Noutes de Chuva
Eu não sei, ó meu bem, cheio de graças!
Se tu amas no Outomno – já sem rosas! –
A longa e lenta chuva nas vidraças,
E as noutes glaciaes e pluviosas!N’essas noutes sem luz, que – visionarios-
Temos chymeras misticas, celestes,
E scismamos nos pobres solitarios
Que tiritam debaixo dos cyprestes!Que evocamos os liricos passados,
As chymeras, e as horas infelizes,
Os velhos casos tristes olvidados,-
E os mortos corações sob as raizes!N’essas noutes, meu bem! em que desfeito
Cae o frio granizo nas estradas,
E tanto apraz, sonhando, sobre o leito,
Ouvir a longa chuva nas calçadas!N’essas noutes, electricas, nervosas,
Todas cheias d’aromas outonaes,
Que a tristeza tem formas monstruosas
Como n’um sonho os porticos claustraes.Noutes só em que o sabio acha prazeres,
– Tão ignorados dos crueis profanos! –
E em que as nervosas, mysticas mulheres,
Desfallecem chorando nos pianos.N’essas noutes, meu bem! é que os poetas
Tem ás vezes seus sonhos mais brilhantes,
Folheam suas obras predilectas…
–
Poemas sobre Tristes de António Gomes Leal
10 resultadosMadrigal Excentrico
Tu que não temes a Morte,
Nem a sombra dos cyprestes,
Escuta, Lyrio do Norte,
Os meus canticos agrestes:……………………………………
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……………………………………Tu ignoras os desgostos
D’um coração torturado,
Mais tristes do que os soes postos,
Ou de que um bobo espancado!Eu bem sei, ó Musa louca
Que não conheces a magoa…
E tens um riso na boca
Como um cravo aberto n’agua…Eu bem sei… bem sei que ris
Dos meus madrigaes modernos.
Sem cuidar, ó flor de liz!
Que hão de chegar-te os invernos!Que nos corre a Mocidade,
Qual folha verde do val,
E ha de vir-te a tempestade,
Ó branco lyrio real!Que has de ser como a açucena
Varrida pelo nordeste…
E os prantos da minha pena
Que hão de regar teu cypreste!Que ha de a terra agreste e dura
Servir-te de ultimo leito…
E a pedra da sepultura
Quebrar teu corpo perfeito!E has de, emfim, ser devorada
Na fria noute,
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mão macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jóias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinóis lembram o céu…Dizem as lendas que Satã vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmóreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vêm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…
Lisboa
De certo, capital alguma n’este mundo
Tem mais alegre sol e o ceu mais cavo e fundo,
Mais collinas azues, rio d’aguas mais mansas,
Mais tristes procissões, mais pallidas creanças,
Mais graves cathedraes – e ruas, onde a esteira
Seja em tardes d’estio a flor de larangeira!A Cidade é formosa e esbelta de manhã! –
É mais alegre então, mais limpida, mais sã;
Com certo ar virginal ostenta suas graças,
Ha vida, confusão, murmurios pelas praças;
– E, ás vezes, em roupão, uma violeta bella
Vem regar o craveiro e assoma na janella.A Cidade é beata – e, ás lucidas estrellas,
O Vicio á noute sae ás ruas e ás viellas,
Sorrindo a perseguir burguezes e estrangeiros;
E á triste e dubia luz dos baços candieiros,
– Em bairos sepulchraes, onde se dão facadas –
Corre ás vezes o sangue e o vinho nas calçadas!As mulheres são vãs; mas altas e morenas,
D’olhos cheios de luz, nervosas e serenas,
Ebrias de devoções, relendo as suas Horas;
– Outras fortes, crueis, os olhos côr d’amoras,
A Ultima Serenada do Diabo
No tempo em que elle, nas lendas,
Era amante e cortezão,
Jogava, e tinha contendas,
Cantava assim em Milão:……………………………………
……………………………………
……………………………………Ó flores meigas, ó Bellas!
Para prender os toucados,
Eu dar-vos-hia as estrellas:
– Os alfinetes dourados!Só pelo amor quebro lanças! –
A Rainha de Navarra
Enleou um dia as tranças
No braço d’esta guitarra!Sou um heroe perseguido!…
Mas inda ha luz nos meus rastros;
A lança que me ha ferido
Foi feita do ouro dos astros!Mas um dia, ó bem amadas!
Eu tornaria ás alturas…
Subindo pelas escadas
Das vossas tranças escuras!O amor que em meu peito cabe
Não conta diques, ó bellas!
Só minha guitarra o sabe,
E aquellas velhas estrellas!Ó batalhas amorosas!
– Era d’aventuras cheia!
Ó brancas noutes saudosas
Que eu andei pela Judea!Ó flores apetecidas!
Livros escriptos com beijos!
Ó brancas aves fugidas
Dos jardins dos meus desejos!Não me deixeis no abandono
Ó tristes olhos leaes!
O Mundo Velho
Nas crises d’este tempo desgraçado,
Quando nos pomos tristes a espalhar
Os olhos pela historia do passado…
Quem não verá, contente ou consternado,
– Mundo velho que estás a desabar – ?!…Sim tu estás a morrer, vil socio antigo…
E Pae de nossos vicios e paixões!
Camarada dos crimes, torpe amigo…
– Morre, emfim, correrá no teu jazigo,
Em vez de vinho, o sangue das nações!Deves morrer, provecto criminoso!
Tens vivido de mais, vil sensual!
Tu estás velho, cansado e desgostoso,
E, como um velho principe gotoso,
Ris, cruelmente, ás sensações do mal.– Que é feito do teu Deus, do teu Direito?
– Onde estão as visões dos teus prophetas?
– Quem te deu esse orgulho satisfeito?
Muribundo Caiphaz, junto ao teu leito,
Morrem, debalde, os gritos dos poetas!No tempo em que eras forte, foi teu braço
Que apunhalou os grandes ideaes!…
Hoje estás gordo, sensural, devasso,
E andas, torpe a rir, como um palhaço,
N’um circulo lusente de punhaes.Tu tens vendido os justos no mercado!
Mysticismo Humano
A alma é como a noute escura, immensa e azul,
Tem o vago, o sinistro, e os canticos do sul,
Como os cantos d’amor serenos das ceifeiras
Que cantam ao luar, á noute pelas eiras…
Ás vezes vem a nevoa á alma satisfeita,
E cae sombria, vaga, e meuda e desfeita…
E como a folha morta em lagos somnolentos
As nossas illusões vão-se nos desalentos!Tem um poder immenso as Cousas na tristeza!
Homem! conheces tu o que é a natureza?…
– É tudo o que nos cerca – é o azul, o escuro,
É o cypreste esguio, a planta, o cedro duro,
A folha, o tronco a flor, os ramos friorentos,
É a floresta espessa esguedelhada aos ventos;
Não entra o vicio aqui com beijos dissolutos,
Nem as lendas do mal, nem os choros dos lutos!…– E os que viram passar serenos os seus dias…
E curvados se vão, ás longas ventanias,
Cheio o peito de sol, atravez das florestas,
Á calma do meio dia… e dormiam as sestas,
Tranquillos sobre a eira, entre as hervas nas leivas…
Em Viagem
Ia o vapôr singrando velozmente
O verde mar antígo e caprixoso,
Á rude voz do capitão Contente, –
Um rubro homem do mar silencioso.Demandava a Madeira, – a ilha bella,
A patria excelsa e celebre do vinho,
A viagem foi curta; e no caminho
Intentei relações com Arabella.Arabella era a lyrica ingleza,
Loura, pallida e fragil como um vime,
Que traz sempre a sua alma meiga presa
D’algum amor profundo, mas sublime.O londrino, o Antony d’esses amores,
Era um rubro e excentrico burguez,
Mais amigo do bife que das flores,
– A extravagancia de chapeu inglez,Seu olhar dubio, incerto e traiçoeiro
Tinha visões de sangue derramado
Em toda a parte; ao todo um ex-banqueiro,
– Um calvo, velho amigo do Peccado!Nunca o olhar fitava em sitio certo; –
Vogava ás vezes só no tombadilho,
Com um comprido e merencorio filho,
E ninguem viu-lhe um riso franco e aberto.Punha, ás vezes, no mar o olhar sombrio;
E ao vento, a fita branca do chapeu
Dir-se-hia a vella triste d’um navio
De naufragos,
Cantiga do Campo
Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!Quando entre as mais raparigas
Vaes cantando entre as searas,
Eu choro ao ouvir-te as cantigas
Que cantas nas noutes claras!Os que andam na descamisa
Gabam a violla tua,
Que, ás vezes, ouço na brisa
Pelos serenos da lua.E fallam com tristes vozes
Do teu amor singular
Áquella casa onde cozes,
Com varanda para o mar.Por isso nada me medra,
Ando curvado e sombrio!
Quem me dera ser a pedra
Em que tu lavas no rio!E andar comtigo, ó meu pomo,
Exposto ás chuvas e aos soes!
E uma noute morrer como
Se morrem os rouxinoes!Morrer chorando, n’um choro
Que mais as magoas consolla,
Levando só o thesouro
Da nossa triste violla!Por que andas tu mal commigo?
Ó minha doce trigueira?
Quem me dera ser o trigo
Que, andando, pisas na eira!
Aquelle Sabio
N’aquellas altas janellas
Que deitam para o telhado;
Eu vejo-o sempre encostado,
A namorar as estrellas.Tem assim ares d’empyrico
Mui lido em philosophástros;
É um pobre poeta lyrico,
Que escreve cartas aos astros.Traz luto nos seus vestidos
Por uma Ophelia de menos,
Tem uns cabellos compridos,
E uns olhos tristes, serenos.Parece um Jove proscripto,
E já descrente das Ledas,
Conhece o hebraico, o sanscrito
E os livros santos dos Vedas.Espelha na luz do olhar
Não sei que visões amenas;
Anda sempre a imaginar
Idylios ás açucenas.E aquella mulher vaidosa
–Que elle chama a sua Egeria–
Ri d’aquella alma anciosa,
E aquella triste miseria………………………………………
……………………………………
……………………………………Mais de tres dias ou quatro
Que lhe falta o necessario;
Estava hontem no theatro
Com luvas côr de canario.