Revolução – Descobrimento
Revolução isto é: descobrimento
Mundo recomeçado a partir da praia pura
Como poema a partir da página em branco
— Catarsis emergir verdade exposta
Tempo terrestre a perguntar seu rosto
Poemas sobre Tempo de Sophia de Mello Breyner Andresen
11 resultadosEis-me
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mágicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silêncio
Ante o silêncio e o esplendor da tua faceMas tu és de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mão me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que não moras
E o teu encontro
São planícies e planícies de silêncioEscura é a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto está para além do tempo opaco
E eu não habito os jardins do teu silêncio
Porque tu és de todos os ausentes o ausente
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
Assim o Amor
Assim o amor
Espantado meu olhar com teus cabelos
Espantado meu olhar com teus cavalos
E grandes praias fluidas avenidas
Tardes que oscilam demoradas
E um confuso rumor de obscuras vidas
E o tempo sentado no limiar dos campos
Com seu fuso sua faca e seus novelosEm vão busquei eterna luz precisa
Data
{à maneira de Eustache Deschamps)
Tempo de solidão e de incerteza
Tempo de medo e tempo de traição
Tempo de injustiça e de vileza
Tempo de negaçãoTempo de covardia e tempo de ira
Tempo de mascarada e de mentira
Tempo que mata quem o denuncia
Tempo de escravidãoTempo dos coniventes sem cadastro
Tempo de silêncio e de mordaça
Tempo onde o sangue não tem rastro
Tempo de ameaça
Revolução
Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta abertaComo puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vícioComo a voz do mar
Interior de um povoComo página em branco
Onde o poema emergeComo arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação
Esta Gente
Esta gente cujo rosto
Às vezes luminoso
E outras vezes toscoOra me lembra escravos
Ora me lembra reisFaz renascer meu gosto
De luta e de combate
Contra o abutre e a cobra
O porco e o milhafrePois a gente que tem
O rosto desenhado
Por paciência e fome
É a gente em quem
Um país ocupado
Escreve o seu nomeE em frente desta gente
Ignorada e pisada
Como a pedra do chão
E mais do que a pedra
Humilhada e calcadaMeu canto se renova
E recomeço a busca
De um país liberto
De uma vida limpa
E de um tempo justo
Pátria
Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muroPelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusávelE pelos rostos iguais ao sol e ao vento
E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas– Pedra rio vento casa
Pranto dia canto alento
Espaço raiz e água
Ó minha pátria e meu centroMe dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo
Poema
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escritaNão trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostraráNão tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamentoA terra o sol o vento o mar
São a minha biografia e são meu rostoPor isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescentoE a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
De um Amor Morto
De um amor morto fica
Um pesado tempo quotidiano
Onde os gestos se esbarram
Ao longo do anoDe um amor morto não fica
Nenhuma memória
O passado se rende
O presente o devora
E os navios do tempo
Agudos e lentos
O levam emboraPois um amor morto não deixa
Em nós seu retrato
De infinita demora
É apenas um facto
Que a eternidade ignora
A Paz sem Vencedor e sem Vencidos
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimos
A paz sem vencedor e sem vencidos
Que o tempo que nos deste seja um novo
Recomeço de esperança e de justiça
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimosA paz sem vencedor e sem vencidos
Erguei o nosso ser à transparência
Para podermos ler melhor a vida
Para entendermos vosso mandamento
Para que venha a nós o vosso reino
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimosA paz sem vencedor e sem vencidos
Fazei Senhor que a paz seja de todos
Dai-nos a paz que nasce da verdade
Dai-nos a paz que nasce da justiça
Dai-nos a paz chamada liberdade
Dai-nos Senhor a paz que vos pedimosA paz sem vencedor e sem vencidos