As Pessoas SensĂveis
As pessoas sensĂveis nĂŁo sĂŁo capazes
De matar galinhas
Porém são capazes
De comer galinhasO dinheiro cheira a pobre e cheira
Ă€ roupa do seu corpo
Aquela roupa
Que depois da chuva secou sobre o corpo
Porque nĂŁo tinham outra
O dinheiro cheira a pobre e cheira
A roupaQue depois do suor nĂŁo foi lavada
Porque não tinham outra«Ganharás o pão com o suor do teu rosto»
Assim nos foi imposto
E nĂŁo:
«Com o suor dos outros ganharás o pão»Ó vendilhões do templo
Ă“ construtores
Das grandes estátuas balofas e pesadas
Ó cheios de devoção e de proveitoPerdoai-lhes Senhor
Porque eles sabem o que fazem
Poemas sobre Proveito
6 resultadosA Caridade
Eu podia falar todas as lĂnguas
Dos homens e dos anjos;
Logo que nĂŁo tivesse caridade,
Já não passava de um metal que tine,
De um sino vĂŁo que soa.Podia ter o dom da profecia,
Saber o mais possĂvel,
Ter fé capaz de transportar montanhas;
Logo que eu nĂŁo tivesse caridade,
Já não valia nada!Eu podia gastar toda afortuna
A bem dos miseráveis,
Deixar que me arrojassem vivo Ă s chamas;
Logo que eu nĂŁo tivesse caridade,
De nada me servia!A caridade é dócil, é benévola,
Nunca foi invejosa,
Nunca procede temerariamente,
Nunca se ensoberbece!NĂŁo Ă© ambiciosa; nĂŁo trabalha
Em seu proveito prĂłprio; nĂŁo se irrita;
Nunca suspeita mal!Nunca folgou de ver uma injustiça;
Folga com a verdade!Tolera tudo! Tudo crĂŞ e espera!
Em suma tudo sofre!
A Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ó fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
A Nossa Vez
É o frio que nos tolhe ao domingo
no Inverno, quando mais rareia
a esperança. São certas fixações
da consciĂŞncia, coisas que andam
pela casa Ă procura de um lugare entram clandestinas no poema.
SĂŁo os envelopes da companhia
da água, a faca suja de manteiga
na toalha, esse trilho que deixamos
atrás de nós e se decifra sem esforço
nem proveito. É a esperae a demora. São as ruas sossegadas
Ă hora do telejornal e os talheres
da vizinhança a retinir. É a deriva
nocturna da memĂłria: Ă© o medo
de termos perdido sem querera nossa vez.
Assim, Sem Nada Feito e o Por Fazer
Assim, sem nada feito e o por fazer
Mal pensado, ou sonhado sem pensar,
Vejo os meus dias nulos decorrer,
E o cansaço de nada me aumentar.Perdura, sim, como uma mocidade
Que a si mesma se sobrevive, a esperança,
Mas a mesma esperança o tédio invade,
E a mesma falsa mocidade cansa.TĂŞnue passar das horas sem proveito,
Leve correr dos dias sem ação,
Como a quem com saĂşde jaz no leito
Ou quem sempre se atrasa sem razĂŁo.Vadio sem andar, meu ser inerte
Contempla-me, que esqueço de querer,
E a tarde exterior seu tédio verte
Sobre quem nada fez e nada quere.InĂştil vida, posta a um canto e ida
Sem que alguém nela fosse, nau sem mar,
Obra solentemente por ser lida,
Ah, deixem-se sonhar sem esperar!
Novas da Corte
As damas nunca parecem
os galantes poucos sĂŁo
cousas de prazer esquecem
os negĂłcios vĂŞm e vĂŁo
nunca minguam, sempre crescem.
Não há já nenhum folgar
nem manhas exercitar
Ă© tanto o requerimento
que ninguém não traz o tento
senĂŁo em querer medrar.Mil pessoas achareis
menos das que cá leixastes
doutras vos espantareis
porque vĂŞ-las nĂŁo cuidastes
da maneira que vereis.
Uns acabam outros vem
e uns tem outros nĂŁo tem
e os mais polo geral
folgam muito d’ouvir mal
e pouco de dizer bem.Se cá sois bem ensinado
cada feira valeis menos
e se mal sois estranhado
dous dias e logo vemos
ficardes mais estimado.
E vai isto de maneira
que na capela cadeira
d’espaldas tem escudeiros
e consentem-lh’os porteiros
estarem na dianteira.Anda tudo tĂŁo danado
que o que menos merece
se mostra mais agravado
e d’homens que não conhece
Ă© el rei emportunado.
E estes que Deos padeça
hão de cobrir a cabeça
perant’ele no serão
e só por isso lá vão
sem haver quem os conheça.