Elegia do Amor
Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,
Poemas sobre Raios
54 resultadosElegia
A alegria da vida, essa alegria d’oiro
A pouco e pouco em mim vai-se extinguindo, vai…
Melros alegres de bico loiro,
Ó melros negros, cantai, cantai!Ando lívido, arrasto o pobre corpo exangue,
Que era feito da luz das claras madrugadas…
Rosas vermelhas da cor do sangue,
Rosas abri-vos às gargalhadas!Limpidez virginal, graça d’Anacreonte,
Mimo, frescura, força, onde é que estais?… não sei!…
Ó águas vivas, águas do monte,
Ó águas puras, correi, correi!Eu sinto-me prostrado em lânguido desmaio,
E a minha fronte verga exausta para o chão…
Cedros altivos, sem medo ao raio,
Cedros erguei-vos pela amplidão!
O Dilúvio
Há muitos dias já, há já bem longas noites
que o estalar dos vulcões e o atroar das torrentes
ribombam com furor, quais rábidos açoites,
ao crebro rutilar dos coriscos ardentes.Pradarias, vergéis, hortos, vinhedos, matos,
tudo desapar’ceu ao rude desabar
das constantes, hostis, raivosas cataratas,
que fizeram da Terra um grande e torvo mar.À flor do torvo mar, verde como as gangrenas,
onde homens e leões bóiam agonizantes,
imprecando com fúria e angústia, erguem-se apenas,
quais monstros colossais, as montanhas gigantes.É aí que, ululando, os homens como as feras
refugiar-se vão em trágicos cardumes,
O mar sobe, o mar cresce. e os homens e as panteras,
crianças e reptis caminham para os cumes.Os fortes, sem haver piedade que os sujeite,
arremessam ao chão pobres velhos cansados.
e as mães largam. cruéis, os filhinhos de leite,
que os que seguem depois pisam, alucinados.Um sinistro pavor; crescente e sufocante,
desnorteia, asfixia a turba pertinaz:
ouvem-se urros de dor, e os que vão adiante
lançam pedras brutais aos que ficam pra trás.
Num Bairro Moderno
Dez horas da manhã; os transparentes
Matizam uma casa apalaçada;
Pelos jardins estancam-se as nascentes,
E fere a vista, com brancuras quentes,
A larga rua macadamizada.Rez-de-chaussée repousam sossegados,
Abriram-se, nalguns, as persianas,
E dum ou doutro, em quartos estucados,
Ou entre a rama do papéis pintados,
Reluzem, num almoço, as porcelanas.Como é saudável ter o seu conchego,
E a sua vida fácil! Eu descia,
Sem muita pressa, para o meu emprego,
Aonde agora quase sempre chego
Com as tonturas duma apoplexia.E rota, pequenina, azafamada,
Notei de costas uma rapariga,
Que no xadrez marmóreo duma escada,
Como um retalho da horta aglomerada
Pousara, ajoelhando, a sua giga.E eu, apesar do sol, examinei-a.
Pôs-se de pé, ressoam-lhe os tamancos;
E abre-se-lhe o algodão azul da meia,
Se ela se curva, esguelhada, feia,
E pendurando os seus bracinhos brancos.Do patamar responde-lhe um criado:
“Se te convém, despacha; não converses.
Eu não dou mais.” È muito descansado,
Atira um cobre lívido, oxidado,
Que vem bater nas faces duns alperces.
Quando Eu Sonhava
Quando eu sonhava, era assim
Que nos meus sonhos a via;
E era assim que me fugia,
Apenas eu despertava,
Essa imagem fugidia
Que nunca pude alcançar.
Agora, que estou desperto,
Agora a vejo fixar…
Para quê? – Quando era vaga,
Uma ideia, um pensamento,
Um raio de estrela incerto
No imenso firmamento,
Uma quimera, um vão sonho,
Eu sonhava – mas vivia:
Prazer não sabia o que era,
Mas dor, não na conhecia …
Tenho Amor, sem Ter Amores
MOTE E GLOSA
Tenho amor, sem ter amores.
GLOSAS
Este mal que não tem cura,
Este bem que me arrebata,
Este rigor que me mata,
Esta entendida loucura
É mal e é bem que me apura;
Se equivocando os rigores
Da fortuna aos favores,
É remédio em caso tal
Dar por resposta ao meu mal:
Tenho amor, sem ter amores.
É fogo, é incêndio, é raio,
Este, que em penosa calma,
Sendo do meu peito alma,
De minha vida é desmaio:
E pois em moral ensaio
Da dor padeço os rigores,
Pergunta em tristes clamores
A causa da minha aflição,
Respondeu o coração:
Tenho amor, sem ter amores.
Veio Ter Comigo Hoje a Poesia
Veio ter comigo hoje a poesia.
Há quantos anos? Desde a juventude.
Veio num raio de sol, num murmúrio de vento.
E a ilusão que me trouxe de uma antiga alegria
reinventou-me a antiga plenitude
que já não invento.Fazia-lhe outrora poemas verdadeiros
em fornicações rápidas de galo.
Hoje não sou eu nunca por inteiro
e há sempre no que faço um intervalo.Estamos ambos tão velhos — que vens fazer?
— a cama entre nós da nossa antiga função.
Nublado o olhar só de a ver.
E tomo-lhe em silêncio a mão.
O Casulo
No casulo:
uma mesa quatro cinco estantes
livros por centenas ou milhares
tijolos de papel onde as traças
acasalam e o caruncho espreita
sólidas muralhas de elvezires onde
a rua não penetra
uma máquina de escrever olivetti
com a tinta acumulada nas letras mais redondas
cachimbos barros estanhos medalhas fotos
bonecos marafonas lembranças
retratos alguns gente ida ou vinda
gorros usbeques gorros bailundos leques
japoneses arpões açorianos sinos de não sei donde
ou sei esperem sinos da tróica em natais nocturnos
marfins africanos óleos desenhos calendários
feitiços da Baía a mão a fazer figas
tudo do melhor contra raios coriscos mau olhado
retratos dizia Jorge o de Salvador Júlio o da Morgadinha
Berglin o cientista Kostas o dramaturgo
e outros e outros
Afonso Duarte o das ossadas pórtico
destas lamúrias o sorriso sibilino e rugoso
que matou no Nemésio o bicho harmonioso
mais de agora o Umberto Eco barbudo
a filtrar-me com medievismo os gestos tontos
e outros e outros
suecos brasileiros romenos gregos
e ainda aqueles em que a Zita foi escrevendo
a minha sina de andarilho
Tolstoi patrono obcecante um pastor a tocar
pífaro algures nos Balcãs sinais da Bulgária da Polónia
da Finlândia sinais de tantas partes onde
fui um outro de biografia aberrante
sinais da minha terra também
a minha de verdade e não as outras
a que chamam minhas por distraído palpite
o Lima de Freitas num candeeiro alumiando
a mulher verde-azul em casas assombrada
mestre Marques d’Oliveira num esquisso
de alto coturno a carta de Abel Salazar
que o sol foi comendo não se lendo já
o que a censura omitiu
aqui a China também representada
um ícone de Sófia as plácidas cabras
do Calasans o tinteiro de quando
se usavam plumas roubaram-se o missal do Cicogna
um almofariz para esferográficas furta-cores
a caixa de madeira floreada veio da Rússia
deu-ma a Tatiana sob promessa (cumprida)
de a pôr bem em frente das minhas divagações
anémonas nórdicas da Anne
miosótis búlgaros da Rumiana
o poster é alemão Friede den Kindern
nunca pedi a ninguém a decifração
dois horóscopos face a face
cangaceiros nordestinos
o menino ajoelhado do Tó Zé
num gesso já sem braços nem rosto
objectos objectos o pote tem as armas de não lembro
[quem
embora o nome que venha por de cima
seja o meu e eu também no óleo carrancudo
do Zé Lima há um ror de anos
melhor não saber quantos
o molde para o bronze é um perfil onde
desenganadamente me reconheço
tanta bugiganga tanto bazar tanto papel
branco ou impresso uma faca para
apunhalar alguém a cassete de poesias na voz
da Maria Vitorino as esculturas astecas
do Miguel medalhas medalhas outra vez lembranças
agendas sem préstimo canetas gastas mais papéis
letras miúdas ou letras farfalhudas
depende da ocasião
um livro de filigrana
as paredes mal se vêem estantes copiosas já disse
quadros em demasia e ainda
as rendas de minha mãe em molduras destoadas
ela no retrato de cenho descontente
fitando-me até ao miolo dos desvairos
o bordão de régulo justiceiro
obliquando no trono de cactos
amuletos africanos o mata-borrão que foi
de um pide deu-mo o fuzileiro no pós-Abril
uma bela cabeça de mulher do João Fragoso
jarras de sacristia candeias de cobre
sem pavio um samovar de madeira um samurai de
[veludo
os painéis de São Vicente em miniatura
a áurea trombeta do troféu lusíada
de parceria com o Manuel Cargaleiro
áureos pesados troféus o marasmo branco
de Pavia na tela sem idade
livros livros os correios não páram
de mos trazer para maior sufocação
cartas a granel por responder relógio não há mas ouço-o
sem falhar um segundo há cordas cordões medalhas
[medalhões
armas lauréis proibições
perfumes em minaretes levantinos.
Quando Chegar a Hora
Quando eu, feliz! morrer, oiça, Sr. Abbade,
Oiça isto que lhe peço:
Mande-me abrir, alli, uma cova á vontade,
Olhe: eu mesmo lh’a meço…O coveiro é podão, fal-as sempre tão baixas…
O cão pode lá ir:
Diga ao moço, que tem a pratica das sachas,
Que m’a venha elle abrir.E o sineiro que, em vez de dobrar a finados,
Que toque a Alléluia!
Não me diga orações, que eu não tenho peccados:
A minha alma é dia!Será meu confessor o vento, e a luz do raio
A minha Extrema-Uncção!
E as carvalhas (chorae o poeta, encommendae-o!)
De padres farão.Mas as aguias, um dia, em bando como astros,
Virão devagarinho,
E hão-de exhumar-me o corpo e leval-o-ão de rastros,
Em tiras, para o ninho!E ha-de ser um deboche, um pagode, o demonio,
N’aquelle dia, ai!
Aguias! sugae o sangue a vosso filho Antonio,
Sugae! sugae! sugae!Raro têm de comer. A pobreza consome
As aguias, coitadinhas!
Ao menos, n’esse dia, eu matarei a fome
A essas desgraçadinhas…
Profecia
Nem me disseram ainda
para o que vim.
Se logro ou verdade,
se filho amado ou rejeitado.
Mas sei
que quando cheguei
os meus olhos viram tudo
e tontos de gula ou espanto
renegaram tudo
— e no meu sangue veias se abriram
noutro sangue…
A ele obedeço,
sempre,
a esse incitamento mudo.
Também sei
que hei-de perecer, exangue,
de excesso de desejar;
mas sinto,
sempre,
que não posso recuar.Hei-de ir contigo
bebendo fel, sorvendo pragas,
ultrajado e temido,
abandonado aos corvos,
com o pus dos bolores
e o fogo das lavas.
Hei-de assustar os rebanhos dos montes
ser bandoleiro de estradas.
— Negro fado, feia sina,
mas não sei trocar a minha sorte!Não venham dizer-me
com frases adocicadas
(não venham que os não oiço)
que levo caminho errado,
que tenho os caminhos cerrados
à minha febre!
Hei-de gritar,
cair, sofrer
— eu sei.
Mas não quero ter outra lei,
outro fado, outro viver.
Não importa lá chegar…
Noivado
Vês, querida, o horizonte ardendo em chamas?
Além desses outeiros
Vai descambando o sol, e à terra envia
Os raios derradeiros;
A tarde, como noiva que enrubesce,
Traz no rosto um véu mole e transparente;
No fundo azul a estrela do poente
Já tímida aparece.Como um bafo suavíssimo da noite,
Vem sussurrando o vento
As árvores agita e imprime às folhas
O beijo sonolento.
A flor ajeita o cálix: cedo espera
O orvalho, e entanto exala o doce aroma;
Do leito do oriente a noite assoma
Como uma sombra austera.Vem tu, agora, ó filha de meus sonhos,
Vem, minha flor querida;
Vem contemplar o céu, página santa
Que amor a ler convida;
Da tua solidão rompe as cadeias;
Desce do teu sombrio e mudo asilo;
Encontrarás aqui o amor tranqüilo…
Que esperas? que receias?Olha o templo de Deus, pomposo e grande;
Lá do horizonte oposto
A lua, como lâmpada, já surge
A alumiar teu rosto;
Os círios vão arder no altar sagrado,
Estrelinhas do céu que um anjo acende;
Os Arlequins – Sátira
Musa, depõe a lira!
Cantos de amor, cantos de glória esquece!
Novo assunto aparece
Que o gênio move e a indignação inspira.
Esta esfera é mais vasta,
E vence a letra nova a letra antiga!
Musa, toma a vergasta,
E os arlequins fustiga!Como aos olhos de Roma,
— Cadáver do que foi, pávido império
De Caio e de Tibério, —
O filho de Agripina ousado assoma;
E a lira sobraçando,
Ante o povo idiota e amedrontado,
Pedia, ameaçando,
O aplauso acostumado;E o povo que beijava
Outrora ao deus Calígula o vestido,
De novo submetido
Ao régio saltimbanco o aplauso dava.
E tu, tu não te abrias,
Ó céu de Roma, à cena degradante!
E tu, tu não caías,
Ó raio chamejante!Tal na história que passa
Neste de luzes século famoso,
O engenho portentoso
Sabe iludir a néscia populaça;
Não busca o mal tecido
Canto de outrora; a moderna insolência
Não encanta o ouvido,
Fascina a consciência!Vede; o aspecto vistoso,
O olhar seguro,
Impossível
Nós podemos viver alegremente,
Sem que venham com fórmulas legais,
Unir as nossas mãos, eternamente,
As mãos sacerdotais.Eu posso ver os ombros teus desnudos,
Palpá-los, contemplar-lhes a brancura,
E até beijar teus olhos tão ramudos,
Cor de azeitona escura.Eu posso, se quiser, cheio de manha,
Sondar, quando vestida, pra dar fé,
A tua camisinha de bretanha,
Ornada de crochet.Posso sentir-te em fogo, escandescida,
De faces cor-de-rosa e vermelhão,
Junto a mim, com langor, entredormida,
Nas noites de verão.Eu posso, com valor que nada teme,
Contigo preparar lautos festins,
E ajudar-te a fazer o leite-creme,
E os mélicos pudins.Eu tudo posso dar-te, tudo, tudo,
Dar-te a vida, o calor, dar-te cognac,
Hinos de amor, vestidos de veludo,
E botas de duraqueE até posso com ar de rei, que o sou!
Dar-te cautelas brancas, minha rola,
Da grande loteria que passou,
Da boa, da espanhola,Já vês, pois, que podemos viver juntos,
Nos mesmos aposentos confortáveis,
Comer dos mesmos bolos e presuntos,
A Cidade Bela
Quanto é bela Ulisseia! E quanto é grata
Dos sete montes seus ao longe a vista!
Das altas torres, pórticos soberbos
Quanto é grande, magnífico o prospecto!
Humilde e bonançoso o flavo Tejo,
Sobre areias auríferas correndo,
As praias lhe enriquece, as plantas beija.
Quão denso bosque de cavalos pinhos
Sobre a espádua sustenta! Do Oriente
Rubins acesos, fugidas safiras,
E da opulenta América os tesouros,
Cortando os mares líquidos, trouxeram.
Nela é mais puro o ar; e o Céu se esmalta
De mais sereno azul. O Sol brilhante,
Correndo o vasto Céu, se apraz de vê-la.
E quase se suspende, e, meigo, envia
Sobre ela o raio extremo, quando acaba
A lúcida carreira, a frente de ouro
No seio esconde das cerúleas ondas.
A uma Dama
Por fazer lisonja às flores
De flores touca o cabelo
Nise, a gala do donaire,
Nise, a glória dos desejos.
Invejosas as estrelas
Murmuraram tanto emprego,
Se as não contentara Nise
Com tê-las nos olhos negros.
De garbo, postura e talhe
Vai luzida em tanto extremo,
Que nas vidas que cativa
Tem muita parte o asseio.
Quanto pisa e quanto fala,
Vai brotando e florescendo
Uma rosa em cada passo,
Um jasmim em cada alento.
Caçadora ufana e dextra,
Quem viu caçadora Vénus?
Pede as armas emprestadas
Dizem que a um menino cego.
Galharda o arco exercita,
E, com movimento dextro,
De quantas setas lhe fia,
Nenhuma lhe leva o vento.
Guarde-se todo o alvedrio,
Que não dão as frechas erro,
Pois para acertar as vidas
Tomam nos olhos preceitos.
Despejada comunica
Ao monte seus raios belos,
Que nem sempre o majestoso
Há-de afectar o encoberto.
E, com deixar-se admirar,
Nada lhe perde o respeito;
Mas tais amas traz consigo…
Pastores, diga-o Fileno.
O Segredo
Deus não sabe os meus segredos.
As paredes sem ouvidos não escutam
a confidência interminável.
O que perco, ninguém sabe. Dissolve-se em mim,
luminária secreta, sílaba que os lábios não ousam murmurar
diante de teu corpo no escuro,
constelação.E o sobejo de mim, último raio de sol,
fulge no deserto. E nos penhascos
ressoa
constelado
o meu grito de amor.
Sacrilégio
Como a alma pura, que teu corpo encerra,
Podes, tão bela e sensual, conter?
Pura demais para viver na terra,
Bela demais para no céu viver.Amo-te assim! – exulta, meu desejo!
É teu grande ideal que te aparece,
Oferecendo loucamente o beijo,
E castamente murmurando a prece!Amo-te assim, à fronte conservando
A parra e o acanto, sob o alvor do véu,
E para a terra os olhos abaixando,
E levantando os braços para o céu.Ainda quando, abraçados, nos enleva
O amor em que me abraso e em que te abrasas,
Vejo o teu resplandor arder na treva
E ouço a palpitação das tuas asas.Em vão sorrindo, plácidos, brilhantes,
Os céus se estendem pelo teu olhar,
E, dentro dele, os serafins errantes
Passam nos raios claros do luar:Em vão! – descerras úmidos, e cheios
De promessas, os lábios sensuais,
E, à flor do peito, empinam-se-te os seios,
Ameaçadores como dois punhais.Como é cheirosa a tua carne ardente!
Toco-a, e sinto-a ofegar, ansiosa e louca.
A Elvira
(Lamartine)
Quando, contigo a sós, as mãos unidas,
Tu, pensativa e muda; e eu, namorado,
Às volúpias do amor a alma entregando,
Deixo correr as horas fugidias;
Ou quando ‘as solidões de umbrosa selva
Comigo te arrebato; ou quando escuto
—Tão só eu, — teus terníssimos suspiros;
E de meus lábios solto
Eternas juras de constância eterna;
Ou quando, enfim, tua adorada fronte
Nos meus joelhos trêmulos descansa,
E eu suspendo meus olhos em teus olhos,
Como às folhas da rosa ávida abelha;
Ai, quanta vez então dentro em meu peito
Vago terror penetra, como um raio!
Empalideço, tremo;
E no seio da glória em que me exalto,
Lágrimas verto que a minha alma assombram!
Tu, carinhosa e trêmula,
Nos teus braços me cinges, — e assustada,
Interrogando em vão, comigo choras!
“Que dor secreta o coração te oprime?”
Dizes tu, “Vem, confia os teus pesares…
Fala! eu abrandarei as penas tuas!
Fala! Eu consolarei tua alma aflita.”Vida do meu viver, não me interrogues!
Quando enlaçado nos teus níveos braços*
A confissão de amor te ouço,
Os Vencidos
Tres cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cae a noite do céo, pesadamente.Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cae o sangue, em gotas.A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horisonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz n’um soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!Com largo vôo, penetrei na esphera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.
A uma Rosa
Como tens tão pouca vida?
Quem tão depressa te mata?
Flor do mais ilustre sangue,
Que deu de Vénus a planta?
Uma Aurora só que vives,
Flores te chamam Monarca:
Na mesma terra do império,
Que foi berço, tens a campa.
Lástima da tarde chamam
A ti doce mimo da alva,
Gentil pérola nascida
Entre concha de esmeralda.
Águia nos voos florentes
Estendes ao Sol as asas,
Mas quando os raios lhe logras,
Fénix em raios te abrazas.Em quanto em verde clausura
Te fecha o botão as galas,
Para os logros, que desejas,
Te dão vida as esperanças.
Mas quando a púrpura bela
Te serve já de mortalha,
Sentido o Sol chora raios,
Buscando a morte nas águas.
De fermosura tão rica
Não sei quem foi o pirata
Tão atrevido, que rouba
A joia da madrugada.