Poemas sobre Ruas de José Luís Peixoto

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Poemas de ruas de José Luís Peixoto. Leia este e outros poemas de José Luís Peixoto em Poetris.

o tempo subitamente solto

o tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias,
como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo,
mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer.
eram os teus olhos, labirintos de ĂĄgua, terra, fogo, ar,
que eu amava quando imaginava que amava. era a tua
a tua voz que dizia as palavras da vida. era o teu rosto.
era a tua pele. antes de te conhecer, existias nas ĂĄrvores
e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde.
muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

fingir que estĂĄ tudo bem

fingir que estĂĄ tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que estĂĄ tudo bem: olhas-me e sĂł tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram Ă© noite: as pessoas
nĂŁo imaginam: sĂŁo tĂŁo ridĂ­culas as pessoas, tĂŁo
desprezĂ­veis: as pessoas falam e nĂŁo imaginam: nĂłs
olhamo-nos: fingir que estĂĄ tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lĂĄbios a sorrir: serĂĄ que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: serĂĄ que vou morrer? olhas-me e sĂł tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silĂȘncio e chuva que nĂŁo se pode dizer:
amor e morte: fingir que estĂĄ tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incĂȘndio que nos afoga.