Poemas sobre Senhores

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Poemas de senhores escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

Poema Quotidiano

É tão depressa noite neste bairro
Nenhum outro porém senhor administrador
goza de tão eficiente serviço de sol
Ainda não há muito ele parecia
domiciliado e residente ao fim da rua
O senhor não calcula todo o dia
que festa de luz proporcionou a todos
Nunca vi e já tenho os meus anos
lavar a gente as mãos no sol como hoje
Donas de casa vieram encher de sol
cântaros alguidares e mais vasos domésticos
Nunca em tantos pés
assim humildemente brilhou
Orientou diz-se até os olhos das crianças
para a escola e pôs reflexos novos
nas míseras vidraças lá do fundo

Há quem diga que o sol foi longe demais
Algum dos pobres desta freguesia
apanhou-o na faca misturou-o no pão
Chegaram a tratá-lo por vizinho
Por este andar… Foi uma autêntica loucura
O astro-rei tornado acessível a todos
ele que ninguém habitualmente saudava
Sempre o mesmo indiferente
espectáculo de luz sobre os nossos cuidados
Íamos vínhamos entrávamos não víamos
aquela persistência rubra. Ousaria
alguém deixar um só daqueles raios
atravessar-lhe a vida iluminar-lhe as penas?

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Dois Excertos de Odes

(Fins de duas odes, naturalmente)

I

Vem, Noite antiquíssima e idêntica,
Noite Rainha nascida destronada,
Noite igual por dentro ao silêncio, Noite
Com as estrelas lentejoulas rápidas
No teu vestido franjado de Infinito.

Vem, vagamente,
Vem, levemente,
Vem sozinha, solene, com as mãos caídas
Ao teu lado, vem
E traz os montes longínquos para o pé das árvores próximas,
Funde num campo teu todos os campos que vejo,
Faze da montanha um bloco só do teu corpo,
Apaga-lhe todas as diferenças que de longe vejo,
Todas as estradas que a sobem,
Todas as várias árvores que a fazem verde-escuro ao longe.
Todas as casas brancas e com fumo entre as árvores,
E deixa só uma luz e outra luz e mais outra,
Na distância imprecisa e vagamente perturbadora,
Na distância subitamente impossível de percorrer.

Nossa Senhora
Das coisas impossíveis que procuramos em vão,
Dos sonhos que vêm ter conosco ao crepúsculo, à janela,
Dos propósitos que nos acariciam
Nos grandes terraços dos hotéis cosmopolitas
Ao som europeu das músicas e das vozes longe e perto,

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A Adoração dos Magos

Aquela noite a três
foi como desenhar a maçarico
numa chapa de ferro
um vento fóssil, um vítreo monograma,
o rasto ao exceder o voo de uma carriça
cativo flutua no vidro de uma jarra.
Suspensos percorriam na polpa da vertigem
léguas sobre o abismo.
Pendentes do zinco da manhã
à espera do início
do seguinte espectáculo
dispersaram o sémen
nas chaminés da noite leprosa.
Nos terraços da luta percorreram
as danças mais funestas da ternura.
Num combinar astuto de referências
abriram-se os portais
e despediram galopes penitentes
os animais libertos
das tecidas mansões.
O unicórnio branco depôs sua cabeça
nos braços da senhora,
compadecida dama,
e lhe tocou fiando suas lãs
entre as unhas crivadas por metralha.
Sinto-lhes o assédio,
em cada joelho poisam
um queixo armadilhado,
a barba já cresceu desde o jantar.
«É a adoração dos magos» – murmuras tu –
fincando na ravina os dedos imanados
enquanto o tronco investe
a pele percorrida por venosas nascentes.
Olho por sobre um ombro
e surpreendo a treva
ofendida esgueirar-se
entre os dedos da porta.

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Lusíada Exilado

Nem batalhas nem paz: obscura guerra.
Dói-me um país neste país que levo.
Sou este povo que a si mesmo se desterra
meu nome são três sílabas de trevo.

Há nevoeiro em mim. Dentro de abril dezembro.
Quem nunca fui é um grito na memória.
E há um naufrágio em mim se de quem fui me lembro
há uma história por contar na minha história.

Trago no rosto a marca do chicote.
Cicatrizes as minha condecorações.
Nas minhas mãos é que é verdade D. Quixote
trago na boca um verso de Camões.

Sou este camponês que foi ao mar
lavrou as ondas e mondou a espuma
e andou achando como a vindimar
terra plantada sobre o vento e a bruma.

Sou este marinheiro que ficou em terra
lavrando a mágoa como se lavrar
não fosse mais do que a perdida guerra
entre o não ser na terra e o ser no mar.

Eu que parti e que fiquei sempre presente
eu que tudo mandava e nunca fui senhor
eu que ficando estive sempre ausente
eu que fui marinheiro sendo lavrador.

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Noite Fechada

L.

Lembras-te tu do sábado passado,
Do passeio que demos, devagar,
Entre um saudoso gás amarelado
E as carícias leitosas do luar?

Bem me lembro das altas ruazinhas,
Que ambos nós percorremos de mãos dadas:
Às janelas palravam as vizinhas;
Tinham lívidas luzes as fachadas.

Não me esqueço das cousas que disseste,
Ante um pesado tempo com recortes;
E os cemitérios ricos, e o cipreste
Que vive de gorduras e de mortes!

Nós saíramos próximo ao sol-posto,
Mas seguíamos cheios de demoras;
Não me esqueceu ainda o meu desgosto
Nem o sino rachado que deu horas.

Tenho ainda gravado no sentido,
Porque tu caminhavas com prazer,
Cara rapada, gordo e presumido,
O padre que parou para te ver.

Como uma mitra a cúpula da igreja
Cobria parte do ventoso largo;
E essa boca viçosa de cereja
Torcia risos com sabor amargo.

A Lua dava trêmulas brancuras,
Eu ia cada vez mais magoado;
Vi um jardim com árvores escuras,
Como uma jaula todo gradeado!

E para te seguir entrei contigo
Num pátio velho que era dum canteiro,

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Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dáveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mãos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que então me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.

A Minha Dôr

Tua morte feriu-me no mais fundo,
Remoto da minh’alma que eu julgava
Já fóra desta vida e deste mundo!

E vejo agora quanto me enganava,
Imaginando possuir em mim
Alma que fôsse livre e não escrava!

Meu espirito é treva e dôr sem fim.
Todo eu sou dôr e morte. Sou franquêsa.
Sou o enviado da Sombra. Ao mundo vim

Prégar a noite, a lagrima, a incertêsa,
A luz que, para sempre, anoiteceu…
Esta envolvente, essencial tristêsa,

Tristêsa original donde nasceu
O sol caindo em lagrimas de luz,
Chôro de oiro inundando terra e céu!

Sou o enviado da Sombra. Em negra cruz,
Meu ilusorio sêr crucificado
Lembra um morto phantasma de Jesus…

E aos pés da minha cruz, no chão maguado,
A tua Ausencia é a Virgem Dolorosa,
Com tenebroso olhar no meu pregado.

Ah! quanto a minha vida religiosa,
Depois que te perdeste no sol-pôsto,
Se fez incerta, fragil e enganosa!

Em meu sêr desenhou-se um novo rôsto.
Sou outro agora; e vejo com pavor
Minha máscara interna de desgôsto.

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Os Amantes

Amor, é falso o que dizes;
Teu bom rosto é contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;

O teu meu é mel azedo,
Não creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vão rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.

Teus prémios são pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.

Fartei-te assaz a vontade;
Em vãos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?

És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.

Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui não tiras nada.

Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;

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Purinha

O Espirito, a Nuvem, a Sombra, a Chymera,
Que (aonde ainda não sei) neste mundo me espera
Aquella que, um dia, mais leve que a bruma,
Toda cheia de véus, como uma Espuma,
O Sr. Padre me dará p’ra mim
E a seus pés me dirá, toda corada: Sim!
Ha-de ser alta como a Torre de David,
Magrinha como um choupo onde se enlaça a vide
E seu cabello em cachos, cachos d’uvas,
E negro como a capa das viuvas…
(Á maneira o trará das virgens de Belem
Que a Nossa Senhora ficava tão bem!)
E será uma espada a sua mão,
E branca como a neve do Marão,
E seus dedos serão como punhaes,
Fuzos de prata onde fiarei meus ais!
E os seus seios serão como dois ninhos,
E seus sonhos serão os passarinhos,
E será sua bocca uma romã,
Seus olhos duas Estrellinhas da Manhã!
Seu corpo ligeiro, tão leve, tão leve,
Como um sonho, como a neve,
Que hei-de suppor estar a ver, ao vel-a,
Cabrinhas montezas da Serra da Estrella…
E ha-de ser natural como as hervas dos montes
E as rolas das serras e as agoas das fontes…

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Os Sinos

1

Os sinos tocam a noivado,
No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
A noivado!

Que linda criança que assoma na rua!
Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que é a Lua,
Que vem a andar…

Tambem, algum dia, o povo na rua,
Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua
Que vae cazar…

2

E o sino toca a baptizado
Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
A baptizado!

E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o lavar,
E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o sujar.

Ó boa madrinha, que o enxugas de leve,
Tem dó d’esses gritos! Comprehende esses ais:
Antes o enxugue a Velha! antes Deus t’o leve!
Não soffre mais…

3

Os sinos dobram por anjinho,
Coitadinho!
Os sinos dobram, coitadinho…
Pelo anjinho!

Que aceiada que vae p’ra cova!
Olhae! olhae!
Sapatinhos de sola nova,
Olhae!

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O Novo Homem

O homem será feito
em laboratório.
Será tão perfeito como no antigório.
Rirá como gente,
beberá cerveja
deliciadamente.
Caçará narceja
e bicho do mato.
Jogará no bicho,
tirará retrato
com o maior capricho.
Usará bermuda
e gola roulée.
Queimará arruda
indo ao canjerê,
e do não-objecto
fará escultura.
Será neoconcreto
se houver censura.
Ganhará dinheiro
e muitos diplomas,
fino cavalheiro
em noventa idiomas.
Chegará a Marte
em seu cavalinho
de ir a toda parte
mesmo sem caminho.
O homem será feito
em laboratório
muito mais perfeito
do que no antigório.
Dispensa-se amor,
ternura ou desejo.
Seja como for
(até num bocejo)
salta da retorta
um senhor garoto.
Vai abrindo a porta
com riso maroto:
«Nove meses, eu?
Nem nove minutos.»
Quem já concebeu
melhores produtos?
A dor não preside
sua gestação.
Seu nascer elide
o sonho e a aflição.
Nascerá bonito?
Corpo bem talhado?
Claro: não é mito,
é planificado.

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Senhoras, Eu Estou Picado

Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.

Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.

Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.

Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,

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Em Defesa da Língua Portuguesa

Desta audácia, Senhor, deste descôco
Que entre nós, sem limite, vai lavrando,
Quem mais sente as terríveis conseqüências
É a nossa português, casta linguagem,
Que em tantas traduções anda envasada
(Traduções que merecem ser queimadas!)
Em mil termos e frases galicanas!
Ah! se, as marmóreas campas levantando,
Saíssem dos sepulcros, onde jazem
Suas honradas cinzas, os antigos
Lusitanos varões, que, com a pena

Ou com a espada e lança, a Pátria ornaram;
Os novos idiotismos escutando,
A mesclada dição, bastardos termos
Com que enfeitar intentam seus escritos
Estes novos, ridículos autores;

(Como se a bela e fértil língua nossa,
Primogênita filha da Latina,
Precisasse de estranhos atavios)
Súbito, certamente pensariam
Que nos sertões estavam de Caconda,
Quilimane, Sofala ou Moçambique;
Até que, já, por fim, desenganados

Que eram em Portugal, que os Portugueses
Eram também os que costumes, língua,
Por tão estranhos modos afrontaram,
Segunda vez, de pejo, morreriam.

Timor

Lavam-se os olhos nega-se o beijo
do labirinto escolhe-se o mar
no cais deserto ficam desejos
da terra quente por conquistar

Nobre soldado que vens senhor
por sobre as asas do teu dragão
beijas os corpos no chão queimado
nunca serás o nosso perdão

Ai Timor
calam-se as vozes
dos teus avós
Ai Timor
se outros calam
cantemos nós

Salgas os ventres que não tiveste
ceifando os filhos que não são teus
nobre soldado nunca sonhaste
ver uma espada na mão de Deus

Da cruz se faz uma lança em chamas
que sangra o céu no sol do meio dia
do meio dos corpos a mesma lama
leito final onde o amor nascia

Ai Timor
calam-se as vozes
dos teus avós
Ai Timor
se outros calam
cantemos nós

Oh Mil Vezes Feliz

Oh mil vezes feliz o que encerrado
Entre baixas paredes
O tormentoso Inverno alegre passa;
Que de um pequeno campo,
Que ele mesmo cultiva, se alimenta
Apascentando as vacas,
Que da mão paternal somente herdou
C’os dourados novilhos.
Enquanto sobre a terra se reclina
Dormindo descansado
Ao som das frescas águas de um regato,
Horrorosos cuidados
O não vem perturbar no brando sono;
A sórdida cobiça
Lhe não faz conceber vastos projectos;
Não pensa, não intenta
Atravessar o Cabo tormentoso,
Sofrer chuvas e ventos,
Ouvir roncar as denegridas ondas,
E ver na feia noite
Entre nuvens a Lua ir escondendo
O macilento rosto,
Por ir comerciar cos pardos índios
E Chinas engenhosos.
A sede insaciável de riquezas
Não faz que exponha a vida
Nos desertos sertões às verdes cobras,
E aos remendados tigres.
Ah ilustre Soeiro, doce Amigo,
O ouro de que serve,
Se os anos vão correndo tão velozes!
Se a morte não consente,
Que a enrugada e pálida velhice
Com passos vagarosos
Nos venha coroar de níveas cãs?

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Noite de Amores

Mimosa noite de amores,
Mimoso leito de flores,
Mimosos, lânguidos ais!
Vergôntea débil ainda,
Tremia! Lua tão linda,
Lembra-me ainda… Jamais!

Aquela dália mimosa,
Aquele botão de rosa
Dos lábios dela… Senhor!
Murchavam; mas, como a Lua,
Passava a nuvem: «Sou tua»!
Reverdeciam de amor!

E aquela estátua de neve
Como é que o fogo conteve
Que não a vi descoalhar?
Ondas de fogo, uma a uma,
Naquele peito de espuma
Eram as ondas do mar!

Como os seus olhos me olhavam,
Como nos meus se apagavam,
E se acendiam depois!
Como é que ali confundidas
Se não trocaram as vidas
E os corações de nós dois!

Mimosa noite de amores,
Mimoso leito deflores,
Mimosos, lânguidos ais!
Vergôntea débil ainda,
Tremia! Lua tão linda,
Lembra-me ainda… Jamais!

As Rosas de Santa Isabel

Onde ides, correndo asinha,
Onde ides, bela Rainha,
Onde ides, correndo assim?
Porque andais fora dos Paços?
Que peso levais nos braços?
Oh! Dizei-mo agora a mim?…

A Santa, regalos novos,
Frutas, pão, e carne, e ovos,
No regaço e braços seus,
Sem cuidar ser surpreendida,
Ia levar farta vida
Aos pobrezinhos de Deus.

Coram-lhe as faces formosas,
E responde:- “Levo rosas…”
Dom Dinis deitou-lhe a mão,
Ao regaço, de repente;
Mas de rubra cor vivente
Só rosas lá viu então!…

Como o tempo era passado,
Nos jardins, no monte e prado,
De rosas e toda a flor,
El-rei, cheio de piedade,
Nas rosas da caridade
Viu a bênção do Senhor!

E daquele rosal dela
Tirando uma rosa bela,
Que guardou no peito seu,
Disse-lhe:- “Em paz ide agora,
Que eu me encomendo, Senhora,
À Santa, ao Anjo do Céu.”

Certa Velhinha

1

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que triste velhinha que vae a passar!
Não leva candeia; hoje, o céu não tem luzes…
Cautella, velhinha, não vás tropeçar!

Os ventos entoam cantigas funestas,
Relampagos tingem de vermelho o Azul!
Aonde irá ella, n’uma noite d’estas,
Com vento da Barra puxado do sul?

Aonde irá ella, pastores! boieiras!
Aonde irá ella, n’uma noite assim?
Se for un phantasma, fazei-lhe fogueiras,
Se for uma bruxa, queimae-lhe alecrim!

Contava-me aquella que a tumba já cerra,
Que Nossa Senhora, quando a chama alguem,
Escolhe estas noites p’ra descer á Terra,
Porque em noites d’estas não anda ninguem…

Além, na tapada das Quatorze Cruzes,
Que linda velhinha que vem a passar!
E que olhos aquelles que parecem luzes!
Quaes velas accezas que a vêm a guiar…

Que pobre capinha que leva de rastros,
Tão velha, tão rôta! Que triste viuvez!
Mas se lhe dá vento, meu Deus! tantos astros!
É o céu estrellado vestido do envez…

Seu alvo cabello, molhado das chuvas,
Parece uma vinha de luar em flor…

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Não há Vagas

O preço do feijão
não cabe no poema. O preço
do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
a luz o telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão

O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos.
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras

– porque o poema, senhores,
está fechado:
“não há vagas”

Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço

O poema, senhores,
não fede
nem cheira