Poemas sobre Sol de Eugénio de Andrade

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Procuro-te

Procuro a ternura sĂşbita,
os olhos ou o sol por nascer
do tamanho do mundo,
o sangue que nenhuma espada viu,
o ar onde a respiração é doce,
um pássaro no bosque
com a forma de um grito de alegria.

Oh, a carĂ­cia da terra,
a juventude suspensa,
a fugidia voz da água entre o azul
do prado e de um corpo estendido.

Procuro-te: fruto ou nuvem ou mĂşsica.
Chamo por ti, e o teu nome ilumina
as coisas mais simples:
o pão e a água,
a cama e a mesa,
os pequenos e dĂłceis animais,
onde também quero que chegue
o meu canto e a manhĂŁ de maio.

Um pássaro e um navio são a mesma coisa
quando te procuro de rosto cravado na luz.
Eu sei que há diferenças,
mas nĂŁo quando se ama,
nĂŁo quando apertamos contra o peito
uma flor ávida de orvalho.

Ter sĂł dedos e dentes Ă© muito triste:
dedos para amortalhar crianças,
dentes para roer a solidĂŁo,
enquanto o verão pinta de azul o céu
e o mar Ă© devassado pelas estrelas.

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Labirinto ou Alguns Lugares de Amor

O outono
por assim dizer
pois era verĂŁo
forrado de agulhas

a cal
rumorosa
do sol dos cardos

sem outras mĂŁos que lentas barcas
vai-se aproximando a água

a nudez do vidro
a luz
a prumo dos mastros

os prados matinais
os pés
verdes quase

o brilho
das magnĂłlias
apertado nos dentes

uma espécie de tumulto
as unhas
tĂŁo fatigadas dos dedos

o bosque abre-se beijo a beijo
e Ă© branco

Desde a Aurora

Como um sol de polpa escura
para levar Ă  boca,
eis as mĂŁos:
procuram-te desde o chĂŁo,

entre os veios do sono
e da memĂłria procuram-te:
Ă  vertigem do ar
abrem as portas:

vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:

Ă© tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.

Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.

Retrato Ardente

Entre os teus lábios
Ă© que a loucura acode
desce Ă  garganta,
invade a água.

No teu peito
Ă© que o pĂłlen do fogo
se junta Ă  nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
Ă© que a areia queima,
o sol Ă© secreto,
cego o silĂŞncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a mĂşsica Ă© minha.