Passagens sobre Portas

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Frases sobre portas, poemas sobre portas e outras passagens sobre portas para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

O Engano da Bondade

Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.
Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre – ou quase sempre – mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.
Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe,

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Flor Nirvanizadas

Ó cegos corações, surdos ouvidos,
Bocas inúteis, sem clamor, fechadas,
Almas para os mistérios apagadas,
Sem segredos, sem eco e sem gemidos.

Consciências hirsutas de bandidos,
Vesgas, nefandas e desmanteladas,
Portas de ferro, com furor trancadas,
Dos ócios maus histéricos Vencidos.

Desenterrai-vos das sangrentas furnas
Sinistras, cabalísticas, noturnas
Onde ruge o Pecado caudaloso…

Fazei da Dor, do triste Gozo humano,
A Flor do Sentimento soberano,
A Flor nirvanizada de outro Gozo!

Famílias! Odeio-vos! Lares herméticos; portas trancadas; possessões ciumentas da felicidade.

Nenhum pessimista jamais descobriu o segredo das estrelas, ou navegou até uma terra desconhecida, ou abriu uma nova porta para o espírito humano.

A Censura Existe Em Todo o Lado

Eu acho que a censura existiu sempre e provavelmente vai existir sempre. Porque a censura para o ser não necessita de ter claramente uma porta aberta com um letreiro, onde se diga que ali há pessoas que lêem livros ou vão ver espectáculos. Não! A censura existe de todas as maneiras, porque todas as pessoas, nos diferentes níveis de intervenção em que se encontram, por boas ou más razões, seleccionam, escolhem, apagam, fazem sobressair. E isso são actos de ocultação ou de evidenciação que, no fundo, em alguns casos, são actos formais de censura.
(Quanto à censura oficial dos tempos de ditadura) Aquilo que a censura demonstrou e demonstra, em qualquer caso, é que felizmente os escritores, dependendo das situações em que se encontram, são muito mais ricos de meios, de processos de fazer chegar aquilo que querem dizer aos outros, do que se imagina. Evidentemente, numa situação de censura, o escritor é obrigado a usar a escrita para comunicar isto ou aquilo ou aqueloutro, de uma maneira disfraçada, subterrânea, oculta; mas o que é importante não é que a censura o esteja a obrigar a fazer isso. O que é importante é que ele seja capaz de o fazer.

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A Poesia

… Quantas obras de arte… Já não cabem no mundo… Temos de as pendurar fora dos quartos… Quantos livros… Quantos livrecos… Quem será capaz de os ler?… Se fossem comestíveis… Se numa panela de grande calado os fizéssemos em salada, os picássemos, os alinhássemos… Já não se pode mais… Estamos até ao pescoço… O mundo afoga-se na maré… Reverdy dizia-me: «Avisei o correio para que não me trouxesse mais livros… Não poderia abri-los. Não tenho espaço. Trepam pelas paredes, temi uma catástrofe, ruiriam em cima da minha cabeça»… Todos conhecem Eliot… Antes de ser pintor, de dirigir teatros, de escrever luminosas críticas, lia os meus versos… Sentia-me lisonjeado… Ninguém os compreendia melhor… Até que um dia começou a ler-me os seus e eu, egoisticamente, corri a protestar: «Não mos leia, não mos leia»… Fechei-me no quarto de banho, mas Eliot, através da porta, lia-mos… Fiquei muito triste… O poeta Frazer, da Escócia, estava presente… Increpou-me: «Porque tratas assim Eliot?»… Respondi: «Não quero perder o meu leitor. Cultivei-o. Conhece até as rugas da minha poesia… Tem tanto talento… Pode fazer quadros… Pode escrever ensaios… Mas eu quero manter este leitor, conservá-lo, regá-lo como planta exótica… Compreendes-me, Frazer?»… Porque a verdade, se isto continua,

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A incomunicabilidade de si para si mesmo é o grande vórtice do nada. Se eu não acho um modo de falar a mim mesmo a palavra me sufoca a garganta atravessando-a como uma pedra não deglutida. Eu quero ter acesso a mim mesmo na hora em que eu quiser como quem abre as portas e entra. Não quero ser vítima do acaso libertador.

Desde a Aurora

Como um sol de polpa escura
para levar à boca,
eis as mãos:
procuram-te desde o chão,

entre os veios do sono
e da memória procuram-te:
à vertigem do ar
abrem as portas:

vai entrar o vento ou o violento
aroma de uma candeia,
e subitamente a ferida
recomeça a sangrar:

é tempo de colher: a noite
iluminou-se bago a bago: vais surgir
para beber de um trago
como um grito contra o muro.

Sou eu, desde a aurora,
eu — a terra — que te procuro.

Obsessão do Mar Oceano

Vou andando feliz pelas ruas sem nome…
Que vento bom sopra do Mar Oceano!
Meu amor eu nem sei como se chama,
Nem sei se é muito longe o Mar Oceano…
Mas há vasos cobertos de conchinhas
Sobre as mesas… e moças na janelas
Com brincos e pulseiras de coral…
Búzios calçando portas… caravelas
Sonhando imóveis sobre velhos pianos…
Nisto,
Na vitrina do bric o teu sorriso, Antínous,
E eu me lembrei do pobre imperador Adriano,
De su’alma perdida e vaga na neblina…
Mas como sopra o vento sobre o Mar Oceano!
Se eu morresse amanhã, só deixaria, só,
Uma caixa de música
Uma bússola
Um mapa figurado
Uns poemas cheios de beleza única
De estarem inconclusos…
Mas como sopra o vento nestas ruas de outono!
E eu nem sei, eu nem sei como te chamas…
Mas nos encontramos sobre o Mar Oceano,
Quando eu também já não tiver mais nome.

Olhar para as Coisas com alguma Distância

Percorrendo as ruas fui descobrindo coisas espantosas que lá ocorriam desde sempre, disfarçadas sob uma máscara ténue de normalidade: um viúvo que, depois de se reformar, passava as tardes sentado no carro, a porta aberta, a perna esquerda fora, a direita dentro; um sujeito tão magro que se podia tomar por uma figura de cartão, ideia reforçada por andar de bicicleta e, sobretudo, por nela carregar o papelão que recolhia nos contentores do lixo; a mulher que, com uma regularidade cronométrica, vinha à janela, olhava para um lado e para o outro, como se aguardasse há muito a chegada de alguém. Eram três exemplos de situações que – creio ser esta a melhor formulação – aconteciam desde sempre e pela primeira vez. Se olharmos para as coisas com alguma distância, retirando-as do contexto, deixando-nos contaminar pela estranheza, tudo, tudo mesmo, adquire uma aura macabra e repetitiva, singular, reconhecível, que se mistura com a substância dos sonhos, a matéria das mentes perturbadas. Penso sempre, não sei porque, que talvez a resposta esteja naquela revista antiga que não resistiu às traças: nos sobreviventes de Hiroxima, no clarão absoluto que os cegou, no mundo irreal em que foram condenados a viver a partir desse momento,

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Toda a Aproximação é um Conflito

Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro?
Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes (…) Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta,

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O Ópio

…Havia ruas inteiras dedicadas ao ópio… Os fumadores deitavam-se sobre baixas tarimbas… Eram os verdadeiros lugares religiosos da Índia… Não tinham nenhum luxo, nem tapeçarias, nem coxins de seda… Era tudo madeira por pintar, cachimbos de bambu e almofadas de louça chinesa… Pairava ali uma atmosfera de decência e austeridade que não existia nos templos… Os homens adormecidos não faziam movimento ou ruído… Fumei um cachimbo… Não era nada… Era um fumo caliginoso, morno e leitoso… Fumei quatro cachimbos e estive cinco dias doente, com náuseas que vinham da espinha dorsal, que me desciam do cérebro… E um ódio ao sol, à existência… O castigo do ópio… Mas aquilo não podia ser tudo… Tanto se dissera, tanto se escrevera, tanto se vasculhara nas maletas e nas malas, tentando apanhar nas alfândegas o veneno, o famoso veneno sagrado… Era preciso vencer a repugnância… Devia conhecer o ópio, provar o ópio, afim de dar o meu testemunho… Fumei muitos cachimbos, até que conheci… Não há sonhos, não há imagens, não há paroxismos… Há um enfraquecimento metódico, como se uma nota infinitamente suave se prolongasse na atmosfera… Um desvanecimento, um vácuo dentro de nós… Qualquer movimento do cotovelo, da nuca, qualquer som distante de carruagem,

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Balada do Amor através das Idades

Eu te gosto, você me gosta
desde tempos imemoriais.
Eu era grego, você troiana,
troiana mas não Helena.
Saí do cavalo de pau
para matar seu irmão.
Matei, brigámos, morremos.

Virei soldado romano,
perseguidor de cristãos.
Na porta da catacumba
encontrei-te novamente.
Mas quando vi você nua
caída na areia do circo
e o leão que vinha vindo,
dei um pulo desesperado
e o leão comeu nós dois.

Depois fui pirata mouro,
flagelo da Tripolitânia.
Toquei fogo na fragata
onde você se escondia
da fúria de meu bergantim.
Mas quando ia te pegar
e te fazer minha escrava,
você fez o sinal-da-cruz
e rasgou o peito a punhal…
Me suicidei também.

Depois (tempos mais amenos)
fui cortesão de Versailles,
espirituoso e devasso.
Você cismou de ser freira…
Pulei muro de convento
mas complicações políticas
nos levaram à guilhotina.

Hoje sou moço moderno,
remo, pulo, danço, boxo,
tenho dinheiro no banco.
Você é uma loura notável,
boxa, dança, pula, rema.

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Peso do Mundo

A poesia não é, nunca foi
uma enumeração ou composto
de exuberância, bondade,
altitude, nem arado
ou dádiva sobre chão
prenhe de mortos.

Nem o arrependimento
de Deus por ter criado o homem
com o rosto da sua memória,
ao lado dos seus vermes.

Tão-pouco fôlego dos que amam
abrindo a porta límpida
do corpo e chovendo sobre a terra,
ou carregam como tartarugas
o peso do mundo.

Nem reverência por um tigre,
pela leveza maligna de todas as patas,
pela sonolência junto à estirpe
aprisionada também
na dureza de ser tigre.

É o milagre de uma arma
total, de uma só palavra
reduzindo o átomo à completa inocência.

Casou-Se Nesta Terra Esta E Aquele

Casou-se nesta terra esta e aquele.
Aquele um gozo filho de cadela,
Esta uma donzelíssima donzela,
Que muito antes do parto o sabia ele.

Casaram por unir pele com pele;
E tanto se uniram, que ele com ela
Com seu mau parecer ganha para ela,
com seu bom parecer ganha para ele.

Deram-lhe em dote muitos mil cruzados,
Excelentes alfaias, bons adornos,
De que estão os seus quartos bem ornados:

Por sinal que na porta e seus contornos
Um dia amanheceram, bem contados,
Três bacias de trampa e doze cornos.

Revolução

Como casa limpa
Como chão varrido
Como porta aberta

Como puro início
Como tempo novo
Sem mancha nem vício

Como a voz do mar
Interior de um povo

Como página em branco
Onde o poema emerge

Como arquitectura
Do homem que ergue
Sua habitação