A SofreguidĂŁo de um Instante
Tudo renegarei menos o afecto,
e trago um ceptro e uma coroa,
o primeiro de ferro, a segunda de urze,
para ser o rei efémero
desse amor Ășnico e breve
que se dilui em partidas
e se fragmenta em perguntas
iguais Ă s das amantes
que a claridade atordoa e converte.
Deixa-me reinar em ti
o tempo apenas de um relĂąmpago
a incendiar a erva seca dos cumes.
E se tiver que montar guarda,
que seja em redor do teu sono,
num ĂȘxtase de lĂĄbios sobre a relva,
num delĂrio de beijos sobre o ventre,
num assombro de dedos sob a roupa.
Eu estava morto e nĂŁo sabia, sabes,
que hĂĄ um tempo dentro deste tempo
para renascermos com os corais
e sermos eternos na sofreguidĂŁo de um instante.
Poemas sobre Reis de José Jorge Letria
2 resultadosMeditação Sobre os Poderes
Rubricavam os decretos, as folhas tristes
sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dĂĄdivas,
murmurando forjadas confidĂȘncias,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo Ă© fugaz
quando, humanamente, se estĂĄ de passagem,
corpo em trĂąnsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus tĂtulos afundados na terra lamacenta.