Poemas sobre Voltas

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Poemas de voltas escritos por poetas consagrados, filósofos e outros autores famosos. Conheça estes e outros temas em Poetris.

A Graça

Que harmonia suave
É esta, que na mente
Eu sinto murmurar,
Ora profunda e grave,
Ora meiga e cadente,
Ora que faz chorar?
Porque da morte a sombra,
Que para mim em tudo
Negra se reproduz,
Se aclara, e desassombra
Seu gesto carrancudo,
Banhada em branda luz?
Porque no coração
Não sinto pesar tanto
O férreo pé da dor,
E o hino da oração,
Em vez de irado canto,
Me pede íntimo ardor?

És tu, meu anjo, cuja voz divina
Vem consolar a solidão do enfermo,
E a contemplar com placidez o ensina
De curta vida o derradeiro termo?

Oh, sim!, és tu, que na infantil idade,.
Da aurora à frouxa luz,
Me dizias: «Acorda, inocentinho,
Faz o sinal da Cruz.»
És tu, que eu via em sonhos, nesses anos
De inda puro sonhar,
Em nuvem d’ouro e púrpura descendo
Coas roupas a alvejar.
És tu, és tu!, que ao pôr do Sol, na veiga,
Junto ao bosque fremente,
Me contavas mistérios, harmonias
Dos Céus,

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Quem me Dera que a Minha Vida Fosse um Carro de Bois

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.
Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas

A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco…
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

Devo-te

Devo-te tanto como um pássaro
deve o seu voo à lavada
planície do céu.

Devo-te a forma
novíssima de olhar
teu corpo onde às vezes
desce o pudor o silêncio
de uma pálpebra mais nada.

Devo-te o ritmo
de peixe na palavra,
a genesíaca, doce
violência dos sentidos;
esta tinta de sol
sobre o papel de silêncio
das coisas – estes versos
doces, curtos, de abelhas
transportando o pólen
levíssimo do dia;
estas formigas na sombra
da própria pressa e entrando
todas em fila no tempo:
com uma pergunta frágil
nas antenas, um recado invisível, o peso
que as deixa ser e esquece;
e a tua voz que compunha
uma casa, uma rosa
a toda a volta – ó meu amor vieste
rasgar um sol das minhas mãos!

Notícias do Bloqueio

Aproveito a tua neutralidade,
o teu rosto oval, a tua beleza clara,
para enviar notícias do bloqueio
aos que no continente esperam ansiosos.

Tu lhes dirás do coração o que sofremos
nos dias que embranquecem os cabelos…
tu lhes dirás a comoção e as palavras
que prendemos – contrabando – aos teus cabelos.

Tu lhes dirás o nosso ódio construído,
sustentando a defesa à nossa volta
– único acolchoado para a noite
florescida de fome e de tristezas.

Tua neutralidade passará
por sobre a barreira alfandegária
e a tua mala levará fotografias,
um mapa, duas cartas, uma lágrima…

Dirás como trabalhamos em silêncio,
como comemos silêncio, bebemos
silêncio, nadamos e morremos
feridos de silêncio duro e violento.

Vai pois e noticia com um archote
aos que encontrares de fora das muralhas
o mundo em que nos vemos, poesia
massacrada e medos à ilharga.

Vai pois e conta nos jornais diários
ou escreve com ácido nas paredes
o que viste, o que sabes, o que eu disse
entre dois bombardeamentos já esperados.

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O Sentimento dum Ocidental

I

Avé-Maria

Nas nossas ruas, ao anoitecer,
Há tal soturnidade, há tal melancolia,
Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia
Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.

O céu parece baixo e de neblina,
O gás extravasado enjoa-me, perturba;
E os edifícios, com as chaminés, e a turba
Toldam-se duma cor monótona e londrina.

Batem carros de aluguer, ao fundo,
Levando à via-férrea os que se vão. Felizes!
Ocorrem-me em revista, exposições, países:
Madrid, Paris, Berlim, S. Petersburgo, o mundo!

Semelham-se a gaiolas, com viveiros,
As edificações somente emadeiradas:
Como morcegos, ao cair das badaladas,
Saltam de viga em viga os mestres carpinteiros.

Voltam os calafates, aos magotes,
De jaquetão ao ombro, enfarruscados, secos;
Embrenho-me, a cismar, por boqueirões, por becos,
Ou erro pelos cais a que se atracam botes.

E evoco, então, as crónicas navais:
Mouros, baixéis, heróis, tudo ressuscitado!
Luta Camões no Sul, salvando um livro a nado!
Singram soberbas naus que eu não verei jamais!

E o fim da tarde inspira-me; e incomoda!

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A Bicicleta pela Lua Dentro – Mãe, Mãe

A bicicleta pela lua dentro – mãe, mãe –
ouvi dizer toda a neve.
As árvores crescem nos satélites.
Que hei-de fazer senão sonhar
ao contrário quando novembro empunha –
mãe, mãe – as tellhas dos seus frutos?
As nuvens, aviões, mercúrio.
Novembro – mãe – com as suas praças
descascadas.

A neve sobre os frutos – filho, filho.
Janeiro com outono sonha então.
Canta nesse espanto – meu filho – os satélites
sonham pela lua dentro na sua bicicleta.
Ouvi dizer novembro.
As praças estão resplendentes.
As grandes letras descascadas: é novo o alfabeto.
Aviões passam no teu nome –
minha mãe, minha máquina –
mercúrio (ouvi dizer) está cheio de neve.

Avança, memória, com a tua bicicleta.
Sonhando, as árvores crescem ao contrário.
Apresento-te novembro: avião
limpo como um alfabeto. E as praças
dão a sua neve descascada.
Mãe, mãe — como janeiro resplende
nos satélites. Filho — é a tua memória.

E as letras estão em ti, abertas
pela neve dentro. Como árvores, aviões
sonham ao contrário.

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A Prisão do Orgulho

Choro, metido na masmorra
do meu nome.
Dia após dia, levanto, sem descanso,
este muro à minha volta;
e à medida que se ergue no céu,
esconde-se em negra sombra
o meu ser verdadeiro.

Este belo muro
é o meu orgulho,
que eu retoco com cal e areia
para evitar a mais leve fenda.

E com este cuidado todo,
perco de vista
o meu ser verdadeiro.

Tradução de Manuel Simões

Usos Deste Mundo

Nas praças uns perguntam novidades;
Outros dão volta às ruas, ao namoro;
Este usuras cobrar, esse as demandas
Lembrar corre ao Juiz que se diverte.
Ir de Jano aprender a ser bifronte,
De Mercúrio, no trato, a ser bilingue,
Franco no prometer, no dar escasso.
C’os olhos fitos no ávido interesse
Ser consigo leal, com todos falso
É ser homem capaz, home’ entendido.
Assim, que vemos nós por este esconso
Mundo? Vemos logrões, vemos logrados;
Ninguém vês ir com cândido desejo
Aos Sénecas, aos Sócrates de agora
Perguntar as lições tão necessárias
De ser honrado, ser com todos justo.
Tão sobejos se crêem de honra e virtude,
Que cuida cada um poder de sobra
Mostrar na Ocasião virtude a rodo,
E chega a Ocasião, falha a virtude.

A Noite

Mas a noite ventosa, a noite límpida
que a lembrança somente aflorava, está longe,
é uma lembrança. Perdura uma calma de espanto,
feita também ela de folhas e de nada. Desse tempo
mais distante que as recordações apenas resta
um vago recordar.

As vezes volta à luz do dia,
na imóvel luz dos dias de Verão,
aquele espanto remoto.

Pela janela vazia
o menino olhava a noite nas colinas
frescas e negras, e espantava-se de as ver assim tão juntas:
vaga e límpida imobilidade. Entre a folhagem
que sussurrava na escuridão, apareciam as colinas
onde todas as coisas do dia, as ladeiras
e as árvores e os vinhedos, eram nítidas e mortas
e a vida era outra, de vento, de céu,
e de folhas e de coisa nenhuma.

Às vezes regressa
na imóvel calma do dia a recordação
daquele viver absorto, na luz assombrada.

Tradução de Carlos Leite

Amor como em Casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Poema Quase Apostólico

Está sereno o poeta
Desprende-se-lhe dos ombros e cai
depois em pregas por ele abaixo a manhã
Não pertencem ao dia os gestos que ele tem
não morrerão na noite seus assombrosos passos
Dizem que ele volta a pôr em movimento a roda
de crianças de atitudes desmedidas
que o vento varreu e parque algum queria
E abre os braços para deixar cair na cidade
um ano favorável ao senhor
E põe o rosto do senhor por trás das suas palavras
Elas decerto o hão-de dar a quem as demandar

Toada do Amor

E o amor sempre nessa toada:
briga perdoa perdoa briga.

Não se deve xingar a vida,
a gente vive, depois esquece.
Só o amor volta para brigar,
para perdoar,
amor cachorro bandido trem.

Mas, se não fosse ele, também
que graça que a vida tinha?

Mariquita, dá cá o pito,
no teu pito está o infinito.

É Inútil Querer Parar o Homem

É inútil querer parar o Homem,
o que transforma a pedra em piso,
o piso em casa e a casa em fonte
de novas músicas da carne
sob as velocidades da luz e da sombra.
É inútil querer parar o Homem
acolher sempre um pouco de si próprio
no mistério da vida a cavalgar
os cavalos aéreos da semântica
sob uma indeferida eternidade.
É inútil querer parar o Homem
e o impulso que o transforma sempre
na pátria sem fim do ato livre
que arranca a vida e o tempo e as coisas
do espelho imóvel dos conceitos.
Ah, que mistério maior é este
que liga a liberdade e o homem
e une o homem a outros homens
como o curso de um rio ao mar!
(quando a noite é una e indivisível,
nos olhos da mulher que eu amo
acende-se o deus deste segredo
-e uma sombra só nos transporta
ao fundo sem nome da vida.)

É inútil querer parar o Homem.
Do que morre fica o gesto alto
a ser o germe de outro gesto
que ainda nem vemos no tempo.

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Os putos

Uma bola de pano, num charco
Um sorriso traquina, um chuto
Na ladeira a correr, um arco
O céu no olhar, dum puto.

Uma fisga que atira a esperança
Um pardal de calções, astuto
E a força de ser criança
Contra a força dum chui, que é bruto.

Parecem bandos de pardais à solta
Os putos, os putos
São como índios, capitães da malta
Os putos, os putos
Mas quando a tarde cai
Vai-se a revolta
Sentam-se ao colo do pai
É a ternura que volta
E ouvem-no a falar do homem novo
São os putos deste povo
A aprenderem a ser homens.

As caricas brilhando na mão
A vontade que salta ao eixo
Um puto que diz que não
Se a porrada vier não deixo

Um berlinde abafado na escola
Um pião na algibeira sem cor
Um puto que pede esmola
Porque a fome lhe abafa a dor.

Maomé e a Montanha

Guardo o mais absoluto segredo
das pedras que rolam no fundo dos leitos
embora nada saiba,
nada ouse saber.
Vou pelo olhar até ao rio,
o rio vem a mim
e ambos caminhamos deslumbrados
para fora de nós.

O cantar da água
corre nos meus olhos exactamente como corre
a manhã
até que o sol a prumo
faz de mim o desenho do rio
que vejo,
o mapa das veias
onde o corpo nasce de novo.

À vinda procuro a minha sombra.
O coração que me há-de trazer de volta
demora-se no rio
como se nele corresse
uma sede de olhar.

Os pés colam-se à margem.
Do outro lado as casas vão mudando
de expressão
mais lentamente do que a água corre.
O sol abraça-me pelas costas
e deixa-se escorregar como crianças
que riem,
que não distinguem a voz seca do tempo.

É noite à lareira da casa.
Os objectos acendem-se:
também eles mudam de rosto
como tudo o que é iluminado por amor.

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Quimeras

Há na minha vida quimeras distantes,
Quais nuvens errantes, em dias atrozes.
Eu corro atrás delas, mas elas, por fim,
Perdem-se de mim, no horizonte, velozes.

Há no meu diário silenciosas dores,
Quais flores que o vento desfaz de manhã.
Com elas me embalo nos dias soturnos,
Dir-se-iam «Nocturnos», como os de Chopin.

Há no meu caminho nem sei bem o quê.
Alguém que me vê e que eu não visiono.
São meus dias passados, meus dias de infância,
Sabendo à fragrância das tardes de Outono.

Saudades, saudades, sentido da vida,
Um dia vivida e que não volta mais.
Meus dias passados, sobre eles me debruço,
No eterno soluço das coisas mortais.

Há na minha vida um viver fictício,
Fogo de artifício, esplendente e altivo.
Eu vejo-o enlevado, um instante fugaz,
Depois se desfaz na noite em que eu vivo.

Há na minha vida ignotas tristezas,
Pequenas certezas a que me apeguei.
Com elas eu vivo, com elas eu morro,
Para meu socorro é que eu as criei.

Quimeras, quimeras,

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Cabra-Cega

À volta de incerto fogo
Brincaram as minhas mãos.
… E foi a vida o seu jogo!

Julguei possuir estrelas
Só por vê-las.
Ai! Como estrelas andaram
Misteriosas e distantes
As almas que me encantaram
Por instantes!

Em ritmo discreto, brando,
Fui brincando, fui brincando
Com o amor, com a vaidade…

— E a que sentimentos vãos
Fiquei devendo talvez
A minha felicidade!

A Mulher que Passa

Meu Deus, eu quero a mulher que passa.
Seu dorso frio é um campo de lírios
Tem sete cores nos seus cabelos
Sete esperanças na boca fresca!

Oh! Como és linda, mulher que passas
que me sacias e suplicias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Teus sentimentos são poesia
Teus sofrimentos, melancolia.
Teus pêlos leves são relva boa
Fresca e macia.
Teus belos braços são cisnes mansos
Longe das vozes da ventania.

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

Como te adoro, mulher que passas
Que vens e passas, que me sacias
Dentro das noites, dentro dos dias!

Porque me faltas, se te procuro?
Por que me odeias quando te juro
Que te perdia se me encontravas
E me encontrava se te perdias?

Por que não voltas, mulher que passa?
Por que não enches a minha vida?
Por que não voltas, mulher querida
Sempre perdida, nunca encontrada?
Por que não voltas à minha vida
Para o que sofro não ser desgraça?

Meu Deus, eu quero a mulher que passa!

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Pronto para Receber a Felicidade

Estava tudo pronto para receber a felicidade,
e tu não vinhas.

Amei-te muito antes de te amar. Éramos o que
os amantes eram e nem precisávamos de
corpo para isso, porque o que dizíamos nos
satisfazia, e sempre que a vida acontecia era um
ao outro que tínhamos de falar. Se há coisa que
temo no mundo é o teu fim. Passo horas a sentir-me
indestrutível, a ter a certeza de que nada me
toca, de que nada me poderá doer o suficiente para
me fazer recuar, e depois vens tu. Tu e a tua imagem
a perder de vista, os teus olhos quando me olhas, a
tua boca quando me falas, e é então que percebo
que sou finito, pobre humano, e desato a chorar à
procura do telefone e de uma palavra tua que
me convença de que ainda existes. É na possibilidade
do teu fim que encontro a humildade.

Era o dia mais lindo de sempre na terra onde eu estava,
e tu não vinhas.

Não se sabe onde acaba o mundo mas eu sei que
a vida acaba no fundo dos teus lábios.

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Penélope

Mais do que sonho: comoção!
sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço melhores dias
do nosso amor.