Poemas sobre Vento de Fernando Pessoa

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Poemas de vento de Fernando Pessoa. Leia este e outros poemas de Fernando Pessoa em Poetris.

Chove. Há Silêncio

Chove. Há silêncio, porque a mesma chuva
Não faz ruído senão com sossego.
Chove. O céu dorme. Quando a alma é viúva
Do que não sabe, o sentimento é cego.
Chove. Meu ser (quem sou) renego…

Tão calma é a chuva que se solta no ar
(Nem parece de nuvens) que parece
Que não é chuva, mas um sussurrar
Que de si mesmo, ao sussurrar, se esquece.
Chove. Nada apetece…

Não paira vento, não há céu que eu sinta.
Chove longínqua e indistintamente,
Como uma coisa certa que nos minta,
Como um grande desejo que nos mente.
Chove. Nada em mim sente…

Sorriso Audível das Folhas

Sorriso audível das folhas
Não és mais que a brisa ali
Se eu te olho e tu me olhas,
Quem primeiro é que sorri?
O primeiro a sorrir ri.

Ri e olha de repente
Para fins de não olhar
Para onde nas folhas sente
O som do vento a passar
Tudo é vento e disfarçar.

Mas o olhar, de estar olhando
Onde não olha, voltou
E estamos os dois falando
O que se não conversou
Isto acaba ou começou?

Contemplo o que não Vejo

Contemplo o que não vejo.
É tarde, é quase escuro.
E quanto em mim desejo
Está parado ante o muro.

Por cima o céu é grande;
Sinto árvores além;
Embora o vento abrande,
Há folhas em vaivém.

Tudo é do outro lado,
No que há e no que penso.
Nem há ramo agitado
Que o céu não seja imenso.

Confunde-se o que existe
Com o que durmo e sou.
Não sinto, não sou triste.
Mas triste é o que estou.

Começa a Ir Ser Dia

Começa a ir ser dia,
O céu negro começa,
Numa menor negrura
Da sua noite escura,
A Ter uma cor fria
Onde a negrura cessa.

Um negro azul-cinzento
Emerge vagamente
De onde o oriente dorme
Seu tardo sono informe,
E há um frio sem vento
Que se ouve e mal se sente.

Mas eu, o mal-dormido,
Não sinto noite ou frio,
Nem sinto vir o dia
Da solidão vazia.
Só sinto o indefinido
Do coração vazio.

Em vão o dia chega
Quem não dorme, a quem
Não tem que ter razão
Dentro do coração,
Que quando vive nega
E quando ama não tem.

Em vão, em vão, e o céu
Azula-se de verde
Acinzentadamente.
Que é isto que a minha alma sente?
Nem isto, não, nem eu,
Na noite que se perde.

Mensagem – Mar Português

MAR PORTUGUÊS

Possessio Maris

I. O Infante

Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.
Deus quis que a terra fosse toda uma,
Que o mar unisse, já não separasse.
Sagrou-te, e foste desvendando a espuma,

E a orla branca foi de ilha em continente,
Clareou, correndo, até ao fim do mundo,
E viu-se a terra inteira, de repente,
Surgir, redonda, do azul profundo.

Quem te sagrou criou-te português.
Do mar e nós em ti nos deu sinal.
Cumpriu-se o Mar, e o Império se desfez.
Senhor, falta cumprir-se Portugal!

II. Horizonte

Ó mar anterior a nós, teus medos
Tinham coral e praias e arvoredos.
Desvendadas a noite e a cerração,
As tormentas passadas e o mistério,
Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
’Splendia sobre as naus da iniciação.

Linha severa da longínqua costa —
Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
Em árvores onde o Longe nada tinha;
Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
E, no desembarcar, há aves,

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É Brando o Dia, Brando o Vento

É brando o dia, brando o vento
É brando o sol e brando o céu.
Assim fosse meu pensamento!
Assim fosse eu, assim fosse eu!

Mas entre mim e as brandas glórias
Deste céu limpo e este ar sem mim
Intervêm sonhos e memórias…
Ser eu assim ser eu assim!

Ah, o mundo é quanto nós trazemos.
Existe tudo porque existo.
Há porque vemos.
E tudo é isto, tudo é isto!

Ilumina-se a Igreja por Dentro da Chuva

Ilumina-se a igreja por dentro da chuva deste dia,
E cada vela que se acende é mais chuva a bater na vidraça…

Alegra-me ouvir a chuva porque ela é o templo estar aceso,
E as vidraças da igreja vistas de fora são o som da chuva ouvido por dentro …

O esplendor do altar-mor é o eu não poder quase ver os montes
Através da chuva que é ouro tão solene na toalha do altar…

Soa o canto do coro, latino e vento a sacudir-me a vidraça
E sente-se chiar a água no fato de haver coro…

A missa é um automóvel que passa
Através dos fiéis que se ajoelham em hoje ser um dia triste…
Súbito vento sacode em esplendor maior
A festa da catedral e o ruído da chuva absorve tudo
Até só se ouvir a voz do padre água perder-se ao longe
Com o som de rodas de automóvel…

E apagam-se as luzes da igreja
Na chuva que cessa …

Em Horas inda Louras, Lindas

Em horas inda louras, lindas
Clorindas e Belindas, brandas,
Brincam no tempo das berlindas,
As vindas vendo das varandas,
De onde ouvem vir a rir as vindas
Fitam a fio as frias bandas.

Mas em torno à tarde se entorna
A atordoar o ar que arde
Que a eterna tarde já não torna!
E o tom de atoarda todo o alarde
Do adornado ardor transtorna
No ar de torpor da tarda tarde.

E há nevoentos desencantos
Dos encantos dos pensamentos
Nos santos lentos dos recantos
Dos bentos cantos dos conventos….
Prantos de intentos, lentos, tantos
Que encantam os atentos ventos.

Fúria nas Trevas o Vento

Fúria nas trevas o vento
Num grande som de alongar,
Não há no meu pensamento
Senão não poder parar.

Parece que a alma tem
Treva onde sopre a crescer
Uma loucura que vem
De querer compreender.

Raiva nas trevas o vento
Sem se poder libertar.
Estou preso ao meu pensamento
Como o vento preso ao ar.

Chove ? Nenhuma Chuva Cai…

Chove? Nenhuma chuva cai…
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?

Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu…

E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento…

E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.

Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…

Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…

No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convés

No meu cansaço perdido entre os gelos,

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Tudo o que sou não é mais do que abismo

Tudo o que sou não é mais do que abismo
Em que uma vaga luz
Com que sei que sou eu, e nisto cismo,
Obscura me conduz.

Um intervalo entre não-ser e ser
Feito de eu ter lugar
Como o pó, que se vê o vento erguer,
Vive de ele o mostrar.