Taciturno
Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais –
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
CibĂłrio triangular de ritos infernais.No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d’Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.Heraldicas-luar sobre Ămpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de IlusĂŁo, trofĂ©us de jaspe e Outubro…A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou – embalde a tentarĂŁo descer…
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer –
ManhĂŁs de armas ainda em arraiais de olvido…Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trĂ´no a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redĂłr, ansias lassas, absortas…Ha rĂ´xos fins de Imperio em meu renunciar –
Caprichos de setim do meu desdem Astral…
Ha exĂ©quias de herois na minha dĂ´r feudal –
E os meus remorsos sĂŁo terraços sobre o Mar…
Passagens sobre Princesas
35 resultadosFelicidade Eterna
Antigamente todos os contos para crianças terminavam com a mesma frase, e foram felizes para sempre, isto depois de o PrĂncipe casar com a Princesa e de terem muitos filhos. Na vida, Ă© claro, nenhum enredo remata assim. As Princesas casam com os guarda-costas, casam com os trapezistas, a vida continua, e os dois sĂŁo infelizes atĂ© que se separam. Anos mais tarde, como todos nĂłs, morrem. SĂł somos felizes, verdadeiramente felizes, quando Ă© para sempre, mas sĂł as crianças habitam esse tempo no qual todas as coisas duram para sempre.
Elogio da Desconhecida
Ela. Seus braços vencidos,
Naus em procura do mar,
Caminhos brancos, compridos,
Que conduzem ao luar.Se ao meu pescoço os enrola
Eu julgo, com alegria,
Que trago ao pescoço o dia
Como se fosse uma gola.O Luar, lâmpada acesa
Pra alumiar Ă princesa
Que em meus olhos causa alarde.E o dia, longe, esquecido,
É um lençol estendido
Numa janela da Tarde.
NĂŁo te Arrependas
NĂŁo te arrependas, Amada, porque a mim tĂŁo depressa
te deste!
Podes crer, nem por isso de ti penso coisas insolentes
e vis!
Vária é a acção das setas do Amor: algumas arranham,
E do rastejante veneno languesce pra anos o peito.
Mas, com penas potentes e gume afiado de fresco,
Outras penetram até ao tutano e rápido inflamam
o sangue.
Nos tempos herĂłicos, quando Deuses e Deusas amavam,
Ao olhar seguia o desejo, ao desejo o prazer.
CrĂŞs tu que a Deusa do Amor pensou muito tempo
Quando no bosque de Ida um dia Anquises lhe
agradou?
Se Luna tardasse a beijar o belo dormente,
Auiora, invejosa, em breve o teria acordado.
Hero descobriu Leandro no festim ruidoso, e ligeiro,
Ardente saltou o amante pra a corrente nocturna.
Rhea SĂlvia, a virgem princesa, vai descuidosa
Buscar água ao Tibre, e o Deus dela se apossa.
Assim Marte gerou os seus filhos! — Uma loba
amamenta
Os Gémeos, e Roma nomeia-se princesa do mundo.Tradução de Paulo Quintela
Contra a Morte e o Amor não Há Quem Tenha Valia
Era ainda o mĂŞs de abril,
de maio antes um dia,
quando lĂrios e rosas
mostram mais sua alegria;
pela noite mais serena
que fazer o céu podia,
quando Flérida, a formosa
infanta, já se partia,
ela na horta do pai
para as árvores dizia:
“Ficai, adeus, minhas flores,
em que glĂłria ver soĂa.
Vou-me a terras estrangeiras,
a que ventura me guia.
Se meu pai me for buscar,
que grande bem me queria,
digam-lhe que amor me leva,
e que eu sem culpa o seguia;
que tanto por mim porfiava
que venceu sua porfia.
Triste, nĂŁo sei aonde vou,
e a mim ninguém o dizia!”
Eis que fala Dom Duardos:
“Não choreis, minha alegria,
que nos reinos de Inglaterra
mais claras águas havia,
e mais formosos jardins,
e vossos, senhora, um dia:
tereis trezentas donzelas
de alta genealogia,
de prata são os palácios
para vossa senhoria;
de esmeraldas e jacintos,
de ouro fino da Turquia,
com letreiros esmaltados
que minha vida Ă porfia
vĂŁo contando,
Versos de Orgulho
O mundo quer-me mal porque ninguém
Tem asas como eu tenho! Porque Deus
Me fez nascer Princesa entre plebeus
Numa torre de orgulho e de desdém!Porque o meu Reino fica para Além!
Porque trago no olhar os vastos céus,
E os oiros e os clarões são todos meus!
Porque Eu sou Eu e porque Eu sou Alguém!O mundo! O que é o mundo, ó meu amor?!
O jardim dos meus versos todo em flor,
A seara dos teus beijos, pĂŁo bendito,Meus ĂŞxtases, meus sonhos, meus cansaços…
São os teus braços dentro dos meus braços:
Via Láctea fechando o Infinito!…
EsplĂŞndida
Ei-la! Como vai bela! Os esplendores
Do lĂşbrico Versailles do Rei-Sol!
Aumenta-os com retoques sedutores.
É como o refulgir dum arrebol
Em sedas multicores.Deita-se com langor no azul celeste
Do seu landau forrado de cetim;
E os seus negros corcéis que a espuma veste,
Sobem a trote a rua do Alecrim,
Velozes como a peste.É fidalga e soberba. As incensadas
Dubarry, Montespan e Maintenon
Se a vissem ficariam ofuscadas
Tem a altivez magnética e o bem-tom
Das cortes depravadas.É clara como os pós à marechala,
E as mĂŁos, que o Jock Club embalsamou,
Entre peles de tigres as regala;
De tigres que por ela apunhalou,
Um amante, em Bengala.É ducalmente esplêndida! A carruagem
Vai agora subindo devagar;
Ela, no brilhantismo da equipagem,
Ela, de olhos cerrados, a cismar
Atrai como a voragem!Os lacaios vĂŁo firmes na almofada;
E a doce brisa dá-lhes de través
Nas capas de borracha esbranquiçada,
Nos chapéus com reseta, e nas librés
De forma aprimorada.E eu vou acompanhando-a,
Amar e Ser Livre ao mesmo Tempo
Tudo o que posso dizer Ă© que estou louco por ti. Tentei escrever uma carta e nĂŁo consegui. Estou constantemente a escrever-te… Na minha cabeça, e os dias passam, e eu imagino o que pensarás. Espero impacientemente por te ver. Falta tanto para terça-feira! E nĂŁo sĂł terça-feira… Imagino quando poderás ficar uma noite… Quando te poderei ter durante mais tempo… Atormenta-me ver-te sĂł por algumas horas e, depois, ter de abdicar de ti. Quando te vejo, tudo o que queria dizer desaparece… O tempo Ă© tĂŁo precioso e as palavras supĂ©rfluas… Mas fazes-me tĂŁo feliz… porque eu consigo falar contigo. Adoro o teu brilhantismo, as tuas preparações para o voo, as tuas pernas como um torno, o calor no meio das tuas pernas. Sim, Anais, quero desmascarar-te. Sou demasiado galante contigo. Quero olhar para ti longa e ardentemente, pegar no teu vestido, acariciar-te, examinar-te. Sabes que tenho olhado escassamente para ti? Ainda há demasiado sagrado agarrado a ti.
A tua carta… Ah, estas moscas! Fazes-me sorrir. E fazes-me adorar-te tambĂ©m. É verdade, nĂŁo te dou o devido valor. É verdade. Mas eu nunca disse que nĂŁo me dás o devido valor. Acho que deve haver um erro no teu inglĂŞs.
Como a Noite Ă© Longa!
Como a noite Ă© longa!
Toda a noite Ă© assim…
Senta-te, ama, perto
Do leito onde esperto.
Vem p’r’ao pĂ© de mim…Amei tanta coisa…
Hoje nada existe.
Aqui ao pé da cama
Canta-me, minha ama,
Uma canção triste.Era uma princesa
Que amou… Já nĂŁo sei…
Como estou esquecido!
Canta-me ao ouvido
E adormecerei…Que Ă© feito de tudo?
Que fiz eu de mim?
Deixa-me dormir,Dormir a sorrir
E seja isto o fim.
Tinha de Fachos Mil a Noite Ornado
1
Tinha de fachos mil a noite ornado
A argentada Princesa:
De amor, graça e beleza
O campo etéreo Vénus povoado.2
A Terra, com perfume precioso
Em torno recendia;
E plácido dormia
Sobre a dourada areia o pego undoso;3
Quando veio roubar a formosura
De tudo o que Ă© criado,
Márcia, fiel traslado
Da beleza do CĂ©u, sublime e pura;4
Com LĂrios, que estendeu, vestiu ufana
A forma divinal;
Em aceso coral
Tingiu, sorrindo, a boca soberana,5
As madeixas tomou das veias de ouro,
Nos olhos pĂ´s safiras,
Que das setas, que atiras,
SĂŁo, fero Amor, o mais caudal tesouro.6
Todos seus dons lhe pĂ´s o CĂ©u no peito;
Como orna o RĂ©gio Sposo,
C’o enfeite mais custoso,
A Princesa, a quem rende a alma, sujeito.7
Eu vi afadigados os Amores,
E as Graças, que cantavam
Enquanto se moldavam
Seus graciosos gestos vencedores.8
Das Sereias o canto deleitoso
Lhe nasceu sem estudo;
Rêve Oublié
Neste meu hábito surpreendente de te trazer de costas
neste meu desejo irreflectido de te possuir num trampolim
nesta minha mania de te dar o que tu gostas
e depois esquecer-me irremediavelmente de tiAgora na superfĂcie da luz a procurar a sombra
agora encostado ao vidro a sonhar a terra
agora a oferecer-te um elefante com uma linda tromba
e depois matar-te e dar-te vida eternaContinuar a dar tiros e modificar a posição dos astros
continuar a viver até cristalizar entre neve
continuar a contar a lenda duma princesa sueca
e depois fechar a porta para tremermos de medoContar a vida pelos dedos e perdĂŞ-los
contar um a um os teus cabelos e seguir a estrada
contar as ondas do mar e descobrir-lhes o brilho
e depois contar um a um os teus dedos de fadaAbrir-se a janela para entrarem estrelas
abrir-se a luz para entrarem olhos
abrir-se o tecto para cair um garfo no centro da sala
e depois ruidosa uma dentadura velha
E no CIMO disto tudo uma montanha de ouroE no FIM disto tudo um Azul-de-Prata.
O Que Tu És…
És Aquela que tudo te entristece
Irrita e amargura, tudo humilha;
Aquela a quem a Mágoa chamou filha;
A que aos homens e a Deus nada merece.Aquela que o sol claro entenebrece
A que nem sabe a estrada que ora trilha,
Que nem um lindo amor de maravilha
Sequer deslumbra, e ilumina e aquece!Mar-Morto sem marés nem ondas largas,
A rastejar no chĂŁo como as mendigas,
Todo feito de lágrimas amargas!És ano que nĂŁo teve Primavera…
Ah! NĂŁo seres como as outras raparigas
Ă“ Princesa Encantada da Quimera!…
E pela minha lei a gente era obrigado a ser feliz, vocĂŞ era a princesa que eu fiz coroar e era tĂŁo linda de se admirar!
A Dama de Elche
Seus olhos
pararam no limiar. Mas a morte
participa também do mistério da vida,
e essas amêndoas que mantém
explĂcitas ao nada, anunciam
outra árvore em nós.Toda a feição já se concentra
no que os olhos nĂŁo dizem. Antes
fossem fechados,
como os lábios na dureza do mento,
e a ciĂŞncia ou a razĂŁo que nos perturba
nĂŁo deixariam no berloque aguerrido
essa espantosa serenidade gélida de amor.Mulher-senhora. Mãe?
Nos adornos
da espera, (nossa
a dĂşvida) fica a vida
que freme, e os abismos
que a beleza flanqueiam. Até que os pés
alados
despertem a princesa. EntĂŁo,
Deus a recolhe,
e roça
nossas parcas medidas. A morte
desancora. Pela rigidez
da inacessĂvel máscara, escorre
como as chuvas
o seu Ăntimo trabalho de existir.
Conto de Fadas
Eu trago-te nas mĂŁos o esquecimento
Das horas más que tens vivido, Amor!
E para as tuas chagas o unguento
Com que sarei a minha prĂłpria dor.Os meus gestos sĂŁo ondas de Sorrento…
Trago no nome as letras de uma flor…
Foi dos meus olhos garços que um pintor
Tirou a luz para pintar o vento…Dou-te o que tenho: o astro que dormita,
O manto dos crepĂşsculos da tarde,
O sol que Ă© d’oiro, a onda que palpita.Dou-te comigo o mundo que Deus fez!
– Eu sou Aquela de quem tens saudade,
A Princesa do conto: “Era uma vez…”
Os Artistas Verdadeiros nĂŁo TĂŞm Ideologia
Dia entre pescadores. Eles a pescarem sardinha para a fome orgânica do corpo, e eu a pescar imagens para uma necessidade igual do espĂrito. Tisnados de saĂşde, os homens olham-me; e eu, amarelo de doença, olho-os tambĂ©m. Certamente que se julgam mais justificados do que eu, e que o mundo inteiro lhes dá razĂŁo. Mas da mesma maneira que eles, sem que ninguĂ©m lhes peça sardinha, se metem Ă s ondas, tambĂ©m eu, sem que ninguĂ©m me peça poesia, me lanço a este mar da criação. Há uma coisa que nenhuma ideologia pode tirar aos artistas verdadeiros: Ă© a sua consciĂŞncia de que sĂŁo tĂŁo fundamentais Ă vida como o pĂŁo. Podem acusá-los de servirem esta ou aquela classe. Pura calĂşnia. É o mesmo que dizer que uma flor serve a princesa que a cheira. O mundo nĂŁo pode viver sem flores, e por isso elas nascem e desabrocham. Se olhos menos avisados passam por elas e as nĂŁo podem ver, a traição nĂŁo Ă© delas, mas dos olhos, ou de quem os mantĂ©m cegos e incultos.
Ela no meu Olhar
Os meus olhos sĂŁo ĂŤndias de segredos.
É Portugal seu Corpo esguio e brando.
E as cinco quinas, seus compridos dedos
Em suas mĂŁos, bandeiras tremulando.Seus gestos lembram lanças. E ela passa…
Seu perfil de princesa faz lembrar
Batalhas que travaram ao luar,
Epopeia-marfim da minha Raça.O seu olhar é tão doente e triste
Que me parece bem que nĂŁo existe
Maior mistério do que o de prendê-lo.Nos meus sentidos vive o seu sentir
E, às vezes, quando chora, põe-se a ouvir
Seu coração, velhinho do Restelo.
O que Ă© Viver?
Viver Ă© sĂł sentir como a Morte caminha
E como a Vida a quer e como a vida a chama…
Viver, minha princesa pobrezinha,
É esta morte triste de quem ama…Viver é ter ainda uma quimera erguida
Ou um sonho febril a soluçar de rastos;
É beijar toda a dor humana, toda a Vida,
Como eu beijo a chorar os teus cabelos castos…Viver Ă© esperar a Morte docemente,
Beijando a luz, beijando os cardos, e beijando
Alguém, corpo ou fantasma, que nos venha amando…É sentir a nossa alma presa tristemente
Ao mistério da Vida que nos leva
Perdidos pelo sol, perdidos pela treva…
As Tuas MĂŁos Terminam Em Segredo
As tuas mĂŁos terminam em segredo.
Os teus olhos sĂŁo negros e macios
Cristo na cruz os teus seios (?) esguios
E o teu perfil princesas no degredo…Entre buxos e ao pĂ© de bancos frios
Nas entrevistas alamedas, quedo
O vendo põe o seu arrastado medo
Saudoso o longes velas de navios.Mas quando o mar subir na praia e for
Arrasar os castelos que na areia
As crianças deixaram, meu amor,Será o haver cais num mar distante…
Pobre do rei pai das princesas feias
No seu castelo Ă rosa do Levante !
Parabéns, Amada Minha
Hoje Ă© a Maria JoĂŁo, meu amor que me deu a sorte de gostar de ser amada por mim – e a ilusĂŁo, mais frequente do que a felicidade, de amar-me tambĂ©m – que faz anos, coincidindo com o dia em que nasceu, sempre o primeiro verdadeiro dia de VerĂŁo.
ParabĂ©ns, Maria JoĂŁo, Amada minha, rainha das minhas maiĂşsculas e das paciĂŞncias do PĂšBLICO; princesa de todos os pequenos momentos que se juntam para fazer a minha felicidade permanentemente instantânea e ameaçada.Pensava que ias morrer e matar-me. NĂŁo sĂł nĂŁo morreste como me deixaste viver. O teu amor Ă© a Primavera constante do meu coração mas a tua vida e o teu viver, como se nĂŁo houvesse nada que te pudesse atrapalhar – tĂŁo longe da sobrevivĂŞncia que inexplicavelmente Ă© – Ă© o ano inteiro, desde que nasci, desde a primeira vez que respirei o ar do mundo. E vivi. Facilmente. Ă€ tua espera. Ă€ espera da tua dificuldade. E do teu gĂ©nio. E do teu espĂrito. E de tudo o que tens, sem saber, sem mostrar, sem fazer ideia do que vales, achando apenas que vales muito mais do que mereces. Merecendo, como tu mereces,