Partida
Ao ver escoar-se a vida humanamente
Em suas águas certas, eu hesito,
E detenho-me Ă s vezes na torrente
Das coisas geniais em que medito.Afronta-me um desejo de fugir
Ao mistério que é meu e me seduz.
Mas logo me triunfo. A sua luz
NĂŁo há muitos que a saibam reflectir.A minh’alma nostálgica de alĂ©m,
Cheia de orgulho, ensombra-se entretanto,
Aos meus olhos ungidos sobe um pranto
Que tenho a fôrça de sumir também.Porque eu reajo. A vida, a natureza,
Que sĂŁo para o artista? Coisa alguma.
O que devemos Ă© saltar na bruma,
Correr no azul á busca da beleza.É subir, é subir à lem dos céus
Que as nossas almas sĂł acumularam,
E prostrados resar, em sonho, ao Deus
Que as nossas mãos de auréola lá douraram.É partir sem temor contra a montanha
Cingidos de quimera e d’irreal;
Brandir a espada fulva e medieval,
A cada hora acastelando em Espanha.É suscitar côres endoidecidas,
Ser garra imperial enclavinhada,
E numa extrema-unção d’alma ampliada,
Poemas sobre Vertigem de Mário de Sá-Carneiro
2 resultadosRodopio
Volteiam dentro de mim,
Em rodopio, em novelos,
Milagres, uivos, castelos,
Forcas de luz, pesadelos,
Altas tĂ´rres de marfim.Ascendem hĂ©lices, rastros…
Mais longe coam-me sois;
Há promontórios, farois,
Upam-se estátuas de herois,
Ondeiam lanças e mastros.Zebram-se armadas de côr,
Singram cortejos de luz,
Ruem-se braços de cruz,
E um espelho reproduz,
Em treva, todo o esplendor…Cristais retinem de mĂŞdo,
Precipitam-se estilhaços,
Chovem garras, manchas, laços…
Planos, quebras e espaços
Vertiginam em segrĂŞdo.Luas de oiro se embebedam,
Rainhas desfolham lirios;
Contorcionam-se cĂrios,
Enclavinham-se delĂrios.
Listas de som enveredam…Virgulam-se aspas em vozes,
Letras de fogo e punhais;
Há missas e bacanais,
Execuções capitais,
Regressos, apoteoses.Silvam madeixas ondeantes,
Pungem lábios esmagados,
Há corpos emmaranhados,
Seios mordidos, golfados,
Sexos mortos de anseantes…(Há incenso de esponsais,
Há mãos brancas e sagradas,
Há velhas cartas rasgadas,
Há pobres coisas guardadas –
Um lenço, fitas, dedais…)Há elmos, trofĂ©us, mortalhas,
Emanações fugidias,