Poemas sobre Sussurros de Rui Knopfli

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Poemas de sussurros de Rui Knopfli. Leia este e outros poemas de Rui Knopfli em Poetris.

Memória Consentida

Neste lugar sem tempo nem memória,
nesta luz absoluta ou absurda,
ou só escuridão total, relances há
em que creio, ou se me afigura,
ter tido, alguma vez, passado

com biografia, onde se misturam
datas, nomes, caras, paisagens
que, de tão rápidas, me deixam
apenas a lembrança agoniada
de não mais poder lembrá-las.

Sobra, por vezes, um estilhaço
ou fragmento, como o latido
de um cão na tarde dolente
e comprida de uma remota infância.
Ou o indistinto murmúrio de vozes

junto de um rio que, como as vozes,
não existe já quando para ele
volvo, surpreso, o olhar cansado.
Insidiosas, rangem tábuas no soalho,
ou é o sussurro brando do vento

no zinco ondulado, na fronde umbrosa
dos eucaliptos de perfil no horizonte,
com o mar ao fundo. Que soalho,
de que casa, que vento em que paragens,
onde o mar ao longe que, entrevistos,

os não vejo já ou, sequer, recordo
na brevidade do instante cruel?
De que sonho, ou vida, ou espaço de outrem
provêm tais sombras melancólicas,

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O Sono de Percival

O justo é injusto, o injusto justo é.
Débil julguei ouvir tua voz a desoras.
Um lamento lento, por certo a voz
do vento. Secarei, talvez como o feno,
não dormindo, nem noites, nem dias.

Soluço abafado, sussurro apenas
perceptível após a brancura
obliterante do relâmpago,
quando cessa o fragor que o excede
e a chuva cai e tudo se cala,

terei ouvido tua voz. Secarei,
talvez, como o feno. O justo
é injusto, o injusto justo é.
Procurei no horto e no deserto,
sob o cavo ruído das torrentes

subterrâneas, na imemorial
pedra circular com que o humano
terror balizou os horizontes
do tempo. No espectro da rosa
dos ventos, no vento espectral

da rosa. Seria a voz do vento,
pintura da minha imaginação
doente, a vigília do sono,
a febre dos sentidos,
não dormindo noites e dias

para ouvir tua voz. O justo
é injusto, o injusto justo é
para ouvir tua voz.
Secarei como o feno.
Para ouvir tua voz.

Metodologia

Convoco os duendes da inquietação
e da alegria, urdindo um laborioso
rito circular, delicada teia iridiscente
de que, relutante, a luz se vá
pouco a pouco enamorando.

Palavras não as profiro
sem que antes as tenha encantado
de vagarosa ternura; mal esboçados,
gestos ou afagos, apenas me afloram
a hesitante extremidade dos dedos

que, aquáticos e transidos, estacam
no limiar surpreso do seu rosto.
Movimentos longos da tarde
e sussurros graves da noite
que tendessem para a imobilidade

e o silêncio, não seriam mais cautos
e aéreos. Quietas estátuas de cristal,
intensamente nos fitamos, enquanto
trémula, lenta e comburente,
a luz mais pura nos atravessa.