Quando a paixão entra pela porta principal, a sensatez foge pela porta dos fundos.
Passagens sobre Portas
505 resultadosSupremo Enleio
Quanta mulher no teu passado, quanta!
Tanta sombra em redor! Mas que me importa?
Se delas veio o sonho que conforta,
A sua vinda foi três vezes santa!Erva do chão que a mão de Deus levanta,
Folhas murchas de rojo à tua porta…
Quando eu for uma pobre coisa morta,
Quanta mulher ainda! Quanta! Quanta!Mas eu sou a manhã: apago estrelas!
Hás de ver-me, beijar-me em todas elas,
Mesmo na boca da que for mais linda!E quando a derradeira, enfim, vier,
Nesse corpo vibrante de mulher
Será o meu que hás de encontrar ainda…
Eu Nunca Guardei Rebanhos
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.
Nós somos casas muito grandes, muito compridas. É como se morássemos apenas num quarto ou dois. Às vezes, por medo ou cegueira, não abrimos as nossas portas.
Muitas vezes parece que o diabo bate à nossa porta, mas é simplesmente o limpa-chaminés.
O Avarento
No meio de seus cofres, desvelado,
Co’as tampas levantadas, rasas de ouro,
Cevando a vista está no metal louro
Dele o cioso Avarento namorado.Temendo que lhe venha a ser roubado,
Emprega alma e vida em seu tesouro,
Girando com os olhos, qual besouro,
Zumbindo sem cessar, afervorado.Fechado nele está, com sete portas,
Com temor de algum fero arrombamento
De astutas invenções, de ideias tortas.Não emprega em mais nada o pensamento.
Cega ambição de vãs riquezas mortas!
Quão infeliz não és, louco avarento!
Teus Olhos
Olhos do meu Amor! Infantes loiros
Que trazem os meus presos, endoidados!
Neles deixei, um dia, os meus tesoiros:
Meus anéis, minhas rendas, meus brocados.Neles ficaram meus palácios moiros,
Meus carros de combate, destroçados,
Os meus diamantes, todos os meus oiros
Que trouxe d’Além-Mundos ignorados!Olhos do meu Amor! Fontes… cisternas..
Enigmáticas campas medievais…
Jardins de Espanha… catedrais eternas…Berço vinde do céu à minha porta…
Ó meu leite de núpcias irreais!…
Meu sumptuoso túmulo de morta!…
A Noite Abre Meus Olhos
Caminhei sempre para ti sobre o mar encrespado
na constelação onde os tremoceiros estendem
rondas de aço e charcos
no seu extremo azuladoFerrugens cintilam no mundo,
atravessei a corrente
unicamente às escuras
construí minha casa na duração
de obscuras línguas de fogo, de lianas, de líquenesA aurora para a qual todos se voltam
leva meu barco da porta entreabertao amor é uma noite a que se chega só
Lembrança
Fui Essa que nas ruas esmolou
E fui a que habitou Paços Reais;
No mármore de curvas ogivais
Fui Essa que as mãos pálidas poisou…Tanto poeta em versos me cantou!
Fiei o linho à porta dos casais…
Fui descobrir a Índia e nunca mais
Voltei! Fui essa nau que não voltou…Tenho o perfil moreno, lusitano,
E os olhos verdes, cor do verde Oceano,
Sereia que nasceu de navegantes…Tudo em cinzentas brumas se dilui…
Ah, quem me dera ser Essas que eu fui,
As que me lembro de ter sido… dantes!…
O sábio pode descobrir o mundo sem transpor a sua porta. Vê sem olhar, realiza sem agir.
Entendimento Lúcido do Futuro
Uma diferença característica e muito frequente na vida diária entre as cabeças comuns e as sensatas é que as primeiras, na sua ponderação e avaliação sobre possíveis perigos, querem saber e levam em conta apenas o que de semelhante já terá acontecido. As outras, pelo contrário, ponderam o que possivelmente poderia acontecer. É como se tivessem em mente o provérbio espanhol: «O que não acontece num ano, acontece num instante». Decerto, a diferença em questão é natural, pois, para abarcar com a vista aquilo que pode acontecer, é preciso entendimento; já para ver aquilo que aconteceu, são suficientes os sentidos.
A nossa máxima, então, é: sacrifica-te aos demónios malignos. Por outras palavras, não se deve temer uma certa perda de esforço, tempo, desconforto, transtorno, dinheiro ou privação, para fechar as portas à possibilidade de uma desgraça. E quanto maior a desgraça, tanto menor, mais remota e improvável a sua possibilidade. O exemplo mais claro desta regra é o prémio do seguro. Ele é um sacrifício público oferecido por todos no altar dos demónios malignos.
O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura…
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado…
Abri-vos, portas d’ouro, ante meus ais!Abrem-se as portas d’ouro, com fragor…
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão – e nada mais!
Viver
Mas era apenas isso,
era isso, mais nada?
Era só a batida
numa porta fechada?E ninguém respondendo,
nenhum gesto de abrir:
era, sem fechadura,
uma chave perdida?Isso, ou menos que isso
uma noção de porta,
o projecto de abri-la
sem haver outro lado?O projecto de escuta
à procura de som?
O responder que oferta
o dom de uma recusa?Como viver o mundo
em termos de esperança?
E que palavra é essa
que a vida não alcança?
Civilização de Especialistas
A verdade é que hoje vivemos numa civilização de especialistas e que é vão todo o empenho de que seja de outro modo. Sob pena de não ser eficiente, o homem das artes, das ciências e das técnicas tem de se especializar, para que domine aqueles segredos de bibliografia ou de prática, e para que obtenha os jeitos e a forte concentração de pensamento que se tornam necessários para que se possa não só manejar o que se herdou mas acrescentar património para as gerações futuras. E, se é certo que por um lado o especialismo favorece aquela preguiça de ser homem que tanto encontramos no mundo, permite ele, por outro lado, aproveitar em tarefas úteis indivíduos que pouco brilhantes seriam no tratamento de conjuntos. O preço, porém, se tem naturalmente de pagar; paga-o o colectivo quando se queixa, e muito justamente, da falta de bons líderes, de homens com uma larga visão de conjunto, que saibam do trabalho de cada um o suficiente para o poderem dirigir e se tenham eles tornado especialistas na difícil arte de não ter especialidade própria senão essa mesma do plano, da previsão e do animar na batalha as tropas que, na maior parte das vezes,
indicação do lugar
chegamos a uma página em branco atravessada por
um súbito silêncio uníssono
o rio é uma dobra do olhar onde sempre estivemos em surdinaé o exacto lugar
indiciador dos músculosquem ousa escancarar as portas à cidade
É preciso querer ser feliz e contribuir para isso. Se ficarmos na posição do espectador impassível, deixando para a felicidade apenas a entrada livre e as portas abertas, será a tristeza que entrará.
Anúncio no Ar
Céus, nuvens, ondas, ventos,
dai-me notícias do meu amor norueguês.Elementos da natureza gastos por tantos versos,
ferralha romântica, brilhai de novo
e trazei-me notícias do meu amor norueguês.Aquela que eu amei um verão na praia
– pérola cuja ostra era um barco de carvão,
matrícula de Bergen, essa mesma, elementos!,
notícias, notícias do meu amor norueguês.A que veio dos fiordes e vivia num barco
encostado ao cais, junto de um guindaste;
a que me acendeu a manhã do amor,
a que abriu a porta às tempestades,
a que me deu a chave da invenção…
Existe? Fugiu à ocupação? Morreu prisioneira?Notícias, notícias do seu rosto que mal lembro,
do seu corpo de caule adolescente…
Notícias do seixo branco que trocámos
com palavras de amor em inglês mal decorado.Notícias da que foi espiga mal madura,
notícias do meu amor norueguês.
Escárnio
O meu amor anda em fama.
Mesmo assim lhe quero bem.
Cegueira? Seja o que for!
Os olhos do meu amor
Não os vejo em mais ninguém.Tentaram deitá-lo à rua,
Mas abri-lhe a minha porta,
E a minha mão, toda nua,
Varreu toda a noite morta.
Porém, mil vozes, medonhas
Como pedaços de lama,
Segredaram-me vergonhas
Do meu amor que anda em fama.Ai! a dor! — casa florida…
Ai! o amor! — casa cercada.Há-de-se acabar a vida
Com a última pedrada!..
Não Tenho para Ti Quotidiano
Não tenho para ti quotidiano
mais que a polpa seca ou vento grosso,
ter existido e existir ainda,
querer a mais a mola que tu sejas,
saber que te conheço e vai chegar
a mão rasa de lona para amar.Não tenho braço livre mais que olhar
para ele, e o que faz que tu não queiras.
Tenho um tremido leito em vala aberta,
olhos maduros, cartas e certezas.Neste comboio longo, surdo e quente,
vou lá ao fundo, marco o Ocupado.
Penso em ti, meu amor, em qualquer lado.
Batem-me à porta e digo que está gente.
Fecho subitamente portas dentro de mim, por onde certas sensações iam passar para se realizarem.