Passagens sobre Primeiros

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Saber Zangar-se

O que me parece é que as pessoas, em geral, como que deixaram de saber zangar-se. Deixaram de saber zangar-se com aquilo que consideram errado – e, pior ainda, deixaram de saber dizê-lo na cara umas das outras. A não ser, naturalmente, que haja uma agenda.

Ainda nos zangamos muito, é verdade. Mas zangamo-nos mal. Com a maior das facilidades nos zangamos contra inimigos abstractos, como «o Governo», «o capitalismo selvagem» ou mesmo apenas «a crise». Com a maior das facilidades nos zangamos com aqueles que entendemos como nossos subordinados, no trabalho e na vida em geral (afinal, os nossos «superiores» acabam de pôr-nos a pata em cima. alguém vai ter de pagar a conta). Com aqueles que estão, de alguma forma, em ascendente sobre nós, já não nos zangamos: amuamos, que é a forma mais cobarde de nos zangarmos. Aos nossos iguais simplesmente não dizemos nada: engolimos e tornamos a engolir, convencendo-nos de que do outro lado está, afinal, um pobre diabo, tão pobre que nem sequer merece uma zanga – e, quando enfim nos zangamos, é para dar-lhe um tiro na cabeça, como todos os dias nos mostram os jornais.

A impressão com que eu fico é que tudo isto vem dessa mania das social skills e do team building e dos demais chavões moderninhos que os gurus dos livros de Economia nos enfiaram pela garganta abaixo,

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Felicidade e Prazer

Devemos estudar os meios de alcançar a felicidade, pois, quando a temos, possuímos tudo e, quando não a temos, fazemos tudo por alcançá-la. Respeita, portanto, e aplica os princípios que continuadamente te inculquei, convencendo-te de que eles são os elementos necessários para bem viver. Pensa primeiro que o deus é um ser imortal e feliz, como o indica a noção comum de divindade, e não lhe atribuas jamais carácter algum oposto à sua imortalidade e à sua beatitude. Habitua-te, em segundo lugar, a pensar que a morte nada é, pois o bem e o mal só existem na sensação. De onde se segue que um conhecimento exacto do facto de a morte nada ser nos permite fruir esta vida mortal, poupando-nos o acréscimo de uma ideia de duração eterna e a pena da imortalidade. Porque não teme a vida quem compreende que não há nada de temível no facto de se não viver mais. É, portanto, tolo quem declara ter medo da morte, não porque seja temível quando chega, mas porque é temível esperar por ela.
É tolice afligirmo-nos com a espera da morte, visto ser ela uma coisa que não faz mal, uma vez chegada. Por conseguinte, o mais pavoroso de todos os males,

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Missa de Aniversário

Há um ano que os teus gestos andam
ausentes da nossa freguesia
Tu que eras destes campos
onde de novo a seara amadurece
donde és hoje?
Que nome novo tens?
Haverá mais singular fim de semana
do que um sábado assim que nunca mais tem fim?
Que ocupação é agora a tua
que tens todo o tempo livre à tua frente?
Que passos te levarão atrás
do arrulhar da pomba em nossos céus?
Que te acontece que não mais fizeste anos
embora a mesa posta continue à tua espera
e lá fora na estrada as amoreiras tenham outra vez
florido?

Era esta a voz dele assim é que falava
dizem agora as giestas desta sua terra
que o viram passar nos caminhos da infância
junto ao primeiro voo das perdizes

Já só na gravata te levamos morto àqueles caminhos
onde deixaste a marca dos teus pés
Apenas na gravata. A tua morte
deixou de nos vestir completamente
No verão em que partiste bem me lembro
pensei coisas profundas
É de novo verão.

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Não Sei para que Vos Quero

Não sei para que vos quero,
pois me de olhos não servis,
olhos a que eu tanto quis!

VOLTAS

Pera que me fostes dados,
vós só a chorar vos destes;
e, se eu tenho cuidados,
meus olhos, vós mos fizestes.
Desque neles me pusestes,
do descanso me fugis,
olhos a que eu tanto quis!

Quando vós primeiro vistes,
que não me era bom sabíeis,
mas, por gozar do que víeis,
em meu dano consentistes.
O que então me encobristes
agora mo descobris,
olhos a que eu tanto quis!

Meus olhos, por muitas vias
usais comigo cruezas;
tomais as minhas tristezas
pera vossas alegrias.
Entram noites, entram dias,
olhos, nunca me dormis,
olhos a que eu tanto quis!

Ando-vos a vós buscando
cousas que vos dêem prazer,
e vós, quanto podeis ver,
tristezas me andais tornando.
Agora vou-vos cantando,
vós a mim chorando me is,
olhos a que eu tanto quis!

O Pressuposto Indispensável para se Ser um Grande-Escritor

O pressuposto indispensável para se ser um grande-escritor é, então, o de escrever livros e peças de teatro que sirvam para todos os níveis, do mais alto ao mais baixo. Antes de produzir algum bom efeito, é preciso primeiro produzir efeito: este princípio é a base de toda a existência como grande-escritor. É um princípio miraculoso, eficaz contra todas as tentações da solidão, por excelência o princípio goethiano do sucesso: se nos movermos apenas num mundo que nos é propício, tudo o resto virá por si. Pois quando um escritor começa a ter sucesso dá-se logo uma transformação significativa na sua vida. O seu editor pára de se lamentar e de dizer que um comerciante que se torna editor se parece com um idealista trágico, porque faria muito mais dinheiro negociando com tecidos ou papel virgem. A crítica descobre nele um objecto digno da sua actividade, porque os críticos muitas vezes até nem são más pessoas, mas, dadas as circunstâncias epocais pouco propícias, ex-poetas que precisam de um apoio do coração para poderem pôr cá fora os seus sentimentos;são poetas do amor ou da guerra, consoante o capital interior que têm de aplicar com proveito, e por isso é perfeitamente compreensível que escolham o livro de um grande-escritor e não o de um comum escritor.

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Saberei Conquistá-la Através de Todos os Sacrifícios

Perdoe-me se me apaixonei a este ponto de si. Mas não passarei daqui, nem ninguém me verá! Fechado num quarto da pousada, espero a sua resposta. Esperarei seis horas por umas linhas suas e depois volto para Paris. Já nem sei viver, vagueio por aí, ferido de morte. Prefiro cansar-me em longos passeios a cavalo, a consumir-me na solidão, ou no meio de pessoas que deixaram de me entender… Ordene-me que parta e não tornará a ser atormentada por um homem a quem um mês bastou para perder a razão.
Muito gostaria de surpreender o seu primeiro pensamento ao acordar; não posso descrever-lhe o reconhecimento que me enche o coração, este coração que reclama apenas a sua amizade, que saberá conquistá-la através de todos os sacrifícios, que é completamente vosso até ao seu último alento.
Não me conformo com a ideia de ser abandonado. O seu interesse é-me mil vezes mais preciso do que a própria vida, mas saberei moderar a expressão dos meus sentimentos e não terei outras aspirações do que as que me forem permitidas; também saberei esconder-lhe os meus temores; respeitarei o seu repouso – mas vê-la-ei, e nunca mais haverá felicidade na minha vida se não puder consagrar-lha inteiramente.

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Como as coisas últimas são mais verdadeiras e mais manifestas que as primeiras

Como as coisas últimas são mais verdadeiras e mais manifestas que as primeiras, as futuras são ainda mais verdadeiras.

Prazer Convicto ou sem Domínio

Quem age em vista do prazer e o persegue, por convicção e decisão, parece ser melhor do que quem não age por cálculo, mas por falta de domínio. Ou seja, o primeiro parece poder ser mais facilmente corrigido, porque pode ser convencido a alterar as suas convicções. Na verdade, o provérbio: «Se a água é capaz de sufocar, porque a bebemos?» parece poder aplicar-se a quem não se domina.
Se alguém age por ter sido convencido a fazer o que faz, deixará de o fazer se for convencido de outro modo. Contudo, estando ele agora convencido de que deve fazer uma coisa, ainda assim fará uma coisa diferente. Ainda, se perda de domínio e o autodomínio podem ser ditos a respeito de tudo na existência, quem é que existe com uma absoluta falta de domínio? Porque ninguém perde o domínio a respeito de tudo. Contudo, dizemos de alguns que têm uma falta de domínio absoluta.

O Significado da Vida

Terá a vida algum significado, algum sentido ou valor? A pergunta é: a vida, viver, terá algum propósito? Será que viver nos fará chegar, um dia, a algum lado? Viver é um meio. A meta, o objetivo, esse lugar muito distante situado algures, é o fim. E é esse fim que lhe confere sentido. Se não houver um fim, a vida não terá, certamente, sentido, e será preciso criar um Deus para lhe dar sentido.
Primeiro, foi preciso separar os fins dos meios. Isto divide a nossa mente. A nossa mente está sempre a perguntar porquê? Para quê? E tudo o que não consegue dar uma resposta à pergunta «Para quê?» vai perdendo lentamente valor para nós. Foi assim que o amor se tornou algo sem valor. Que sentido faz o amor? Onde poderá levar-nos? Que alcançaremos com ele? Chegaremos a alguma utopia, a algum paraíso? É evidente que, encarado dessa maneira, o amor não faz nenhum sentido. É vão.

Que sentido tem a beleza? Contemplamos um pôr do sol e ficamos deslumbrados com a sua grande beleza, mas qualquer idiota pode perguntar-nos, «Que significa um pôr do sol?», e não teremos uma resposta para lhe dar.

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Imitadores

Os homens não descendem dos macacos, mas desenvolvem todos os esforços para o fazer crer. O pecado original aproximou-nos dos animais e toda a alma é, de uma maneira ou de outra, uma crestomia zoológica. O que Dante diz das ovelhas – «e o que uma faz primeiro as outras imitam» – poder-se-ia aplicar a quase todos nós.
Desde que Adão resolveu imitar Eva e mordeu o fruto, somos, a despeito da nossa ilusão em contrário, uma sucessão infinita de cópias. Um único cunho – em regra, chamado génio – basta para imprimir milhares e milhares daquelas moedas vulgares que circulam pela Terra. E o génio nem sempre se liberta da servidão universal da imitação. Toda a vida é um mosaico de plágios.
A maioria imita por preguiça, para se poupar o trabalho de procurar e inventar, ou por prudência, que aconselha os caminhos percorridos e as experiências coroadas de êxito. Compreende-se que a humildade, embora rara, leve naturalmente quem a possui a imitar aqueles que reconhece superiores, mas a própria soberba, que deveria afastar da repetição, torna-nos macacos. Se viver é distinguir-se, o orgulhoso deveria providenciar para não se parecer com ninguém. Mas a inveja, sob a sonante designação da emulação,

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As guerras são uma espécie de bebedeira colectiva e, digam o que quiserem os pacifistas, o povo é a favor delas, pelo menos nos primeiros trinta dias.

Vozes da Noite

Vozes na Noite! Quem fala
Com tanto ardor, tanto afã?
Falou o Grilo primeiro,
Logo depois foi a Rã.

Pobre loucura dos homens
Quando julgam entendê-las…
Só eles pasmam os olhos
Neste encanto das estrelas…

Lá no silêncio dos campos
Ou no mais ermo da serra,
Na voz das rãs dala a àgua,
Na voz dos grilos a Terra.

Só eles cantam a vida
Com amor e singeleza,
Por ser descuidada, alegre;
Por ser simples, com beleza.

Pudesse agora dizer-te,
Sem ser por palavras vãs,
O que diz a voz dos grilos,
O que diz a voz das rãs.

A Companhia do Amor

O que eu sinto não seria para si uma coisa nova de que necessitasse uma clara afirmação; é o mesmo que eu sentia quando passeávamos ambos nas areias da Costa Nova. Ou antes, não é o mesmo sentimento: é outro mais belo, mais completo; porque tendo, apesar de tudo, ficado comigo, desde que nos separámos, e tendo sido o doce e fiel companheiro da minha vida desde então – esse sentimento penetrou-me de um modo mais absoluto e mais absorvente, exaltou-se e idealizou-se, e de tal sorte me invadiu todo que eu cheguei a não ter pensamento, ideia, esperança, plano, a que não estivesse misturada a sua imagem. E na Costa Nova ainda não era assim. Dizer porque é que eu, apesar de tudo, insistia em pensar em si, não sei. O facto de não serem dependentes da vontade os movimentos do coração não é uma suficiente explicação: porque eu podia resistir à importunidade desta ideia, e em lugar disso abandonava-me a ela como à minha única alegria. Devo portanto concluir que havia um pressentimento latente, uma vaga quase certeza, uma fé secreta de que a afinidade que existe entre as nossas naturezas se viria um dia a manifestar apesar de tudo,

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Idylio d’Aldeia

Não sei que ha que me impelle
Para o teu escuro olhar!…
É mais branca a tua pelle,
Do que o linho de fiar!

É tua boca um botão,
E o teu riso a lua nova; –
Quem me dera ter na cova
Os ais do teu coração!

Mal podes saber o gosto
Que tive da vez primeira
Que te avistei, ao sol posto,
Debaixo d’esta amoreira!

Desde esse dia, andorinha!
Desde essa tarde infeliz,
Fiquei preso da covinha
Que fazes quando te ris!

Não sei que ha que me impelle
Para o teu escuro olhar!…
É mais branca a tua pelle
Do que o linho de fiar!

A minha alma não descança; –
Morra o sol, ou surja a aurora,
Só tu me lembras creança
De cabellos côr d’amora!

A tua doce ignorancia
Tão cheia de singelesas…
Faz todas as almas presas
Como as perguntas da infancia!

Tu és como um pomo d’ouro,
E o vivo sol que me alegras;
– Amo mais teu rir sonoro
Do que a voz das toutinegras!…

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Ser Feliz é uma Responsabilidade Muito Grande

Ser feliz é uma responsabilidade muito grande. Pouca gente tem coragem. Tenho coragem mas com um pouco de medo. Pessoa feliz é quem aceitou a morte. Quando estou feliz demais, sinto uma angústia amordaçante: assusto-me. Sou tão medrosa. Tenho medo de estar viva porque quem tem vida um dia morre. E o mundo me violenta. Os instintos exigentes, a alma cruel, a crueza dos que não têm pudor, as leis a obedecer, o assassinato — tudo isso me dá vertigem como há pessoas que desmaiam ao ver sangue: o estudante de medicina com o rosto pálido e os lábios brancos diante do primeiro cadáver a dissecar. Assusta-me quando num relance vejo as entranhas do espírito dos outros. Ou quando caio sem querer bem fundo dentro de mim e vejo o abismo interminável da eternidade, abismo através do qual me comunico fantasmagórica com Deus.