O Livro da Vida
Absorto, o Sábio antigo, estranho a tudo, lia…
— Lia o «Livro da Vida» — herança inesperada,
Que ao nascer encontrou, quando os olhos abria
Ao primeiro clarĂŁo da primeira alvorada.Perto dele caminha, em ruidoso tumulto,
Todo o humano tropel num clamor ululando,
Sem que de sobre o Livro erga o seu magro vulto,
Lentamente, e uma a uma, as suas folhas voltando.Passa o Estio, a cantar; acumulam-se Invernos;
E ele sempre, — inclinada a dorida cabeça,—
A ler e a meditar postulados eternos,
Sem um fanal que o seu espĂrito esclareça!Cada página abrange um estádio da Vida,
Cujo eterno segredo e alcance transcendente
Ele tenta arrancar da folha percorrida,
Como de mina obscura a pedra refulgente.Mas o tempo caminha; os anos vĂŁo correndo;
Passam as gerações; tudo Ă© pĂł, tudo Ă© vĂŁo…
E ele sem descansar, sempre o seu Livro lendo!
E sempre a mesma névoa, a mesma escuridão.Nesse eterno cismar, nada vê, nada escuta:
Nem o tempo a dobrar os seus anos mais belos,
Nem o humano sofrer,
Poemas sobre Transcendente
6 resultadosNascença Eterna
Nascença Eterna,
Nasce mais uma vez!
Refaz a humĂlima Caverna
Que nunca se desfez.Distância Transcendente,
Chega-te, uma vez mais,
Tão perto que te aqueças, como a gente,
No bafo dos obscuros animais.Os que te dizem nĂŁo,
Os Ă©picos do absurdo,
Que afirmarão, na sua negação,
SenĂŁo seu olho cego, ouvido surdo?Infelizes supremos,
Com seu fracasso alcançam nomeada,
E contentes se atiram aos extremos
Do seu nada.Na nossa ambiguidade,
Somos piores, nĂłs, talvez,
E uns e outros sĂł vemos a verdade
Que, Verdade de Sempre!, tu nos dês.Se nada tem sentido sem a fé
No seu sentido, Sol que nĂŁo te apagas,
Rompe mais uma vez na noite, que nĂŁo Ă©
SenĂŁo o dia de outras plagas.PerpĂ©tua Luz, ContĂnua Oferta
A nossa escuridade interna,
Abre-te, Porta sempre aberta,
Mais uma vez, na humĂlima Caverna.
Se Eu Nunca Disse
Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
SĂŁo corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
SĂŁo d’Ăłnix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
PĂ©rolas e Ăłnix e corais sĂŁo coisas,
E coisas nĂŁo sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto que buscava na poesia,
Na paisagem, na mĂşsica,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crĂŞ, sinceramente crĂŞ,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo lábios, olhos, dentes.
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
Sátira
Besta e mais besta! O positivo Ă© nada…
(Perdoa, se em gramática te falo,
Arte que ignoras, como ignoras tudo.)
Besta e mais besta! Na palavra embirro;
Que a besta anexa ao mais teu ser define.Dás-me louvor servil na voz do prelo,
Grande me crĂŞs, proclamas-me famoso,
Excelso, transcendente, incomparável,
Confessas que d’Elmano a fĂşria temes…
E, débil estorninho, águias provocas,
Aves de Jove, que o corisco empunham!És de rábula vil corrupta imagem;
Tu vendes o louvor, como ele as partes,
Mas ele na enxovia infâmias paga,
E tu, com tĂşstios, que aos caloiros pilhas,
Compras gravatas, em que a tromba enorme
Sumas ao dia, que de a ver se embrusca,
Qual em tenra mĂŁozinha esconde a face
Mimoso infante de papões vexado.
Útil descuido aos cárceres te furta,
À digna habitação de ti saudosa
(Digo, o Castelo), estância equivalente
Aos méritos morais, que em ti reluzem.De saloios vinténs larápio sujo,
A glĂłria do teu Ăłdio restitui
A quem no teu louvor desacreditas.
Se honrada pelos sábios d’Ulisseia
(D’Ulisseia nĂŁo sĂł,
O Amor em Visita
Dai-me uma jovem mulher com sua harpa de sombra
e seu arbusto de sangue. Com ela
encantarei a noite.
Dai-me uma folha viva de erva, uma mulher.
Seus ombros beijarei, a pedra pequena
do sorriso de um momento.
Mulher quase incriada, mas com a gravidade
de dois seios, com o peso lĂşbrico e triste
da boca. Seus ombros beijarei.Cantar? Longamente cantar.
Uma mulher com quem beber e morrer.
Quando fora se abrir o instinto da noite e uma ave
o atravessar trespassada por um grito marĂtimo
e o pĂŁo for invadido pelas ondas –
seu corpo arderá mansamente sob os meus olhos palpitantes.
Ele – imagem vertiginosa e alta de um certo pensamento
de alegria e de impudor.
Seu corpo arderá para mim
sobre um lençol mordido por flores com água.Em cada mulher existe uma morte silenciosa.
E enquanto o dorso imagina, sob os dedos,
os bordões da melodia,
a morte sobe pelos dedos, navega o sangue,
desfaz-se em embriaguez dentro do coração faminto.
– Oh cabra no vento e na urze,