Nascença Eterna
Nascença Eterna,
Nasce mais uma vez!
Refaz a humílima Caverna
Que nunca se desfez.Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez mais,
Tão perto que te aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros animais.Os que te dizem não,
Os épicos do absurdo,
Que afirmarão, na sua negação,
Senão seu olho cego, ouvido surdo?Infelizes supremos,
Com seu fracasso alcançam nomeada,
E contentes se atiram aos extremos
Do seu nada.Na nossa ambiguidade,
Somos piores, nós, talvez,
E uns e outros só vemos a verdade
Que, Verdade de Sempre!, tu nos dês.Se nada tem sentido sem a fé
No seu sentido, Sol que não te apagas,
Rompe mais uma vez na noite, que não é
Senão o dia de outras plagas.Perpétua Luz, Contínua Oferta
A nossa escuridade interna,
Abre-te, Porta sempre aberta,
Mais uma vez, na humílima Caverna.
Poemas sobre Sol
400 resultadosAscensão
Beijava-te como se sobe uma escadaria:
pedra a pedra, do luminoso para o obscuro,
do mais visível para o mais recôndito
– até que os lábios fossem
não o ardor da sede, nem sequer a magia
da subida,
mas o tremor que é pétala do êxtase,
o lento desprender do sol do corpo
com o feliz quebranto dos meus dedos.
Elevação
Por cima dos paúes, das montanhas agrestes,
Dos rudes alcantis, das nuvens e do mar,
Muito acima do sol, muito acima do ar,
Para além do confim dos páramos celestes,Paira o espírito meu com toda a agilidade,
Como um bom nadador, que na água sente gozo,
As penas a agitar, gazil, voluptuoso,
Através das regiões da etérea imensidade.Eleva o vôo teu longe das montureiras,
Vai-te purificar no éter superior,
E bebe, como um puro e sagrado licor,
A alvinitente luz das límpidas clareiras!Neste bisonho dai’ de mágoas horrorosas,
Em que o fastio e a dor perseguem o mortal,
Feliz de quem puder, numa ascensão ideal,
Atingir as mansões ridentes, luminosas!De quem, pela manhã, andorinha veloz,
Aos domínios do céu o pensamento erguer,
— Que paire sobre a vida, e saiba compreender
A linguagem da flor e das coisas sem voz!Tradução de Delfim Guimarães
Símbolos
Símbolos? Estou farto de símbolos…
Mas dizem-me que tudo é símbolo,
Todos me dizem nada.
Quais símbolos? Sonhos. —
Que o sol seja um símbolo, está bem…
Que a lua seja um símbolo, está bem…
Que a terra seja um símbolo, está bem…
Mas quem repara no sol senão quando a chuva cessa,
E ele rompe as nuvens e aponta para trás das costas,
Para o azul do céu?
Mas quem repara na lua senão para achar
Bela a luz que ela espalha, e não bem ela?
Mas quem repara na terra, que é o que pisa?
Chama terra aos campos, às árvores, aos montes,
Por uma diminuição instintiva,
Porque o mar também é terra…
Bem, vá, que tudo isso seja símbolo…
Mas que símbolo é, não o sol, não a lua, não a terra,
Mas neste poente precoce e azulando-se
O sol entre farrapos finos de nuvens,
Enquanto a lua é já vista, mística, no outro lado,
E o que fica da luz do dia
Doura a cabeça da costureira que pára vagamente à esquina
Onde se demorava outrora com o namorado que a deixou?
YANG
Minha música se mostra, avança
serena feito vaca mansa.Este som, rock’n roll
estandarte que tremula ao sol.Este som, escarlate
pedra que brilha, quilate.Mas é só uma canção
para aquecer seu coração.Já conheço essa minha guitarra
arma, bomba, cimitarra.Me conheço, sem eira nem beira.
Poesia, última trincheira.Minha música, cor quente
eu quero é pratear sua mente.Novamente.
Eu quero é pratear sua mente.
Praia do Esquecimento
Fujo da sombra; cerro os olhos: não há nada.
A minha vida nem consente
rumor de gente
na praia desolada.Apenas decisão de esquecimento:
mas só neste momento eu a descubro
como a um fruto rubro
de que, sem já sabê-lo, me sustento.E do Sol amarelo que há no céu
somente sei que me queimou a pele.
Juro: nem dei por ele
quando nasceu.
Cada Coisa a seu Tempo Tem seu Tempo
Cada coisa a seu tempo tem seu tempo.
Não florescem no inverno os arvoredos,
Nem pela primavera
Têm branco frio os campos.À noite, que entra, não pertence, Lídia,
O mesmo ardor que o dia nos pedia.
Com mais sossego amemos
A nossa incerta vida.À lareira, cansados não da obra
Mas porque a hora é a hora dos cansaços,
Não puxemos a voz
Acima de um segredo,E casuais, interrompidas, sejam
Nossas palavras de reminiscência
(Não para mais nos serve
A negra ida do Sol) —Pouco a pouco o passado recordemos
E as histórias contadas no passado
Agora duas vezes
Histórias, que nos falemDas flores que na nossa infância ida
Com outra consciência nós colhíamos
E sob uma outra espécie
De olhar lançado ao mundo.E assim, Lídia, à lareira, como estando,
Deuses lares, ali na eternidade,
Como quem compõe roupas
O outrora compúnhamosNesse desassossego que o descanso
Nos traz às vidas quando só pensamos
Naquilo que já fomos,
Os Vencidos
Tres cavaleiros seguem lentamente
Por uma estrada erma e pedregosa.
Geme o vento na selva rumorosa,
Cae a noite do céo, pesadamente.Vacilam-lhes nas mãos as armas rotas,
Têm os corceis poentos e abatidos,
Em desalinho trazem os vestidos,
Das feridas lhe cae o sangue, em gotas.A derrota, traiçoeira e pavorosa,
As fontes lhes curvou, com mão potente.
No horisonte escuro do poente
Destaca-se uma mancha sanguinosa.E o primeiro dos três, erguendo os braços,
Diz n’um soluço: «Amei e fui amado!
Levou-me uma visão, arrebatado,
Como em carro de luz, pelos espaços!Com largo vôo, penetrei na esphera
Onde vivem as almas que se adoram,
Livre, contente e bom, como os que moram
Entre os astros, na eterna primavera.Porque irrompe no azul do puro amor
O sopro do desejo pestilente?
Ai do que um dia recebeu de frente
O seu halito rude e queimador!A flor rubra e olorosa da paixão
Abre languida ao raio matutino,
Mas seu profundo calix purpurino
Só reçuma veneno e podridão.
Se Eu Agora Inventasse o Mundo
Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhã já explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
– conspiração da noite
com as pedras.Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silêncio
com esqueletos de asas
– conluio com o sol
para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhã,
mil mãos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes…Abro a janela
O mundo cheira tão bem a trevos ausentes!Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.
Barganha
Domingo é dia de barganha.
Troco um relógio dos antigos
por um cavalo rosilho,
um bode por um trinca-ferro,
e uma roda de cabriolé
por um radinho de pilha.
Troco um gibão de cigano
pela serra que serrou
o tronco mais odorante
e por um fogão de lenha
troco um cachorro de caça
e uma panela de cobre.
Troco toda a luz do sol
pela sombra de um só pássaro.
Por uma espingarda troco
um tacho que foi de escravos
além de um almofariz
e uma xícara sem asa.
Troco a salmoura dos peixes
por qualquer gosto de lágrima.
Pela vitrola rachada
dou a minha bicicleta
com os pneus arriados.
Troco o entulho que restou
do muro que derrubei
pelo calor da fogueira
que por uma noite apenas
negou o frio dos pobres.
Troco um lençol de noivado
e uma toalha bordada
pela sua reflectida
na escuridão das cisternas.
Troco o meu selim de couro
por um arreio de prata.
Dou um caminhão de pedra
por um portão de peroba.
Cântico da Noite
Sumiu-se o sol esplêndido
Nas vagas rumorosas!
Em trevas o crepúsculo
Foi desfolhando as rosas!
Pela ampla terra alargar-se
Calada solidão!
Parece o mundo um túmulo
Sob estrelado manto!
Alabastrina lâmpada,
Lá sobe a lua! Entanto
Gemidos d’aves lúgubres
Soando a espaços vão!
Hora dos melancólicos,
Saudosos devaneios!
Hora que aos gostos íntimos
Abres os castos seios!
Infunde em nossos ânimos
Inspiração da fé!
De noite, se um revérbero
De Deus nos alumia,
Destila-se de lágrimas
A prece, a profecia!
A alma elevada em êxtase
Terrena já não é!
Antes que o sono tácito
Olhos nos cerre, e os sonhos
Nos tomem no seu vórtice,
Já rindo, e já medonhos,
Hora dos céus, conserva-me
No extinto e no porvir.
Onde os que amei? sumiram-se.
Onde o que eu fui? deixou-me.
Deles, só vãs memórias;
De mim, só resta um nome:
No abismo do pretérito
Desfez-se choro e rúy
Desfez-se! e quantas lágrimas
Brotaram de alegrias! Desfez-se!
e quantos júbilos
Nasceram de agonias!
Amor e Eternidade
Repara, doce amiga, olha esta lousa,
E junto aquella que lhe fica unida:
Aqui d’um terno amor, aqui repousa
O despojo mortal, sem luz, sem vida.
Esgotando talvez o fel da sorte,
Poderam ambos descançar tranquillos;
Amaram-se na vida, e inda na morte
Não pôde a fria tumba desunil-os.
Oh! quão saudosa a viração murmura
No cypreste virente
Que lhes protege as urnas funerárias!
E o sol, ao descahir lá no occidente,
Quão bello lhes fulgura
Nas campas solitárias!
Assim, anjo adorado, assim um dia
De nossas vidas murcharão flores…
Assim ao menos sob a campa fria
Se reunam também nossos amores!
Mas que vejo! estremeces, e teu rosto,
Teu bello rosto no meu seio inclinas,
Pallido como o lírio que ao sol posto
Desmaia nas campinas?
Oh? vem, não perturbemos a ventura
Do coração, que jubiloso anceia…
Vem, gosemos da vida em quanto dura;
Desterremos da morte a negra ideia!
Longe, longe de nós essa lembrança!
Mas não receies o funesto corte…
Doce amiga, descança:
Quem ama como nós, sorri à morte.
Dúvida
Amas-me a mim? Perdoa,
É impossível! Não,
Não há quem se condoa
Da minha solidão.Como podia eu, triste,
Ah! inspirar-te amor
Um dia que me viste,
Se é que me viste… flor!Tu, bela, fresca e linda
Como a aurora, ou mais
Do que a aurora ainda,
Mal ouves os meus ais!Mal ouves, porque as aves
Só saltam de manhã
Seus cânticos suaves;
E tu és sua irmã!De noite apenas trina
O triste rouxinol:
Toda a mais ave inclina
O colo ao pôr do Sol.Porquê? Porque é ditosa!
Porquê? Porque é feliz!
E a que sorri a rosa?
Ao mesmo a que sorris…À luz dourada e pura
Do astro criador:
À noite, não, que é escura,
Causa-lhe a ela horror.Ora uma nuvem negra,
Uma pesada cruz,
Uma alma que se alegra
Só quando vê a luzDe que ele, o Sol, inunda
O mar, quando se põe,
Imagem moribunda
De um coração que foi…
Sabedoria I, III
Que dizes, viajante, de estações, países?
Colheste ao menos tédio, já que está maduro,
Tu, que vejo a fumar charutos infelizes,
Projectando uma sombra absurda contra o muro?Também o olhar está morto desde as aventuras,
Tens sempre a mesma cara e teu luto é igual:
Como através dos mastros se vislumbra a lua,
Como o antigo mar sob o mais jovem sol,Ou como um cemitério de túmulos recentes.
Mas fala-nos, vá lá, de histórias pressentidas,
Dessas desilusões choradas plas correntes,
Dos nojos como insípidos recém-nascidos.Fala da luz de gás, das mulheres, do infinito
Horror do mal, do feio em todos os caminhos
E fala-nos do Amor e também da Política
Com o sangue desonrado em mãos sujas de tinta.E sobretudo não te esqueças de ti mesmo,
Arrastando a fraqueza e a simplicidade
Em lugares onde há lutas e amores, a esmo,
De maneira tão triste e louca, na verdade!Foi já bem castigada essa inocência grave?
Que achas? É duro o homem; e a mulher? E os choros,
Quem os bebeu?
Mãe!
Mãe! a oleografia está a entornar o amarelo do Deserto por cima da
minha vida. O amarelo do Deserto é mais comprido do que um dia todo!
Mãe! eu queria ser o árabe! Eu queria raptar a menina loira!
Eu queria saber raptar.
Dá-me um cavalo, mãe! Até a palmeira verde está esmeralda! E o anel?!A minha cabeça amolece ao sol sobre a areia movediça do Deserto!
A minha cabeça está mole como a minha almofada!Há uns sinais dentro da minha cabeça, como os sinais do Egípcio,
como os sinais do Fenício. Os sinais destes já têm antecedentes e eu
ainda vou para a vida.Não há muros para que haja estrada! Não há muros para pôr cartazes!
Não está a mão de tinta preta a apontar — por aqui!
Só há sombras do sol nas laranjeiras da outra margem, e todas as noites
o sono chega roubado!Mãe! As estrelas estão a mentir. Luzem quando mentem. Mentem
quando luzem. Estão a luzir, ou mentem?
Já ia a cuspir para o céu!Mãe! a minha estrela é doida!
Garota de Ipanema
Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
é ela menina, que vem e que passa
Num doce balanço a caminho do marMoça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balançado é mais que um poema
é a coisa mais linda que já vi passarAi! Como estou tão sozinho
Ai! Como tudo é tão triste
Ai! A beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinhaAi! Se ela soubesse que quando ela passa
O mundo interinho se enche de graça
E fica mais lindo por causa do amorSó por causa do amor…
Tu à Noite
Tu à noite havias de escutar
A trovoada e o ar ambulante.
Tu nessa margem hás-de virar
Para onde estão as intempéries dominantes.Toda essa honrada esperança
Ruirá na ardósia,
E destroçará o inverno
Que vocifera a teus pés.Se bem que ardam os altares apaixonantes,
E que o sol deliberado
Faça ladrar a águia,
Tu avançarás na corda bamba.
Maomé e a Montanha
Guardo o mais absoluto segredo
das pedras que rolam no fundo dos leitos
embora nada saiba,
nada ouse saber.
Vou pelo olhar até ao rio,
o rio vem a mim
e ambos caminhamos deslumbrados
para fora de nós.O cantar da água
corre nos meus olhos exactamente como corre
a manhã
até que o sol a prumo
faz de mim o desenho do rio
que vejo,
o mapa das veias
onde o corpo nasce de novo.À vinda procuro a minha sombra.
O coração que me há-de trazer de volta
demora-se no rio
como se nele corresse
uma sede de olhar.Os pés colam-se à margem.
Do outro lado as casas vão mudando
de expressão
mais lentamente do que a água corre.
O sol abraça-me pelas costas
e deixa-se escorregar como crianças
que riem,
que não distinguem a voz seca do tempo.É noite à lareira da casa.
Os objectos acendem-se:
também eles mudam de rosto
como tudo o que é iluminado por amor.
Debaixo das Oliveiras
Este foi o mês em que cantei
dentro de minha casa
debaixo
das oliveiras.O mês em que a brisa me pôs nas mãos
uma harpa de folhas
e a terra me emprestou
sua flauta e sua lua.
Maré viva. Meu sangue atravessado
por um cometa visível a olho nu
tangido por satélites e aves de arribação
navegado por peixes desconhecidos.Este foi o mês em que cantei
como quem morre e ressuscita
no terceiro dia
de cada sílaba.O mês em que subi a uma colina
dentro de minha casa
olhei a terra e o mar
depois cantei
como quem faz com duas pedras
o primeiro lume. Palavras
e pedras. Palavras e lume
de uma vida.Este foi o mês em que fui a um lugar santo
dentro de minha casa.
O mês em que saí dos campos
e me banhei no rio como quem se baptiza
e cantei debaixo das oliveiras
as mãos cheias de terra. Palavras
e terra
de uma vida.Este foi o mês em que cantei
como quem espelha ao vento suas cinzas
e cresce de seu próprio adubo
carregado de folhas.
Todas as Noites me Sinto
Todas as noites me sinto
igual aos desconhecidos.
Sou a criança que sou,
só quando o tempo pára.Fico em mim,
fora dos músculos.Por que se movem os deuses
quando o sol cresta as formigas?
Lendas da luz da noite
secam todo o movimento.Seguro a vida
por desespero.