Este é um dos Lugares
Este é um dos lugares (ou parte alguma?)
que nunca esperei ocupar ou ver sequer;
alheio em tudo, igual a tantos outros
que breves soube e de que nada guardo.
Um só espaço em verdade me pertence,
– meu berço, meu texto, meu legado:
a casa que é a mãe e viverá
enquanto eu não abdique do seu sangue.
Lá estou e serei: sou as paredes,
a escuridão que a procura e adormece,
sublimando-a tanto como a luz,
trave do seu lar frio e seu apelo,
pelas janelas vendadas defendida.
Batei à porta, chamai do seu jardim
devastado até não me ser senão lembrança:
lá dentro, responderei, embora aqui,
desde sempre à espera de ninguém.
Poemas sobre Texto
5 resultadosTio e Sobrinho
À memória de
Manoel José da Costa Filho1.
Onde a Mata bem penteada
do trópico açucareiro,
o tio-afim, mais a fim
que outros de sangue e de texto,
dava ao sobrinho menino
atenção que a um homem velho:
contava-lhe o Cariri,
a Barbalha, o Juazeiro,
a guerra deste com o Crato,
municipal, beco a beco,
o seu Ceará, seu Recife,
de onde não era, aonde veio.2.
O sobrinho ouvia-o atento,
muito embora menineiro
e então já devorador,
se ainda não do romancero,
dos romances de cordel
(fôlego bom, de folheto):
lembra ainda o que ele contou
de um defunto cachaceiro
que levavam numa rede
ao cemitério padroeiro:
acordou gritando: «Água!»
e fez derramar-se o enterro.3.
O sobrinho ouvia-o atento,
e um tanto perguntadeiro,
do Sertão que havia atrás
da Mata doce, e que cedo,
foi o mito, o misterioso,
do recifense de engenho,
mal-herdado de algum longe
parentesco caatingueiro.
Certo, a lixa de Sertão
do que faz,
Leitura
Quando por fim as árvores
se tornam luminosas; e ardem
por dentro pressentindo;
folha a folha; as chamas
ávidas de frio:
nimbos e cúmulos coroam
a tarde, o horizonte,
com a sua auréola incandescente
de gás sobre os rebanhos.Assim se movem
as nuvens comovidas
no anoitecer
dos grandes textos clássicos.Perdem mais densidade;
ascendem na pálida aleluia
de que fulgor ainda?
e são agora
cumes de colinas rarefeitas
policopiando à pressa
a demora das outras
feita de peso e sombra.
Aqui Louvo os Animais
Súbdito só de quem não reina,
aqui louvo os animais.
Há, entre mim e eles, uma funda
relação de videntes:
as paisagens que fendem
e a minha, sepulta,
perfazem um mesmo habitat.
Desde que os não sondo,
fez-se luz em nosso convívio.
O ar inicial
que ensaiava, icárico,
nas bolas de sabão,
mas não atina com o vácuo
da cidade, vem-me
dos seus pulmões arborescentes.
Alheios à sua pele
na osmose dos textos,
ignoram que nas águas
por correr, desta página,
cruzam, saudando-se,
o «Beagle» e a Arca de Noé.
Testemunho Incontestado
1
Camões, mas que Camões?
Que mundo em transição se fixa nesta língua
Que margem se afirma
na língua que se inventa?
Que poeta transita
no mundo que se fixa?
Que poema se afixa
na mente que se alarga
à escala do Globo Universal
e amarga?
Que contrários se afrontam
nos ossos que nos tentam?
Camões, mas que Camões é este
que nos marca?2
homem ou texto
olho vazado ou letra
miséria ou redondilha
bruxo velho ou brochura
sabedoria ou ilha
pesadelo ou visão
aventureiro ou máquina
tensa gasta ou tensão
um cego amor ou mundo
novidade ou idade
horizonte ou imagem
Camões ou re-Camões
Fortuna ou coisa amada
mudança ou só desejo
?3
o lírico nas lonas
o épico e o hípico
que só a pé andoucorre o mundo em degredo
liberta-se em prisõessó um olho lhe basta
para a visão dos tempos
que novos se dispersame em não contradição se contradiz
4
dissipo a vida
se
dissipo a morteaprendo a vida
se
aprendo a mortesustento a vida
se
sustenho a mortere contenho a vida
se retenho a morte