Personagem
Teu nome Ă© quase indiferente
e nem teu rosto jĂĄ me inquieta.
A arte de amar Ă© exactamente
a de se ser poeta.Para pensar em ti, me basta
o prĂłprio amor que por ti sinto:
Ă©s a ideia, serena e casta,
nutrida do enigma do instinto.O lugar da tua presença
Ă© um deserto, entre variedades:
mas nesse deserto Ă© que pensa
o olhar de todas as saudades.Meus sonhos viajam rumos tristes
e, no seu profundo universo,
tu, sem forma e sem nome, existes,
silĂȘncio, obscuro, disperso.Teu corpo, e teu rosto, e teu nome,
teu coração, tua existĂȘncia,
tudo – o espaço evita e consome:
e eu sĂł conheço a tua ausĂȘncia.Eu sĂł conheço o que nĂŁo vejo.
E, nesse abismo do meu sonho,
alheia a todo outro desejo,
me decomponho e recomponho.
Poemas sobre Serenos de CecĂlia Meireles
3 resultadosGuerra
Tanto Ă© o sangue
que os rios desistem de seu ritmo,
e o oceano delira
e rejeita as espumas vermelhas.Tanto Ă© o sangue
que atĂ© a lua se levanta horrĂvel,
e erra nos lugares serenos,
sonùmbula de auréolas rubras,
com o fogo do inferno em suas madeixas.Tanta Ă© a morte
que nem os rostos se conhecem, lado a lado,
e os pedaços de corpo estĂŁo por ali como tĂĄbuas sem uso.Oh, os dedos com alianças perdidos na lama…
Os olhos que jĂĄ nĂŁo pestanejam com a poeira…
As bocas de recados perdidos…
O coração dado aos vermes, dentro dos densos uniformes…Tanta Ă© a morte
que sĂł as almas formariam colunas,
as almas desprendidas… â e alcançariam as estrelas.E as mĂĄquinas de entranhas abertas,
e os cadĂĄveres ainda armados,
e a terra com suas flores ardendo,
e os rios espavoridos como tigres, com suas mĂĄculas,
e este mar desvairado de incĂȘndios e nĂĄufragos,
e a lua alucinada de seu testemunho,
e nĂłs e vĂłs, imunes,
chorando,
SugestĂŁo
Sede assim â qualquer coisa
serena, isenta, fiel.Flor que se cumpre,
sem pergunta.Onda que se esforça,
por exercĂcio desinteressado.Lua que envolve igualmente
os noivos abraçados
e os soldados jå frios.Também como este ar da noite:
sussurrante de silĂȘncios,
cheio de nascimentos e pétalas.Igual à pedra detida,
sustentando seu demorado destino.
E Ă nuvem, leve e bela,
vivendo de nunca chegar a ser.Ă cigarra, queimando-se em mĂșsica,
ao camelo que mastiga sua longa solidĂŁo,
ao pĂĄssaro que procura o fim do mundo,
ao boi que vai com inocĂȘncia para a morte.Sede assim qualquer coisa
serena, isenta, fiel.NĂŁo como o resto dos homens.