LĂngua Portuguesa
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela
Amo-se assim, desconhecida e obscura
Tuba de algo clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela,
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, Ăł rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!”,
E em que Camões chorou, no exĂlio amargo,
O gĂŞnio sem ventura e o amor sem brilho!
Poemas sobre Velas
55 resultadosA Mais Bela Noite do Mundo
Hoje,
será o fim!Hoje
nem este falso silĂŞncio
dos meus gestos malogrados
debruçando-se
sobre os meus ombros nus
e esmagados!Nem o luar, pano baço de cenário velho,
escutando
a minha prisĂŁo de viver
a lição que me ditavam:
– Menino! acende uma vela na tua vida,
que o sol, a luz e o ar
sĂŁo perfumes de pecado.
Tem braços longos e tentadores – o dia!– Menino! recolhe-te na sombra do meu regaço
que teus pés
são feitos de barro e cansaço!(Era esta a voz do papão
pintado de belo
na máscara de papelĂŁo).Eram inĂşteis e magoadas as noites da minha rua…
Noites de lua
que lembravam as grilhetas
da minha vida parada.– AmanhĂŁ,
terás os mestres, as aulas, os amigos e os livros
e o espectáculo da morgue
morando durante dias
nos teus sentidos gorados.AmanhĂŁ,
será o ultrapassar outra curva
no teu caminho destinado.(Era esta a voz do papĂŁo
que acendia a vela,
Infância
Passa lento o tempo da escola e a sua angĂşstia
com esperas, com infinitas e monótonas matérias.
Oh solidĂŁo, oh perda de tempo tĂŁo pesada…
E entĂŁo, Ă saĂda, as ruas cintilam e ressoam
e nas praças as fontes jorram,
e nos jardins é tão vasto o mundo —.
E atravessar tudo isto em calções,
diferente de como os outros vão e foram —:
Oh tempo estranho, oh perda de tempo,
oh solidão.E olhar tudo isto à distância:
homens e mulheres; homens, homens, mulheres
e crianças, tão diferentes e coloridas —;
e entĂŁo uma casa, e de vez em quando um cĂŁo
e o medo surdo trocando-se pela confiança:
Oh tristeza sem sentido, oh sonho, oh medo,
Oh infindável abismo.E então jogar: à bola e ao arco,
num jardim que manso se desvanece
e por vezes tropeçar nos crescidos,
cego e embrutecido na pressa de correr e agarrar,
mas ao entardecer, com pequenos passos tĂmidos,
voltar silencioso a casa, a mão agarrada com força —:
Oh compreensĂŁo cada vez mais fugaz,
Oh angĂşstia,
Nome Para Uma Casa
Ossos enxutos de repente as mĂŁos
sobre o repousado peito entrelaçadas
como quem adormeceu
Ă sombra de uma quieta
e morosa árvore de copa alargada.
Dos olhos direi que abertos
para dentro me parecem
não os verei mais de agitação ansiosa
e hĂşmido afago brandos no seu ferver
de amor avarento agora tão acalmados também
tão de longe observando incrédulos e astuciosos
a escura gente de roda com ladainhas de
abjuradas mágoas.Julgo ouvir a chuva no tépido pinhal
mas pode ser engano
ainda há pouco o vento limpara o céu anoitecido
por entre o sussuro do lamuriado tédio
alguém se aproxima em bicos dos pés
por entre hortências ou dálias
de ambas minha mãe gostavaas ratazanas heréticas perseguem-se no sótão
como no tempo de nĂŁo sei quando
os estalidos de madeira seca
no tecto antigo que os bichos mastigam aplicadamente
enquanto as velas agĂłnicas se revezam
uma a uma dançando no sereno rosto que dorme
sem precisar de dormir tĂŁo perto o rosto e tĂŁo ausente
tĂŁo da vida agreste aliviado
as pessoas vão repartindo ais estórias lembranças
vĂŁo repartindo haveres e contos largos
enquanto no barco do tempo o morto se afasta
solene e majestático mesmo que o medo
o persiga até ao limite das águas.
Gazel do Amor que NĂŁo se Deixa Ver
Somente por ouvir
o sino da Vela
pus em ti uma coroa de verbena.Granada era uma lua
afogada entre as heras.Somente por ouvir
o sino da Vela
destrocei meu jardim de Cartagena.Granada era uma corça
rosada pelos cataventos.Somente por ouvir
o sino da Vela
me abrasava em teu corpo
sem saber de quem era.Tradução de Oscar Mendes
há-de flutuar uma cidade…
há-de flutuar uma cidade no crepúsculo da vida
pensava eu… como seriam felizes as mulheres
à beira mar debruçadas para a luz caiada
remendando o pano das velas espiando o mar
e a longitude do amor embarcadopor vezes
uma gaivota pousava nas águas
outras era o sol que cegava
e um dardo de sangue alastrava pelo linho da noite
os dias lentĂssimos… sem ninguĂ©me nunca me disseram o nome daquele oceano
esperei sentado Ă porta… dantes escrevia cartas
punha-me a olhar a risca de mar ao fundo da rua
assim envelheci… acreditando que algum homem ao passar
se espantasse com a minha solidão(anos mais tarde, recordo agora, cresceu-me uma pérola no
coração. mas estou só, muito só, não tenho a quem a deixar.)um dia houve
que nunca mais avistei cidades crepusculares
e os barcos deixaram de fazer escala Ă minha porta
inclino-me de novo para o pano deste século
recomeço a bordar ou a dormir
tanto faz
sempre tive dĂşvidas que alguma vez me visite a felicidade
Aerograma
Deus queira que esta
Vos mate a fome aos sentidos
Por agoraDeus queira que esta
Vos guarde a dor aos gemidos
Noite foraDançamos fandangos
Sobre uma navalha
Pássaros em bando
Em nuvens de limalhaE assim eu cá vou indo.
Vem-me o fel Ă boca
As tripas ao coração
A noite trás a forca pela sua mãoSonho com fantasmas
De pele preta e luzidia
Com manuais de coragem e cobardiaDizem que há sempre
Um barco azul para partir
Nosso hino
Embarca a alma
E os restos de um rosto a sorrir
Do destinoPõe o meu retrato
No altar de S. JoĂŁo
E uma vela com formato de canhĂŁoCansa-se esta escrita
Com dois dedos num baraço
Assim o quis a desdita
Vai um abraço.
Hei-de Trazer-te Aqui
Hei-de trazer-te aqui para te mostrar
os pequenos barcos brancos
que levam o VerĂŁo desenhado nas velas
e trazem no bojo a alegria dos arquipélagos
onde se ama sem azedume nem pressa.
Aqui, temos a ilusĂŁo breve
de que os dias sabem a pĂłlen
e esvoaçam nas asas das abelhas
como cartas eternamente sem resposta.
Ao Longe, ao Luar
Ao longe, ao luar,
No rio uma vela,
Serena a passar,
Que Ă© que me revela?NĂŁo sei, mas meu ser
Tornou-se-me estranho,
E eu sonho sem ver
Os sonhos que tenho.Que angústia me enlaça?
Que amor nĂŁo se explica?
É a vela que passa
Na noite que fica.
O Sentimento dum Ocidental
I
Avé-Maria
Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulĂcio, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifĂcios, com as chaminĂ©s, e a turba
Toldam-se duma cor monĂłtona e londrina.Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, paĂses:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetĂŁo ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.E evoco, entĂŁo, as crĂłnicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu nĂŁo verei jamais!E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!
De Quem Ă© o Olhar
De quem Ă© o olhar
Que espreita por meus olhos?
Quando penso que vejo,
Quem continua vendo
Enquanto estou pensando?
Por que caminhos seguem,
NĂŁo os meus tristes passos,
Mas a realidade
De eu ter passos comigo ?Ă€s vezes, na penumbra
Do meu quarto, quando eu
Por mim prĂłprio mesmo
Em alma mal existo,Toma um outro sentido
Em mim o Universo —
É uma nódoa esbatida
De eu ser consciente sobre
Minha idéia das coisas.Se acenderem as velas
E nĂŁo houver apenas
A vaga luz de fora —
NĂŁo sei que candeeiro
Aceso onde na rua —
Terei foscos desejos
De nunca haver mais nada
No Universo e na Vida
De que o obscuro momento
Que Ă© minha vida agora!Um momento afluente
Dum rio sempre a ir
Esquecer-se de ser,
Espaço misterioso
Entre espaços desertos
Cujo sentido Ă© nulo
E sem ser nada a nada.
E assim a hora passa
Metafisicamente.
Pirata
Sou o Ăşnico homem a bordo do meu barco.
Os outros sĂŁo monstros que nĂŁo falam,
Tigres e ursos que amarrei aos remos,
E o meu desprezo reina sobre o mar.Gosto de uivar no vento com os mastros
E de me abrir na brisa com as velas,
E há momentos que são quase esquecimento
Numa doçura imensa de regresso.A minha pátria é onde o vento passa,
A minha amada Ă© onde os roseirais dĂŁo flor,
O meu desejo Ă© o rastro que ficou das aves,
E nunca acordo deste sonho e nunca durmo.
Poema da Hora Escoada
Minhas mĂŁos
– duas chamas dĂ©beis de vela
unidas no mesmo destino.Minhas mĂŁos
derretidas em cera
que vai escorrendo,
gota a gota,
ao longo do corpo hirto
da vela moribunda.
Que vai escorrendo,
lenta,
na calmaria falsa e densa
da luz delida e mortuária do meu quarto.E o livro de Anatomia,
grave e inĂştil,
aberto em frente.E todo o mundo,
que me espera
e desespera,
nas páginas inúteis e graves
do livro de Anatomia.E as horas
morrendo, morrendo,
como uma vela que se vai derretendo
no quarto frio de um morto.Ai! minhas mĂŁos, minhas mĂŁos
– duas chamas dĂ©beis de vela
unidas no mesmo destino!– Que horas serĂŁo?
A vida
Ă© uma vela de corpo hirto
que se vai derretendo, derretendo,
na calmaria falsa e densa
de um quarto de morto.
MĂłdulo
Alguém te considera e te recolhe
das hélades perdidas.Um navio sem hélice levanta
seu voo de silĂŞncio, desdobrando
as velas que te alindam na distância
da noite mais antiga.Os deuses se juntaram para ouvir
a leitura solene de teu nome
disperso no poema.
Tudo o mais
Ă© sinal de ruptura, senĂŁo rapto.
Sua Beleza
Sua beleza Ă© total
Tem a nĂtida esquadria de um Mantegna
Porém como um Picasso de repente
Desloca o visualSeu torso lembra o respirar da vela
Seu corpo Ă© solar e frontal
Sua beleza à força de ser bela
Promete mais do que prazer
Promete um mundo mais inteiro e mais real
Como pátria do ser
Natal… Natais…
Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
NĂŁo deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anĂşncio de alvorada;
E ein cada árvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;E no fragor do vento falas de anjos, e no vácuo
De silĂŞncio da noite
Estriada de súbitos clarões,
A presença de Alguém cuja forma é precária
E a sua essĂŞncia, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?
Olinda
(Do alto do mosteiro, um frade a vĂŞ)
De limpeza e claridade
Ă© a paisagem defronte.
TĂŁo limpa que se dissolve
a linha do horizonte.As paisagens muito claras
nĂŁo sĂŁo paisagens, sĂŁo lentes.
SĂŁo Ăris, sol, aguaverde
ou claridade somente.Olinda Ă© sĂł para os olhos,
nĂŁo se apalpa, Ă© sĂł desejo.
Ninguém diz: é lá que eu moro.
Diz somente: é lá que eu vejo.Tem verdágua e não se sabe,
a nĂŁo ser quando se sai.
NĂŁo porque antes se visse,
mas porque nĂŁo se vĂŞ mais.As claras paisagens dormem
no olhar, quando em existĂŞncia.
DiluĂdas, evaporadas,
sĂł se reĂşnem na ausĂŞncia.Limpeza tal sĂł imagino
que possa haver nas vivendas
das aves, nas áreas altas,
muito além do além das lendas.Os acidentes, na luz,
nĂŁo sĂŁo, existem por ela.
Não há nem pontos ao menos,
nem há mar, nem céu, nem velas.Quando a luz é muito intensa
é quando mais frágil é:
planĂcie, que de tĂŁo plana
parecesse em pé:
Cantata de Dido
Já no roxo oriente branqueando,
As prenhes velas da troiana frota
Entre as vagas azuis do mar dourado
Sobre as asas dos ventos se escondiam.
A misérrima Dido,
Pelos paços reais vaga ululando,
C’os turvos olhos inda em vĂŁo procura
O fugitivo Eneias.
Só ermas ruas, só desertas praças
A recente Cartago lhe apresenta;
Com medonho fragor, na praia nua
Fremem de noite as solitárias ondas;
E nas douradas grimpas
Das cĂşpulas soberbas
Piam nocturnas, agoureiras aves.
Do marmĂłreo sepulcro
AtĂłnita imagina
Que mil vezes ouviu as frias cinzas
De defunto Siqueu, com débeis vozes,
Suspirando, chamar: – Elisa! Elisa!
D’Orco aos tremendos numens
SacrifĂcios prepara;
Mas viu esmorecida
Em torno dos turĂcremos altares,
Negra escuma ferver nas ricas taças,
E o derramado vinho
Em pélagos de sangue converter-se.
Frenética, delira,
Pálido o rosto lindo
A madeixa subtil desentrançada;
Já com trémulo pé entra sem tino
No ditoso aposento,
Onde do infido amante
Ouviu, enternecida,
Magoados suspiros, brandas queixas.
Ali as cruéis Parcas lhe mostraram
As ilĂacas roupas que,
A Vida
Ă“ grandes olhos outomnaes! mysticas luzes!
Mais tristes do que o amor, solemnes como as cruzes!
Ă“ olhos pretos! olhos pretos! olhos cor
Da capa d’Hamlet, das gangrenas do Senhor!
Ó olhos negros como noites, como poços!
Ă“ fontes de luar, n’um corpo todo ossos!
Ó puros como o céu! ó tristes como levas
De degredados!Ă“ Quarta-feira de Trevas!
Vossa luz Ă© maior, que a de trez luas-cheias:
Sois vĂłs que allumiaes os prezos, nas cadeias,
Ó velas do perdão! candeias da desgraça!
Ó grandes olhos outomnaes, cheios de Graça!
Olhos accezos como altares de novena!
Olhos de genio, aonde o Bardo molha a penna!
Ó carvões que accendeis o lume das velhinhas,
Lume dos que no mar andam botando as linhas…
Ă“ pharolim da barra a guiar os navegantes!
Ă“ pyrilampos a allumiar os caminhantes,
Mais os que vĂŁo na diligencia pela serra!
Ó Extrema-Uncção final dos que se vão da Terra!
Ă“ janellas de treva, abertas no teu rosto!
Thuribulos de luar! Luas-cheias d’Agosto!
Luas d’Estio! Luas negras de velludo!
Ă“ luas negras,
A Senhora de Brabante
Tem um leque de plumas gloriosas,
na sua mĂŁo macia e cintilante,
de anéis de pedras finas preciosas
a Senhora Duquesa de Brabante.Numa cadeira de espaldar dourado,
Escuta os galanteios dos barões.
— É noite: e, sob o azul morno e calado,
concebem os jasmins e os corações.Recorda o senhor Bispo acções passadas.
Falam damas de jĂłias e cetins.
Tratam barões de festas e caçadas
à moda goda: — aos toques dos clarins!Mas a Duquesa é triste. — Oculta mágoa
vela seu rosto de um solene véu.
— Ao luar, sobre os tanques chora a água…
— Cantando, os rouxinĂłis lembram o cĂ©u…Dizem as lendas que SatĂŁ vestido
de uma armadura feita de um brilhante,
ousou falar do seu amor florido
à Senhora Duquesa de Brabante.Dizem que o ouviram ao luar nas águas,
mais louro do que o sol, marmĂłreo, e lindo,
tirar de uma viola estranhas mágoas,
pelas noites que os cravos vĂŞm abrindo…Dizem mais que na seda das varetas
do seu leque ducal de mil matizes…