Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
Poemas sobre Vez de António Gedeão
2 resultadosPoema da malta das naus
Lancei ao mar um madeiro,
espetei-lhe um pau e um lençol.
Com palpite marinheiro
medi a altura do Sol.Deu-me o vento de feição,
levou-me ao cabo do mundo.
pelote de vagabundo,
rebotalho de gibão.Dormi no dorso das vagas,
pasmei na orla das prais
arreneguei, roguei pragas,
mordi peloiros e zagaias.Chamusquei o pêlo hirsuto,
tive o corpo em chagas vivas,
estalaram-me a gengivas,
apodreci de escorbuto.Com a mão esquerda benzi-me,
com a direita esganei.
Mil vezes no chão, bati-me,
outras mil me levantei.Meu riso de dentes podres
ecoou nas sete partidas.
Fundei cidades e vidas,
rompi as arcas e os odres.Tremi no escuro da selva,
alambique de suores.
Estendi na areia e na relva
mulheres de todas as cores.Moldei as chaves do mundo
a que outros chamaram seu,
mas quem mergulhou no fundo
do sonho, esse, fui eu.O meu sabor é diferente.
Provo-me e saibo-me a sal.
Não se nasce impunemente
nas praias de Portugal.