Poemas sobre Rosto

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Poemas de rosto escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Guerra

Tanto é o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.

Tanto é o sangue
que até a lua se levanta horrível,
e erra nos lugares serenos,
sonâmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.

Tanta é a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estão por ali como tábuas sem uso.

Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que já não pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…

Tanta é a morte
que só as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… — e alcançariam as estrelas.

E as máquinas de entranhas abertas,
e os cadáveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas máculas,
e este mar desvairado de incêndios e náufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nós e vós, imunes,
chorando,

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O Novo Homem

O homem será feito
em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório.
Rirá como gente,
beberá cerveja
deliciadamente.
Caçará narceja
e bicho do mato.
Jogará no bicho,
tirará retrato
com o maior capricho.
Usará bermuda
e gola roulée.
Queimará arruda
indo ao canjerê,
e do não-objecto
fará escultura.
Será neoconcreto
se houver censura.
Ganhará dinheiro
e muitos diplomas,
fino cavalheiro
em noventa idiomas.
Chegará a Marte
em seu cavalinho
de ir a toda parte
mesmo sem caminho.
O homem será feito
em laboratório
muito mais perfeito
do que no antigório.
Dispensa-se amor,
ternura ou desejo.
Seja como for
(até num bocejo)
salta da retorta
um senhor garoto.
Vai abrindo a porta
com riso maroto:
«Nove meses, eu?
Nem nove minutos.»
Quem já concebeu
melhores produtos?
A dor não preside
sua gestação.
Seu nascer elide
o sonho e a aflição.
Nascerá bonito?
Corpo bem talhado?
Claro: não é mito,
é planificado.

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Sabes, Pai

sabes, pai

o cachecol bege nos muros da foz
cobria as árvores com o seu pêlo, ao vento
o boné azul, marinheiro nos cabelos louros
sussurrava pequenas frases às silentes águas
o teu sorriso tão leve, enternecia o rosto
esses óculos, teu cabelo nas tardes de sol

ou o barco encalhado na areia breve
junto ao castelo onde nos passeávamos
eu tu a mãe, duas ou três falas e o meu corpo
que se chegava a vós junto à estrada

nestes muros da foz, abertos ao mar
que voava

A Lembrança

1

Não te afastes, lembrança, não te afastes!
Rosto, não te desfaças, assim,
como na morte!
Continuai a olhar-me, olhos enormes, fixos,
como um instante me olhastes!
Lábios, sorri-me,
como me sorristes um instante!

2

Ai, fronte minha, aperta-te;
não deixes que se espalhe
sua forma fora do seu vaso!
Oprime o seu sorriso e o seu olhar,
até serem a minha vida interna!

3

— Embora me esqueça de mim mesmo;
embora o meu rosto, de tanto o sentir, tome
a forma do seu rosto;
embora eu seja ela
e nela se perca a minha estrutura! —

4

Oh lembrança, sê eu!
Tu — ela — sê lembrança inteira e única, para sempre;
lembrança que me olhe e me sorria
no nada;
lembrança, vida com minha vida,
feita eterna, apagando-me, apagando-me!

Tradução de José Bento

Lua Nova

Mãe dos frutos, Jaci, no alto espaço
Ei-la assoma serena e indecisa:
Sopro é dela esta lânguida brisa
Que sussurra na terra e no mar.
Não se mira nas águas do rio,
Nem as ervas do campo branqueia;
Vaga e incerta ela vem, como a idéia
Que inda apenas começa a espontar.

E iam todos; guerreiros, donzelas,
Velhos, moços, as redes deixavam;
Rudes gritos na aldeia soavam,
Vivos olhos fugiam p’ra o céu:
Iam vê-la, Jaci, mãe dos frutos,
Que, entre um grupo de brancas estrelas,
Mal cintila: nem pôde vencê-las,
Que inda o rosto lhe cobre amplo véu.

***

E um guerreiro: “Jaci, doce amada,
Retempera-me as forças; não veja
Olho adverso, na dura peleja,
Este braço já frouxo cair.
Vibre a seta, que ao longe derruba
Tajaçu, que roncando caminha;
Nem lhe escape serpente daninha,
Nem lhe fuja pesado tapir.”

***

E uma virgem: “Jaci, doce amada,
Dobra os galhos, carrega esses ramos
Do arvoredo co’as frutas* que damos
Aos valentes guerreiros, que eu vou
A buscá-los na mata sombria,

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Maternidade

Escuta, sorrindo,
a morte que bate
de leve em seu corpo
com ávidos, doces
punhos da infância;
com beijos que vão
enchendo seu rosto
de tempo e ternura;
e alimenta, secreta,
a chama tranquila
que em seu ser ilumina
o mistério da vida.

Oh Mil Vezes Feliz

Oh mil vezes feliz o que encerrado
Entre baixas paredes
O tormentoso Inverno alegre passa;
Que de um pequeno campo,
Que ele mesmo cultiva, se alimenta
Apascentando as vacas,
Que da mão paternal somente herdou
C’os dourados novilhos.
Enquanto sobre a terra se reclina
Dormindo descansado
Ao som das frescas águas de um regato,
Horrorosos cuidados
O não vem perturbar no brando sono;
A sórdida cobiça
Lhe não faz conceber vastos projectos;
Não pensa, não intenta
Atravessar o Cabo tormentoso,
Sofrer chuvas e ventos,
Ouvir roncar as denegridas ondas,
E ver na feia noite
Entre nuvens a Lua ir escondendo
O macilento rosto,
Por ir comerciar cos pardos índios
E Chinas engenhosos.
A sede insaciável de riquezas
Não faz que exponha a vida
Nos desertos sertões às verdes cobras,
E aos remendados tigres.
Ah ilustre Soeiro, doce Amigo,
O ouro de que serve,
Se os anos vão correndo tão velozes!
Se a morte não consente,
Que a enrugada e pálida velhice
Com passos vagarosos
Nos venha coroar de níveas cãs?

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Exílio

O mundo não era o rosto de minha amada,
nem o olhar de minha mãe.
E aquele fim de noite, preso na árvore do amanhã,
tão pouco trazia o meu primeiro dia.

Fiquei eu, e a presença
de uma pergunta — uma só! — velada
como as memórias de um mar
no vazio das conchas.

E essa pergunta — meu Deus! — eu já esqueci.

Inocência

De um lado, a veste; o corpo, do outro lado,
Límpido, nu, intacto, sem defesa…
Mitológico rosto debruçado
Na noite que, por ele, fica acesa!

Se traz os lábios húmidos e lassos
É que a paixão sem mácula ainda o cega
E tatuou na curva de alvos braços
As sete letras da palavra: entrega.

Acre perfume o dessa flor agreste.
Álcool azul o desse verde vinho.
De um lado o corpo; do outro lado, a veste
Como luar deitado no caminho…

Em frente há um pinheiro cismador.
O rio corre, vagaroso ao fundo.
Na estrada ninguém passa… Ai! tanto amor
Sem culpa!
Ai! dos Poetas deste mundo!

Natal

Acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.
Era gente a correr pela música acima.
Uma onda uma festa. Palavras a saltar.

Eram carpas ou mãos. Um soluço uma rima.
Guitarras guitarras. Ou talvez mar.
E acontecia. No vento. Na chuva. Acontecia.

Na tua boca. No teu rosto. No teu corpo acontecia.
No teu ritmo nos teus ritos.
No teu sono nos teus gestos. (Liturgia liturgia).
Nos teus gritos. Nos teus olhos quase aflitos.
E nos silêncios infinitos. Na tua noite e no teu dia.
No teu sol acontecia.

Era um sopro. Era um salmo. (Nostalgia nostalgia).
Todo o tempo num só tempo: andamento
de poesia. Era um susto. Ou sobressalto. E acontecia.
Na cidade lavada pela chuva. Em cada curva
acontecia. E em cada acaso. Como um pouco de água turva
na cidade agitada pelo vento.

Natal Natal (diziam). E acontecia.
Como se fosse na palavra a rosa brava
acontecia. E era Dezembro que floria.
Era um vulcão. E no teu corpo a flor e a lava.
E era na lava a rosa e a palavra.

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Posso Te Dar

Posso te dar a carta de marinha
mas o traço que nela insinuasse
um entre tantos rumos
não.

Posso te dar as tábuas de marés
mas a leve emoção de cavalgar
onda e onda após onda
não.

Posso te dar os índices das águas
conforme as densidades, mas a branda
flutuação do casco
não.

Posso te dar a rosa e o timão
mas o desequilíbrio concertante
ao balanço de bordo
não.

Posso te dar exemplos de ancoragens
mas o galeio do barco seguro
retesando as amarras
não.

Posso te dar o longe no binóculo
mas acolá das lentes a paisagem
convidando à viagem
não.

Posso te dar notícia do mar calmo
mas o rumor das franjas no espelhado
junto à roda de proa
não.

Posso te dar o gorro marinheiro
mas a pressão do linho nos cabelos
enquanto sopra o vento
não.

Posso te dar a direcção da chuva
mas o gosto da baga salitrada
escorrendo no rosto
não.

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O Escriba Acocorado

Sentado na pedra de ti próprio,
não tens rosto, senão o que,
de anónimo, a ela afeiçoou
a mão que assim te quis. Do resto,
do que de individualidade, porventura,

em ti existiria, se encarregou
a persistente erosão dos dias. De vago,
neutro olhar sem órbitas, permaneces
hirto, fitando sempre mais além
da morna penumbra que te envolve

no halo intemporal que é, do tempo,
o nexo único. Nesse olhar
de não ver tudo se inscreve,
repensa e adivinha: teus limites
e, ainda, o que excederia tua humana

estatura. Sem contornos, em sombra
e sono te diluis no que, de ti,
nunca saberemos. Porém, límpida
e escorreita, até nós chega a laboriosa
escrita que no papiro ias lavrando.

Cantiga do Rosto Branco

Rico era o rosto branco; armas trazia,
E o licor que devora e as finas telas;
Na gentil Tibeima os olhos pousa,
E amou a flor das belas.

“Quero-te!” disse à cortesã da aldeia;
“Quando, junto de ti, teus olhos miro,
A vista se me turva, as forças perco,
E quase, e quase expiro.”

E responde a morena requebrando
Um olhar doce, de cobiça cheio:
“Deixa em teus lábios imprimir meu nome;
Aperta-me em teu seio!”

Uma cabana levantaram ambos,
O rosto branco e a amada flor das belas…
Mas as riquezas foram-se co’o tempo,
E as ilusões com elas.

Quando ele empobreceu, a amada moça
Noutros lábios pousou seus lábios frios,
E foi ouvir de coração estranho
Alheios desvarios.

Desta infidelidade o rosto branco
Triste nova colheu; mas ele amava,
Inda infiéis, aqueles lábios doces,
E tudo perdoava.

Perdoava-lhe tudo, e inda corria
A mendigar o grão de porta em porta,
Com que a moça nutrisse, em cujo peito
Jazia a afeição morta.

E para si,

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Há Palavras que Nos Beijam

Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

Adeus Tranças Cor de Ouro

Adeus tranças cor de ouro,
Adeus peito cor de neve!
Adeus cofre onde estar deve
Escondido o meu tesouro!

Adeus bonina, adeus lírio
Do meu exílio de abrolhos!
Adeus, ó luz dos meus olhos
E meu tão doce martírio!

Adeus meu amor-perfeito,
Adeus tesouro escondido,
E de guardado, perdido
No mais íntimo do peito.

Desfeito sonho dourado,
Nuvem desfeita de incenso
Em quem dormindo só penso,
Em quem só penso acordado!

Visão, sim, mas visão linda,
Sonho meu desvanecido!
Meu paraíso perdido
Que de longe adoro ainda!

Nuvem que ao sopro da aragem
Voou nas asas de prata,
Mas no lago que a retrata
Deixou esculpida a imagem!

Rosa de amor desfolhada
Que n’alma deixou o aroma,
Como o deixa na redoma
Fina essência evaporada!

Gota de orvalho que o vento
Levou do cálix das flores,
Curto abril dos meus amores,
Primavera de um momento!

Adeus Sol, que me alumia
Pelas ondas do oceano
Desta vida, deste engano,

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Amo-te Muito, Muito!

Amo-te muito, muito!
Reluz-me o paraíso
Num teu olhar fortuito,
Num teu fugaz sorriso!

Quando em silêncio finges
Que um beijo foi furtado
E o rosto desmaiado
De cor-de-rosa tinges,

Dir-se-á que a rosa deve
Assim ficar com pejo
Quando a furtar-lhe um beijo
O zéfiro se atreve!

E às vezes que te assalta
Não sei que idem, jovem,
Que o rosto se te esmalta
De lágrimas que chovem;

Que fogo é que em ti lavra
E as forças te aniquila,
Que choras, mas tranquila,
E nem uma palavra?…

Oh! se essa mudez tua
É como a que eu conservo
Lá quando à noite observo
O que no céu flutua;

Ou quando à luz que adoro
Às horas do infinito,
Nas rochas de granito
Os braços cruzo e choro;

Amamo-nos! Não cabe
Em nossa pobre língua
O que a alma sente, à mingua
De voz… que só Deus sabe!

Que Aziago que Foi, que Dia Infausto

Que aziago que foi, que dia infausto
Aquele, em que vi tua formosura!
Em que cheio de amor e de ternura
Esta alma te ofertei em holocausto!
Teus olhos m’o fizeram ter por fausto,
Teus belos olhos cheios de doçura,
Mas logo me fez ver minha loucura
Teu peito de rigores nunca exausto.
Ai! e quão mesquinho é, quão desgraçado
Aquele, que como as mostras vão se engana
De um angélico rosto sossegado!

Pois mil vezes encobre a vista humana
Qual áspide cruel florido prado,
Um coração uma alma desumana.

Os amantes sem dinheiro

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Se Perguntas Onde Fui

Se perguntas onde fui,
devo dizer: o mar.
Estive sempre ali,
mesmo estando a mudar.

Foi ali que escrevi
tua pele, teu suor.
Ao tempo, seus faróis.
Não mudei de mudar.

2

O que mudou em mim,
senão andar mudando
sem nunca mais mudar?

Quem mudará em mim,
se não sei mudar?

3

Ou me mudei. Sou outro.
Outra ventura, outra
virtude, cadência,
remota criatura.

Então que se apresente.
Seja tenaz, plausível
esse rosto invisível
e áspero.

Mudei. Soprava o mar.
Mudei de não mudar.

Retrato

Pintar o rosto de Márcia
Com tal primor determino,
Que seja logo seu rosto
Pela pinta conhecido.
Anda doudo de prazer
Seu cabelo por tão lindo,
Pois mal lhe vai uma onda,
Quando outra já lhe tem vindo.
Sua testa com seus arcos
Do Turco Império castigo
Vencido tem Solimão,
Meias Luas tem vencido.
Dormidos seus olhos são,
Porém Planetas tão ricos
Nunca já foram sonhados,
Bem que sempre são dormidos.
A dormir creio se lançam
Por ter de mortais, e vivos
Tão boa fama cobrado,
Nome tão grande adquirido.
Entre seus raios se mostra
O grande nariz bornido,
Por final que entre seus raios
Prova o nariz de aquilino.
Nas taças de suas faces
Feitas do metal mais limpo,
Como certos Reverendos,
Mistura o branco co’tinto.
As perlas dos dentes alvos,
Os rubins dos beiços finos
Tem desdentado o marfim,
E a cor mais viva comido.
O passadiço da voz
Nem é neve, nem é vidro,
Nem mármore, nem marfim,
Nem cristal, mas passadiço.

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