Gozo e Dor
Se estou contente, querida,
Com esta imensa ternura
De que me enche o teu amor?
– NĂŁo. Ai nĂŁo; falta-me a vida;
Sucumbe-me a alma Ă ventura:
O excesso de gozo Ă© dor.DĂłi-me a alma, sim; e a tristeza
Vaga, inerte e sem motivo,
No coração me poisou.
Absorto em tua beleza,
NĂŁo sei se morro ou se vivo,
Porque a vida me parou.Ă que nĂŁo hĂĄ ser bastante
Para este gozar sem fim
Que me inunda o coração.
Tremo dele, e delirante
Sinto que se exaure em mim
Ou a vida – ou a razĂŁo.
Poemas sobre Ventura de Almeida Garrett
5 resultadosFlor de Ventura
A flor de ventura
Que amor me entregou,
TĂŁo bela e tĂŁo pura
Jamais a criou:NĂŁo brota na selva
De inculto vigor,
NĂŁo cresce entre a relva
De virgem frescor;Jardins de cultura
NĂŁo pode habitar
A flor de ventura
Que amor me quis dar.Semente Ă© divina
Que veio dos CĂ©us;
SĂł nâalma germina
Ao sopro de Deus.TĂŁo alva e mimosa
NĂŁo hĂĄ outra flor;
Uns longes de rosa
Lhe avivam a cor;E o aroma… Ai!, delĂrio
Suave e sem fim!
Ă a rosa, Ă© o lĂrio,
Ă o nardo, o jasmim;Ă um filtro que apura,
Que exalta o viver,
E em doce tortura
Faz de Ăąnsias morrer.Ai!, morrer… que sorte
Bendita de amor!
Que me leve a morte
Beijando-te, flor.
Rosa PĂĄlida
Rosa pĂĄlida, em meu seio
Vem, querida, sem receio
Esconder a aflita cor.
Ai!, a minha pobre rosa!
Cuida que Ă© menos formosa
Porque desbotou de amor.Pois sim… quando livre, ao vento,
Solta de alma e pensamento,
Forte de tua isenção,
Tinhas na folha incendida
O sangue, o calor e a vida
Que ora tens no coração.Mas não eras, não, mais bela,
Coitada, coitada dela,
A minha rosa gentil!
Coravam-na entĂŁo desejos,
Desmaiam-na agora os beijos…
Vales mais mil vezes, mil.Inveja das outras flores!
Inveja de quĂȘ, amores?
Tu, que vieste dos CĂ©us,
Comparar tua beleza
Ăs filhas da natureza!
Rosa, nĂŁo tentes a Deus.E vergonha!… de quĂȘ, vida?
Vergonha de ser querida,
Vergonha de ser feliz!
PorquĂȘ?… porquĂȘ em teu semblante
A pĂĄlida cor da amante
A minha ventura diz?Pois, quando eras tĂŁo vermelha
NĂŁo vinha zĂąngĂŁo e abelha
Em torno de ti zumbir?
NĂŁo ouvias entre as flores
HistĂłrias dos mil amores
Que nĂŁo tinhas,
Estes SĂtios!
Olha bem estes sĂtios queridos,
VĂȘ-os bem neste olhar derradeiro…
Ai! o negro dos montes erguidos,
Ai! o verde do triste pinheiro!
Que saudade que deles teremos…
Que saudade! ai, amor, que saudade!
Pois nĂŁo sentes, neste ar que bebemos,
No acre cheiro da agreste ramagem,
Estar-se alma a tragar liberdade
E a crescer de inocĂȘncia e vigor!
Oh! aqui, aqui sĂł se engrinalda
Da pureza da rosa selvagem,
E contente aqui sĂł vive Amor.
O ar queimado das salas lhe escalda
De suas asas o nĂveo candor,
E na frente arrugada lhe cresta
A inocĂȘncia infantil do pudor.
E oh! deixar tais delĂcias como esta!
E trocar este céu de ventura
Pelo inferno da escrava cidade!
Vender alma e razĂŁo Ă impostura,
Ir saudar a mentira em sua corte,
Ajoelhar em seu trono Ă vaidade,
Ter de rir nas angĂșstias da morte,
Chamar vida ao terror da verdade…
Ai! nĂŁo, nĂŁo… nossa vida acabou,
Nossa vida aqui toda ficou
Diz-lhe adeus neste olhar derradeiro,
Dize Ă sombra dos montes erguidos,
Dize-o ao verde do triste pinheiro,
O Album
Minha JĂșlia, um conselho de amigo;
Deixa em branco este livro gentil:
Uma sĂł das memĂłrias da vida
Vale a pena guardar, entre mil.E essa nâalma em silĂȘncio gravada
Pelas mãos do mistério hå-de ser;
Que nĂŁo tem lĂngua humana palavras,
NĂŁo tem letra que a possa escrever.Por mais belo e variado que seja
De uma vida o tecido matiz ,
Um sĂł fio da tela bordada,
Um sĂł fio hĂĄ-de ser o feliz.Tudo o mais Ă© ilusĂŁo, Ă© mentira,
Brilho falso que um tempo seduz,
Que se apaga, que morre, que Ă© nada
Quando o sol verdadeiro reluz.De que serve guardar monumentos
Dos enganos que a espârança forjou?
VĂŁos reflexos de um sol que tardava
Ou vĂŁs sombras de um sol que passou!CrĂȘ-me, JĂșlia: mil vezes na vida
Eu coa minha ventura sonhei;
E uma sĂł, dentre tantas, o juro,
Uma sĂł com verdade a encontrei.Essa entrou-me pela alma tĂŁo firme,
TĂŁo segura por dentro a fechou,
Que o passado fugiu da memĂłria,