voz clamava no Deserto…
Anunciando
A outra Voz que vinha:
Balbuciar de fonte pequenina,
Dando
À luz da Terra o seu primeiro beijo…
Inefável anúncio, dealbando
Entre as estrelas moribundas.2
Das entranhas profundas
Do Mundo, eco do Verbo, a profecia,
– À distância de Séculos, – dizia,
Pressentia
Fragor de sismos, o dum mundo ruindo,
Redimindo
Os cárceres do mundo…A voz dura e ardente
Clamava no Deserto…Natal de Primavera,
A nova Luz nascera.
Voz do céu, Luz radiante,
Mais humana e mais doce
E irmĂŁ dos Poetas
Que a voz trovejante
Dos profetas
Solitários.3
A divina alvorada
Trazia
LĂrios no regaço
E rosas.
Natal. Primeiro passo
Da secular Jornada,
Era um canto de Amor
A anunciar Calvários,
Viver!
Viver!… E o que é a Vida?…
– Atento, escuto
A primitiva e alta profecia…
E a escutá-la, a sonhar, vou resoluto,
Por caminhos de Amor, com alegria!
E vivo! E na minh’alma, a uma a uma,
Como num quebra mar de encantamentos,
Sinto as ondas bater, – ondas de espuma,
…Evocações, memorias, sentimentos…Amo! – No meu Amor vivo a infinita,
A suprema Beleza, – sou amado!…
E, pelo Sol que no meu peito habita,
Luto! Sinto o Futuro Ă nossa espera,
Vivo, na minha luta, o meu Amor!…
E sinto bem que a eterna Primavéra
A alcançaremos só por nossa Dor!
SĂ´fro! E no meu sofrer, nesta anciedade
Com que os meus olhos fitam o nascente,
Em devoção, em pranto, em claridade,
– Sonha o meu coração de combatente…Sofrer, lutar, amar – , vida completa,
Piedosa, humilde e só de Amor ungida –
– Meu coração de amante e de Poeta
– Sente em si mesmo o coração da Vida!…
Sonho exaltado e puro, Amor tĂŁo grande,
Que me domina todo e me levanta
Às regiões em que o sentir se expande,