Meditação Sobre os Poderes
Rubricavam os decretos, as folhas tristes
sobre a mesa dos seus poderes efémeros.
Queriam ser reis, czares, tantas coisas,
e rodeavam-se de pequenos corvos,
palradores e reverentes, dos que repetem:
és grande, ninguém te iguala, ninguém.
Repartiam entre si os tesouros e as dádivas,
murmurando forjadas confidências,
não amando ninguém, nada respeitando.
Encantavam-se com o eco liquefeito
das suas vozes comandando, decretando.
Banqueteavam-se com a pequenez
de tudo quanto julgavam ser grande,
com os quadros, com o fulgor novo-rico
das vénias e dos protocolos. Vinha a morte
e mostrava-lhes como tudo é fugaz
quando, humanamente, se está de passagem,
corpo em trânsito para lado nenhum.
Acabaram sempre a chorar sobre a miséria
dos seus títulos afundados na terra lamacenta.
Poemas sobre Tesouro de José Jorge Letria
2 resultadosUm Pouco Mais de Nós
Podes dar uma centelha de lua,
um colar de pétalas breves
ou um farrapo de nuvem;
podes dar mais uma asa
a quem tem sede de voar
ou apenas o tesouro sem preço
do teu tempo em qualquer lugar;
podes dar o que és e o que sentes
sem que te perguntem
nome, sexo ou endereço;
podes dar em suma, com emoção,
tudo aquilo que, em silêncio,
te segreda o coração;
podes dar a rima sem rima
de uma música só tua
a quem sofre a miséria dos dias
na noite sem tecto de uma rua;
podes juntar o diamante da dádiva
ao húmus de uma crença forte e antiga,
sob a forma de poema ou de cantiga;
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro
do relógio da vida sem atraso,
e sendo tudo isso serás ainda mais,
anónimo, pleno e livre,
nau sempre aparelhada para deixar o cais,
porque o que conta, vendo bem,
é dar sempre um pouco mais,
sem factura, sem fama, sem horário,
que a máxima recompensa de quem dá
é o júbilo de um gesto voluntário.