Passagens sobre Povos

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Dificuldade de Prever o Comportamento de qualquer Pessoa, o Nosso Inclusivamente

Sendo variável o nosso “eu”, que é dependente das circunstâncias, um homem jamais deve supor que conhece outro. Pode somente afirmar que, não variando as circunstâncias, o procedimento do indivíduo observado não mudará. O chefe de escritório que já redige há vinte anos relatórios honestos, continuará sem dúvida a redigi-los com a mesma honestidade, mas cumpre não o afirmar em demasia. Se surgirem novas circunstâncias, se uma paixão forte lhe invadir a mente, se um perigo lhe ameaçar o lar, o insignificante burocrata poderá tornar-se um celerado ou um herói.
As grandes oscilações da personalidade observam-se quase exclusivamente na esfera dos sentimentos. Na da inteligência, elas são muito fracas. Um imbecil permanecerá sempre imbecil.
As possíveis variações da personalidade, que impedem de conhecermos a fundo os nossos semelhantes, também obstam a que cada qual se conheça a si próprio. O adágio “Nosce te ipsum” dos antigos filósofos constitui um conselho irrealizável. O “eu” exteriorizado representa habitualmente uma personalidade de empréstimo, mentirosa. Assim é, não só porque atribuímos a nós mesmos muitas qualidades e não reconhecemos absolutamente os nossos defeitos, como também porque o nosso “eu” contém uma pequena porção de elementos conscientes, conhecíveis em rigor, e, em grande parte,

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Elegia do Amor

Lembras-te, meu amor,
Das tardes outonais,
Em que íamos os dois,
Sozinhos, passear,
Para fora do povo
Alegre e dos casais,
Onde só Deus pudesse
Ouvir-nos conversar?
Tu levavas, na mão,
Um lírio enamorado,
E davas-me o teu braço;
E eu, triste, meditava
Na vida, em Deus, em ti…
E, além, o sol doirado
Morria, conhecendo
A noite que deixava.
Harmonias astrais
Beijavam teus ouvidos;
Um crepúsculo terno
E doce diluía,
Na sombra, o teu perfil
E os montes doloridos…
Erravam, pelo Azul,
Canções do fim do dia.
Canções que, de tão longe,
O vento vagabundo
Trazia, na memória…
Assim o que partiu
Em frágil caravela,
E andou por todo o mundo,
Traz, no seu coração,
A imagem do que viu.

Olhavas para mim,
Às vezes, distraída,
Como quem olha o mar,
À tarde, dos rochedos…
E eu ficava a sonhar,
Qual névoa adormecida,
Quando o vento também
Dorme nos arvoredos.
Olhavas para mim…
Meu corpo rude e bruto
Vibrava,

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Nenhum povo culto pode viver sem literatura. Os indivíduos para viver e satisfazer ao seu destino hão-de comunicar as suas ideias e traduzir na linguagem as manifestações da sua inteligência. A expressão das nações, a sua conversação, o desafogo do seu espírito, é a literatura de cada época e de cada sociedade. Um povo sem letras não vive muito tempo, e se vive, é uma excepção privilegiada.

Não há pensamento onde não há liberdade. Os nossos oito séculos de opressão e de intolerância deram isto: um povo cujos intelectuais raciocinam sempre a fazer figas.

A Débil

Eu, que sou feio, sólido, leal,
A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te sempre, recatada
Numa existência honesta, de cristal.

Sentado à mesa dum café devasso,
Ao avistar-te, há pouco, fraca e loura,
Nesta Babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.

E, quando socorreste um miserável,
Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, saudável.

“Ela aí vem!” disse eu para os demais;
E pus-me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.

Via-te pela porta envidraçada;
E invejava, — talvez que não o suspeites! –
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.

Ia passando, a quatro, o patriarca.
Triste eu saí. Doía-me a cabeça.
Uma turba ruidosa, negra, espessa,
Voltava das exéquias dum monarca.

Adorável! Tu, muito natural,
Seguias a pensar no teu bordado;
Avultava, num largo arborizado,
Uma estátua de rei num pedestal.

Sorriam, nos seus trens,

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O que faz que os homens formem um povo é a lembrança das grandes coisas que fizeram juntos e a vontade de realizar outras.

1

Livro, se luz desejas, mal te enganas.
Quanto melhor será dentro em teu muro
Quieto, e humilde estar, inda que escuro,
Onde ninguém t’impece, a ninguém danas!

Sujeitas sempre ao tempo obras humanas
Coa novidade aprazem; logo em duro
Ódio e desprezo ficam: ama o seguro
Silêncio, fuge o povo, e mãos profanas.

Ah! não te posso ter! deixa ir comprindo
Primeiro tua idade; quem te move
Te defenda do tempo, e de seus danos.

Dirás que a pesar meu fostes fugindo,
Reinando Sebastião, Rei de quatro anos:
Ano cinquenta e sete: eu vinte e nove.

Para que um império dure, impõe-se que o magistrado obedeça às leis e o povo aos magistrados.

A Arte da Retórica Floresce nas Sociedades Decadentes

Um retórico do passado dizia que o seu ofício era fazer que as coisas pequenas parecessem grandes e como tais fossem julgadas. Dir-se-ia um sapateiro que, para calçar pés pequenos, sabe fazer sapatos grandes. Em Esparta ter-lhe-iam dado a experimentar o azorrague por professar uma arte trapaceira e mentirosa. E creio que Arquidamo, que foi seu rei, não terá ouvido sem espanto a resposta de Tucídides, ao qual perguntara quem era mais forte na luta, se Péricles, se ele: «Isso será difícil de verificar, pois quando o deito por terra, ele convence os espectadores que não caiu, e ganha». Os que, com cosméticos, caracterizam e pintam as mulheres fazem menos mal, pois é coisa de pouca perda não as ver ao natural, ao passo que estoutros fazem tenção de enganar, não já os olhos, mas o nosso juízo, e de abastardar e corromper a essência das coisas. Os Estados que longamente se mantiveram em boa ordem e bem governados, como o cretense e o lacedemónio, não tinham em grande conta os oradores.
Aríston definiu sabiamente a retórica como a ciência de persuadir o povo; Sócrates e Platão, como a arte de enganar e lisonjear; e aqueles que isto negam na sua definição genérica,

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O Prazer no Costume

Uma importante varie­dade do prazer e, com isso, fonte da moralidade, provém do hábito. O usual faz-se mais facilmente, melhor, portanto, com mais agrado, sente-se nisso um prazer e sabe-se, por experiência, que o habitual deu bom resultado, daí é útil; um costume, com o qual se pode viver, está provado que é salutar, pro­veitoso, ao contrário de todas as tentativas novas, ainda não comprovadas. O costume é, por conse­guinte, a união do agradável e do útil; além disso, não exige reflexão. Assim que o homem pode exer­cer coacção, exerce-a para impor e introduzir os seus costumes, pois para ele, eles são a comprovada sabedoria prática. De igual modo, uma comunidade de indivíduos obriga cada um deles ao mesmo cos­tume.
Aqui está a conclusão errada: porque uma pessoa se sente bem com um costume ou, pelo me­nos, porque por intermédio do mesmo assegura a sua existência, então esse costume é necessário, pois passa por ser a única possibilidade de uma pessoa se conseguir sentir bem; o agrado da vida parece emanar exclusivamente dele. Esta concepção do habitual como uma condição da existência é aplica­da até aos mais pequenos pormenores do costume: dado que o conhecimento da verdadeira causalidade é muito escasso entre os povos e as civilizações que se encontram a um nível baixo,

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A Eterna Instabilidade

O pior que vejo no nosso estado é a instabilidade, e que as nossas leis, não mais que as nossas roupas, não possam assumir uma forma fixa. É muito fácil acusar de imperfeição um governo, pois todas as coisas mortais estão repletas dela; é muito fácil gerar num povo o menosprezo pelas suas observâncias antigas: jamais homem algum empreendeu isso sem obter sucesso; mas restabelecer um estado melhor no lugar daquele que foi posto em ruína, isso muitos cansaram de esperar, entre os que haviam tentado.

Os livros escolares, cujo objetivo é ensinar-nos a história da nossa terra e do nosso povo, são em geral escritos num espírito maniqueísta, seguindo as clássicas antíteses – os bons e os maus, os heróis e os covardes, os santos e os bandidos.

Uma Grande parte da Arte é para Morrer

A pasmaceira dum domingo português, que até mesmo em Lisboa é de desiludir um pícnico (quanto mais um asténico!), levou-me ao abismo onde todo o provinciano que aqui chega tem de cair, se não quer esperar no café pelo comboio do regresso. Refiro-me, claro, à inevitável revista. E fez-me bem, porque assentei ideias sobre alguns problemas de literatura e arte.
Os risos desarticulados que pelo mundo a cabo desaguam nos muitos parques Meyer, o que são em verdade senão o prolongamento protoplásmico de certas farsas medievais? Revistas também daqueles atribulados tempos, as peças primitivas que até nós chegaram não têm outro mérito senão mostrar-nos que já então se dizia mal dos tiranos em trocadilhescas palavras e significativos gestos, ficando-nos ao cabo da sua penosa leitura a humana consolação de sabermos que o povo ria a bandeiras despregadas da própria miséria, e aliviava assim as suas penas.
Uma grande parte da arte é para morrer, e a pedra de toque da sua caducidade está em ela falar apaixonadamente de pessoas e acontecimentos inteiramente esquecidos da lembrança da História. Poder-se-á dizer que não se trata de beleza pura, a qual tem uma perenidade que transcende o circunstancial. Não é verdade.

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Para mim, ser-me-ia impossível viver fora de Lisboa. Falta-me a língua, falta-me este meu povo, feio, pequenino, com mau gosto, malcriado, não sei quê, mas do qual tenho umas saudades loucas quando estou no meio de gente limpa.