Ode ao Amor
Tão lentamente, como alheio, o excesso de desejo,
atento o olhar a outros movimentos,
de contacto a contacto, em sereno anseio, leve toque,
obscuro sexo á flor da pele sob o entreaberto
de roupas soerguidas, vibração ligeira, sinal puro
e vago ainda, e súbito contrai-se,
mais não é excesso, ondeia em síncopes e golpes
no interior da carne, as pernas se distendem,
dobram-se, o nariz se afila, adeja, as mãos,
dedos esguios escorrendo trémulos
e um sorriso irónico, violentos gestos,
amor…
ah tu, senhor da sombra e da ilusão sombria,
vida sem gosto, corpo sem rosto, amor sem fruto,
imagem sempre morta ao dealbar da aurora
e do abrir dos olhos, do sentir memória, do pensar na vida,
fuga perpétua, demorado espasmo, distração no auge,
cansaço e caridade pelo desejo alheio,
raiva contida, ódio sem sexo, unhas e dentes,
despedaçar, rasgar, tocar na dor ignota,
hesitação, vertigem, pressa arrependida,
insuportável triturar, deslize amargo,
tremor, ranger, arcos, soluços, palpitar e queda.Distantemente uma alegria foi,
imensa, já tranquila, apascentando orvalhos,
de contacto a contacto, ansiosamente serenando,
Poemas sobre Sinais de Jorge de Sena
4 resultadosOde ao Destino
Destino: desisti, regresso, aqui me tens.
Em vão tentei quebrar o círculo mágico
das tuas coincidências, dos teus sinais, das ameaças,
do recolher felino das tuas unhas retracteis
– ah então, no silêncio tranquilo, eu me encolhia ansioso
esperando já sentir o próximo golpe inesperado.Em vão tentei não conhecer-te, não notar
como tudo se ordenava, como as pessoas e as coisas chegavam
que eu, de soslaio, e disfarçando, observava [em bandos,
pura conter as palavras, as minhas e as dos outros,
para dominar a tempo um gesto de amizade inoportuna.Eu sabia, sabia, e procurei esconder-te,
afogar-te em sistemas, em esperanças, em audácias;
descendo à fé só em mim próprio, até busquei
sentir-te imenso, exacto, magnânimo,
único mistério de um mundo cujo mistério eras tu.Lei universal que a sem-razão constrói,
de um Deus ínvio caminho, capricho dos Deuses,
soberana essência do real anterior a tudo,
Providência, Acaso, falta de vontade minha,
superstição, metafísica barata, medo infantil, loucura,
complexos variados mais ou menos freudianos,
contradição ridícula não superada pelo menino burguês,
educação falhada,
Deixai que a Vida sobre Vós Repouse
Deixai que a vida sobre vós repouse
qual como só de vós é consentida
enquanto em vós o que não sois não ouseerguê-la ao nada a que regressa a vida.
Que única seja, e uma vez mais aquela
que nunca veio e nunca foi perdida.Deixai-a ser a que se não revela
senão no ardor de não supor iguais
seus olhos de pensá-la outra mais bela.Deixai-a ser a que não volta mais,
a ansiosa, inadiável, insegura,
a que se esquece dos sinais fatais,a que é do tempo a ideada formosura,
a que se encontra se se não procura.
Um Epílogo
Quando estes poemas parecerem velhos,
e for risível a esperança deles:
já foi atraiçoado então o mundo novo,
ansiosamente esperado e conseguido
– e são inevitáveis outros poemas novos,
sinal da nova gravidez da Vida
concebendo, alegre e aflita, mais um mundo novo,
só perfeito e belo aos olhos de seus pais.E a Vida, prostituta ingénua,
terá, por momentos, olhos maternais.