Poemas sobre Terra de José Régio

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Poemas de terra de José Régio. Leia este e outros poemas de José Régio em Poetris.

Fado PortuguĂȘs

O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chĂŁo , meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vĂȘ se vĂȘs terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frĂĄgil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lĂĄbio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

MĂŁe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo Ă  sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
Ă  proa de outro velero
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Poema do SilĂȘncio

Sim, foi por mim que gritei.
Declamei,
Atirei frases em volta.
Cego de angĂșstia e de revolta.

Foi em meu nome que fiz,
A carvĂŁo, a sangue, a giz,
SĂĄtiras e epigramas nas paredes
Que nĂŁo vi serem necessĂĄrias e vĂłs vedes.

Foi quando compreendi
Que nada me dariam do infinito que pedi,
– Que ergui mais alto o meu grito
E pedi mais infinito!

Eu, o meu eu rico de baixas e grandezas,
Eis a razĂŁo das Ă©pi trĂĄgi-cĂłmicas empresas
Que, sem rumo,
Levantei com sarcasmo, sonho, fumo…

O que buscava
Era, como qualquer, ter o que desejava.
Febres de Mais. Ăąnsias de Altura e Abismo,
Tinham raĂ­zes banalĂ­ssimas de egoĂ­smo.

Que sĂł por me ser vedado
Sair deste meu ser formal e condenado,
Erigi contra os céus o meu imenso Engano
De tentar o ultra-humano, eu que sou tĂŁo humano!

Senhor meu Deus em que nĂŁo creio!
Nu a teus pés, abro o meu seio
Procurei fugir de mim,
Mas sei que sou meu exclusivo fim.

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Litania do Natal

A noite fora longa, escura, fria.
Ai noites de Natal que dĂĄveis luz,
Que sombra dessa luz nos alumia?
Vim a mim dum mau sono, e disse: «Meu Jesus…»
Sem bem saber, sequer, porque o dizia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Na cama em que jazia,
De joelhos me pus
E as mĂŁos erguia.
Comigo repetia: «Meu Jesus…»
Que entĂŁo me recordei do santo dia.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

Ai dias de Natal a transbordar de luz,
Onde a vossa alegria?
Todo o dia eu gemia: «Meu Jesus…»
E a tarde descaiu, lenta e sombria.

E o Anjo do Senhor: «Ave, Maria!»

De novo a noite, longa, escura, fria,
Sobre a terra caiu, como um capuz
Que a engolia.
Deitando-me de novo, eu disse: «Meu Jesus…»

E assim, mais uma vez, Jesus nascia.