Poemas sobre Saber

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Poemas de saber escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Saber

saber
é saber saber-te
sabermo-nos unir

unirmo-nos
é conhecermo-nos
sabermos ser

por fim sermos
é sabermos
sabermo-nos

conhecermos
a surda áspide

O que Nós Vemos das Cousas São as Cousas

O que nós vemos das cousas são as cousas.
Por que veríamos nós uma cousa se houvesse outra?
Por que é que ver e ouvir seria iludirmo-nos
Se ver e ouvir são ver e ouvir?
O essencial é saber ver,
Saber ver sem estar a pensar,
Saber ver quando se vê,
E nem pensar quando se vê
Nem ver quando se pensa.
Mas isso (tristes de nós que trazemos a alma vestida!),
Isso exige um estudo profundo,
Uma aprendizagem de desaprender
E uma seqüestração na liberdade daquele convento
De que os poetas dizem que as estrelas são as freiras eternas
E as flores as penitentes convictas de um só dia,
Mas onde afinal as estrelas não são senão estrelas
Nem as flores senão flores.
Sendo por isso que lhes chamamos estrelas e flores.

Fonte – I

Ela é a fonte. Eu posso saber que é
a grande fonte
em que todos pensaram. Quando no campo
se procurava o trevo, ou em silêncio
se esperava a noite,
ou se ouvia algures na paz da terra
o urdir do tempo –
cada um pensava na fonte. Era um manar
secreto e pacífico.
Uma coisa milagrosa que acontecia
ocultamente.

Ninguém falava dela, porque
era imensa. Mas todos a sabiam
como a teta. Como o odre.
Algo sorria dentro de nós.

Minhas irmãs faziam-se mulheres
suavemente. Meu pai lia.
Sorria dentro de mim uma aceitação
do trevo, uma descoberta muito casta.
Era a fonte.

Eu amava-a dolorosa e tranquilamente.
A lua formava-se
com uma ponta subtil de ferocidade,
e a maçã tomava um princípio
de esplendor.

Hoje o sexo desenhou-se. O pensamento
perdeu-se e renasceu.
Hoje sei permanentemente que ela
é a fonte.

Fragmento Terceiro

I

Campos de ira, tão vasto sentimento
vos afasta. íris morta! Os actos radicais
constroem, em projeto, um frágil
universo – a tinta, o espaço óptico.
Descansam os sentidos sobre pródigas
defesas: os filtros turvos, as precauções
na sua cura. Os nervos tersos
da análise da vida e da matéria.

II

Desviam-se dos livros. Hoje escreve
contra a morte dos olhos, a existência
passível de leitura. Ineptos, os sons
perdem-se na encosta. o vento fere
ainda? Inscrito
na área da cabeça, é esse rastro
ainda vivo. Domino a sua queda, os seus poderes
punitivos, a sua força hereditária.

III

Persistir no imóvel. Preencher
os anos que nos moldam
no vigor da fibra, no duro movimento
interior — a que destino, a que imaturo
ritmo, sem preço? Pois é o caro
prémio deste dorso
de o cumprir, pensar, até ao fim.
Ou de saber adestrá-lo até que,
exausto, só impulso
vigore — a morte lida
num próximo sentido, ainda vivo.

IV

Como contacto único,

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Carta de Amor

Para te dizer tão-só que te queria
Como se o tempo fosse um sentimento
bastava o teu sorriso de um outro dia
nesse instante em que fomos um momento.
Dizer amor como se fosse proibido
entre os meus braços enlaçar-te mais
como um livro devorado e nunca lido.
Será pecado, amor, amar-te demais?
Esperar como se fosse (des) esperar-te,
essa certeza de te ter antes de ter.
Ensaiar sozinho a nossa arte
de fazer amor antes de ser.
Adivinhar nos olhos que não vejo
a sede dessa boca que não canta
e deitar-me ao teu lado como o Tejo
aos pés dessa Lisboa que ele encanta.
Sentir falta de ti por tu não estares
talvez por não saber se tu existes
(percorrendo em silêncio esses altares
em sacrifícios pagãos de olhos tristes).
Ausência, sim. Amor visto por dentro,
certezas ao contrário, por estar só.
Pesadelo no meu sonho noite adentro
quando, ao meu lado, dorme o que não sou.
E, afinal, depois o que ficou
das noites perdidas à procura
de um resto de virtude que passou
por nós em co(r)pos de loucura?

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brincávamos a cair nos braços um do outro

brincávamos a cair nos
braços um do outro, como faziam
as actrizes nos filmes com o marlon
brando, e depois suspirávamos e ríamos
sem saber que habituávamos o coração à
dor. queríamos o amor um pelo outro
sem hesitações, como se a desgraça nos
servisse bem e, a ver filmes, achávamos que
o peito era todo em movimento e não
sabíamos que a vida podia parar um
dia. eu ainda te disse que me doíam os
braços e que, mesmo sendo o rapaz, o
cansaço chegava e instalava-se no meu
poço de medo. tu rias e caías uma e outra
vez à espera de acreditares apenas no que
fosse mais imediato, quando os filmes acabavam,
quando percebíamos que o mundo era
feito de distância e tanto tempo vazio, tu
ficavas muito feminina e abandonada e eu
sofria mais ainda com isso. estavas tão
diferente de mim como se já tivesses
partido e eu fosse apenas um local esquecido
sem significado maior no teu caminho. tu
dizias que se morrêssemos juntos
entraríamos juntos no paraíso e querias
culpar-me por ser triste de outro modo,

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Mas se não Amo, nem Posso

Mas se não amo, nem posso,
Que pode então isto ser?
Coração, se já morreste,
Porque te sinto bater?
Ai, desconfio que vives
Sem tu nem eu o saber.

Porque a olho quando a vejo?
Porque a vejo sem a olhar?
Porque longe dos meus olhos
Me andam os seus a lembrar?

Porque levo tantas horas
Nela somente a pensar?
Poque tímido lhe falo,
E dantes não era assim?
Porque mal a voz lhe escuto
Não sei o que sinto em mim?
Porque nunca um não me acode
Em tudo que ela diz sim?

Porque estremeço contente
Quando ela me estende a mão,
E se aos outros faz o mesmo
Porque é que não gosto então?
Deveras que não me entendo,
Nem te entendo, coração.

Ou me enganas, ou te engano;
Se isto amor não pode ser,
Não atino, não conheço
Que outro nome possa ter;
Ai, coração, que vivemos
Sem tu nem eu o saber.

Como Eu não Possuo

Olho em volta de mim. Todos possuem –
Um afecto, um sorriso ou um abraço.
Só para mim as ânsias se diluem
E não possuo mesmo quando enlaço.

Roça por mim, em longe, a teoria
Dos espasmos golfados ruivamente;
São êxtases da côr que eu fremiria,
Mas a minh’alma pára e não os sente!

Quero sentir. Não sei… perco-me todo…
Não posso afeiçoar-me nem ser eu:
Falta-me egoísmo pra ascender ao céu,
Falta-me unção pra me afundar no lôdo.

Não sou amigo de ninguém. Pra o ser
Forçoso me era antes possuir
Quem eu estimasse – ou homem ou mulher,
E eu não logro nunca possuir!…

Castrado de alma e sem saber fixar-me,
Tarde a tarde na minha dor me afundo…
Serei um emigrado doutro mundo
Que nem na minha dor posso encontrar-me?…

*       *       *       *       *

Como eu desejo a que ali vai na rua,
Tão ágil, tão agreste, tão de amor…
Como eu quisera emmaranhá-la nua,
Bebê-la em espasmos d’harmonia e côr!…

Desejo errado… Se a tivera um dia,

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Os Poemas

Os poemas são pássaros que chegam
não se sabe de onde e pousam
no livro que lês.
Quando fechas o livro, eles alçam vôo
como de um alçapão.
Eles não têm pouso
nem porto
alimentam-se um instante em cada par de mãos
e partem.
E olhas, então, essas tuas mãos vazias,
no maravilhado espanto de saberes
que o alimento deles já estava em ti…

Ode Marítima

Sozinho, no cais deserto, a esta manhã de Verão,
Olho pro lado da barra, olho pro Indefinido,
Olho e contenta-me ver,
Pequeno, negro e claro, um paquete entrando.
Vem muito longe, nítido, clássico à sua maneira.
Deixa no ar distante atrás de si a orla vã do seu fumo.
Vem entrando, e a manhã entra com ele, e no rio,
Aqui, acolá, acorda a vida marítima,
Erguem-se velas, avançam rebocadores,
Surgem barcos pequenos de trás dos navios que estão no porto.
Há uma vaga brisa.
Mas a minh’alma está com o que vejo menos,
Com o paquete que entra,
Porque ele está com a Distância, com a Manhã,
Com o sentido marítimo desta Hora,
Com a doçura dolorosa que sobe em mim como uma náusea,
Como um começar a enjoar, mas no espírito.

Olho de longe o paquete, com uma grande independência de alma,
E dentro de mim um volante começa a girar, lentamente,

Os paquetes que entram de manhã na barra
Trazem aos meus olhos consigo
O mistério alegre e triste de quem chega e parte.

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Grandes São os Desertos, e Tudo é Deserto

Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.

Grandes são os desertos, minha alma!
Grandes são os desertos.

Não tirei bilhete para a vida,
Errei a porta do sentimento,
Não houve vontade ou ocasião que eu não perdesse.
Hoje não me resta, em vésperas de viagem,
Com a mala aberta esperando a arrumação adiada,
Sentado na cadeira em companhia com as camisas que não cabem,
Hoje não me resta (à parte o incômodo de estar assim sentado)
Senão saber isto:
Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Grande é a vida, e não vale a pena haver vida,

Arrumo melhor a mala com os olhos de pensar em arrumar
Que com arrumação das mãos factícias (e creio que digo bem)
Acendo o cigarro para adiar a viagem,

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Delicadeza

Essa delicadeza, cada vez mais difícil, pela qual se perde
a vida, como a entendo,
pratico.
Essa subtileza de pesadelo branco, como a sinto
extrema sempre,
às vezes.
Ingénua – um animal discreto; sem dono
e sem direitos.
Por ela arrisco um aceitar alguém
que nunca foi
criança.
Um ler que me não prende mais a atenção, um ser gentil
para com uma pessoa ingrata
– um cultivar uma paixão isenta
“dos cardos do contacto”.
Um não precisar esclarecer seja o que for,
pois tudo na vida é afinal
bem mais sério
do que parece.
É por essa gentileza
que se um grito me chega ao ouvido
prefiro escutar nele o cheiro de um corpo que se perdeu
do meu
e ainda assim dizer
Deus seja louvado,
oxalá ele consiga agora ficar
silencioso qual rasto de leitura sem palavra.
Sim, é por essa gentileza, mulher poeta ou homem sensível
– não me distingo nem de um nem do outro -,
que muito embora as minhas esperanças
se tenham desfeito há muito
me permito,

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Ontem à Tarde um Homem das Cidades

Ontem à tarde um homem das cidades
Falava à porta da estalagem.
Falava comigo também.
Falava da justiça e da luta para haver justiça
E dos operários que sofrem,
E do trabalho constante, e dos que têm fome,
E dos ricos, que só têm costas para isso.
E, olhando para mim, viu-me lágrimas nos olhos
E sorriu com agrado, julgando que eu sentia
O ódio que ele sentia, e a compaixão
Que ele dizia que sentia.
(Mas eu mal o estava ouvindo.
Que me importam a mim os homens
E o que sofrem ou supõem que sofrem?
Sejam como eu — não sofrerão.
Todo o mal do mundo vem de nos importarmos uns com os
outros,
Quer para fazer bem, quer para fazer mal.
A nossa alma e o céu e a terra bastam-nos.
Querer mais é perder isto, e ser infeliz.)
Eu no que estava pensando
Quando o amigo de gente falava
(E isso me comoveu até às lágrimas),
Era em como o murmúrio longínquo dos chocalhos
A esse entardecer
Não parecia os sinos duma capela pequenina
A que fossem à missa as flores e os regatos
E as almas simples como a minha.

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Súplica

Mortos que em certas horas me falais
Com a vossa mudez ou murmúrios subtis,
Dizei: Custa muito morrer?
Há lá, por esse mundo, uma outra vida,
Que valha a pena viver?

Mortos que em certas horas me tocais
Com a vossa mão fria,
Dizei-me: Com a morte tudo acaba,
Ou, como se nascêssemos de novo,
Um novo mundo principia?

Nada sei.
Sou inexperiente da morte,
Pois não morri ainda.
Queria saber e desvendar
Se com a morte que tomba
Alguma coisa começa,
Ou, se pelo contrário, tudo finda.

Esses que amei, com quem vivi, felizes,
Num mundo de amarguras povoado,
De novo, poderei tornar a vê-los,
Felizes ao meu lado?

Ilusões, quem as criou,
É um benfeitor
Que merece guarida!
Dai-me a ilusão, todos vós que morrestes,
De uma outra vida melhor
Para além desta vida.

Mysticismo Humano

A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!

Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…

– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…

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Confesso

Confesso que te amei, confesso
Não coro de o dizer, não coro
Pareço outra mulher, pareço
Mas lá chorar por ti, não choro

Fugir do amor tem seu preço
E a noite em claro atravesso
Longe do meu travesseiro
Começo a ver que não esqueço
Mas lá perdão não te peço
Sem que me peças primeiro

De rastos a teus pés
Perdida te adorei
Até que me encontrei
Perdida
Agora já não és
Na vida o meu senhor
Mas foste o meu amor
Na vida

Não penses mais em mim, não penses
Não estou nem p’ra te ouvir por carta
Convences as mulheres, convences
Estou farta de o saber, estou farta

Não escrevas mais nem me incenses
Quero que tu me diferences
Dessas que a vida te deu
A mim já não me pertences
Mas lá vencer-me não vences
Porque vencida estou eu

De rastos a teus pés
Perdida te adorei
Até que me encontrei
Perdida
Agora já não és
Na vida o meu senhor
Mas foste o meu amor
Na vida.

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Natal

Se alguém por mim passou,
O seu caminho foi.
Nenhuma dor me dói;
Neste canto me isolo;
Dá-me tanto consolo
Saber que apenas sou!

Reduz-se tudo a isto:
Suavíssimo perfume
De heliotrópio morto.
Traz-me tanto conforto
Saber que só existo
Aqui, junto do lume!

E o vento que, lá fora,
Deita as folhas em terra,
Não me abala sequer.
Ah, quanto bem encerra
A minha ideia, agora,
De estar num canto, e ser?

Não Deixeis um Grande Amor

Aos poucos apercebi-me do modo
desolado incerto quase eventual
com que morava em minha casa

assim ele habitou cidades
desprovidas
ou os portos levantinos a que
se ligava apenas por saber
que nada ali o esperava

assim se reteve nos campos
dos ciganos sem nunca conseguir
ser um deles:
nas suas rixas insanas
nas danças de navalhas
na arte de domar a dor

chegou a ser o melhor
mas era ainda a criança perdida
que protesta inocência
dentro do escuro

não será por muito tempo
assim eu pensava
e pelas falésias já a solidão
dele vinha

não será por muito tempo
assim eu pensava
mas ele sorria e uma a uma
as evidencias negava

por isso vos digo
não deixeis o vosso grande amor
refém dos mal-entendidos
do mundo

Cantiga da velha mãe e dos seus dois filhos

Ai o meu pobre filho, que rico que é
ai o meu rico filho, que pobre que é
Nascidos do mesmo ventre
Um vive de joelhos pró outro passar à frente
E esta velha mãe para aqui já no sol poente

Um dia há muito tempo, vi-os partir
levando cada um do outro o porvir
Seguiram pela estrada fora
Um voltou-se para trás, disse adeus que me vou embora
Voltaremos trazendo connosco a vitória

De que vitória falas, disse eu então
Da que faz um escravo do teu irmão?
Ou duma outra que rebenta
como um rio de fúria no peito feito tormenta
quando não há nada a perder no que se tenta?

Passaram muitos anos sem mais saber
nem por onde passavam, nem se por ter
criado os dois no mesmo chão
eram ainda irmãos, partilhavam ainda o pão
E o silêncio enchia de morte o meu coração

Depois vieram novas que o que vivia
da miséria do outro, se enriquecia
Não foi para isto que andei
dias que foram longos e noites que não contei
a lutar pra ter a justiça como lei

Às vezes rogo pragas de os ver assim
Sinto assim uma faca dentro de mim
Sei que estou velha e doente
Mas para ver o mundo girar de modo diferente
Ainda sei gritar,

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Poema da Voz que Escuta

Chamam-me lá em baixo.
São as coisas que não puderam decorar-me:
As que ficaram a mirar-me longamente
E não acreditaram;
As que sem coração, no relâmpago do grito,
Não puderam colher-me.
Chamam-me lá em baixo,
Quase ao nível do mar, quase à beira do mar,
Onde a multidão formiga
Sem saber nadar.
Chamam-me lá em baixo
Onde tudo é vigoroso e opaco pelo dia adiante
E transparente e desgraçado e vil
Quando a noite vem, criança distraída,
Que debilmente apaga os traços brancos
Deste quadro negro – a Vida.
Chamam-me lá em baixo:
Voz de coisas, voz de luta.
É uma voz que estala e mansamente cala
E me escuta.