O Sustentáculo do Amor
A paz é algo que nenhum homem pode dar a outro. Um dos fins mais importantes para quem arrisca ser quem é será o de construir a sua própria paz. Esta resulta de um trabalho duro de equilíbrio das vontades, de uma harmonização árdua das diferentes dimensões interiores, como o pensar e o sentir; é um estado ágil e dinâmico que, ao limite, permite ultrapassar e vencer qualquer adversidade.
A paz não é o estado de quem vive uma ausência de conflitos, é o resultado da conciliação corajosa das diferentes forças que, dentro e fora de cada homem, tentam prevalecer sobre as demais, menosprezando-se mutuamente.Muitos são os que julgam ter encontrado a paz quando se livram do sonho do amor. Estão enganados, o caminho até à felicidade é ainda longo para quem cansado assim se contenta, repousando de uma luta que nem chegou a começar.
A paz é um ponto de passagem de quem ruma à plenitude da vida. A paz é o ponto de partida para o amor, que por sua vez lança o homem para a felicidade. A paz é o ponto de chegada dos que sofrem as dores mais profundas.
A verdade é tranquila.
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625 resultadosA Chama da Vida e o Fogo das Paixões
Nem sempre estar apaixonado é bom. A maior parte das paixões tomam conta da vontade e assumem o controlo do sentir e do pensar. Prometem a maior das libertações, mas escravizam quem desiste de si mesmo e a elas se submete.
A paixão é sofrimento, um furor que é o oposto da paz e do contentamento. Um vazio fulminante capaz das maiores acrobacias para se satisfazer. Mas que, como nunca se sacia, acaba por se consumir, por se destruir a si mesmo. Para ter paz precisamos de fazer esta guerra, na conquista do mais exigente de todos os equilíbrios: entre a monotonia de nada arriscar e a imprudência de entregar tudo sem uma vontade própria profunda. É essencial que saibamos desafiarmo-nos, por vezes, a um profundo desequilíbrio momentâneo. Afinal, quem nunca ousa está perdido, para sempre.
Há boas paixões. São as que trabalham como um fermento. De forma pacata, pacífica e paciente. Animam, mas não dominam. Orientam, mas não decidem. Iluminam, mas não cegam.Quase ninguém faz ideia da capacidade que cada um de nós tem para suportar e vencer grandes sofrimentos…
Por paixões comuns, há quem perca a cabeça, o coração e a alma.
O Mundo Nunca Se Vê de Modo Objectivo
O que a arte nos ensina não é puro discernimento, é a relação mais profunda de nós próprios com o mundo, é verdadeiramente o «ver». Se dizemos que um Eça nos reinventou tal mundo, dizemos que outros artistas eram antes dele responsáveis pelo modo como o víamos. E há sempre um modo de ver, que é sempre um mundo estético. Porque o mundo se não vê numa estrita e impossível dimensão «objectiva»: um objecto não nos é nunca neutro, puramente indiferente. O «novo realismo» francês (de um Butor, Robbe-Grillet, de outros) por mais que se pretenda confinado ao «objecto» (como em Robbe-Grillet) não anula a presença do «sujeito». Uma visão estritamente «objectiva» seria ainda sentida como tal… Mas acontece que uma forma «nova» de ver acaba por assimilar-se àquilo mesmo que somos, tendendo a identificar-se com o que julgamos a nossa «natureza».
A presença do artista esquece-se, como se o artista fôssemos nós – e um artista inconsciente. E é só ao choque de uma visão original que nós despertamos para uma visão diferente e sentimos que é diferente essa visão: consubstanciada connosco, ela será de novo nossa.
A mesma recuperação de uma visão original se opera na própria recuperação de uma obra de arte: a visão do mundo realizada pode passar-nos despercebida.
A Água Toda Secou Até Nos Olhos
— Meu culto ao Ceará, Coração do Brasil.
O rio vai morrer, sem que nada o socorra,
sem que ninguém, jamais, bendiga o moribundo.
Morre na solidão, no silêncio profundo,
e o malárico mal o mantém em modorra.A enfermidade faz que da boca lhe escorra
o limo, feito fel, viscoso e nauseabundo.
E o terror se lhe vê das órbitas ao fundo.
Paralítico jaz na estreitez da masmorra.Tu só, tu, meu Irmão, que a miséria não vence.
Que suportando a sede, a fome, a febre, o frio,
sem que prêmio nenhum teu martírio compense.Poeta, herói, semideus, sabes o desvario,
a sobre-humana dor, a bravura, cearense,
de quem se suicidou, vendo morrer o rio.
Sonho que um verso meu tem claridade para encher o mundo! E que deleita mesmo aqueles que morrem de saudade! Mesmo os de alma profunda e insatisfeita!
Tu Vinhas
Não me fizeste sofrer
mas esperar.Naquelas horas
emaranhadas, cheias
de serpentes,
quando
a alma me caía e eu me afogava,
tu vinhas-te aproximando,
tu vinhas nua e arranhada,
tu chegavas ensanguentada ao meu leito,
noiva minha,
e então
caminhávamos toda a noite dormindo
e, quando acordávamos,
estavas intacta e nova,
como se o vento grave dos sonhos
acendesse de novo
o fogo da tua cabeleira
e em trigo e prata submergisse
teu corpo até torná-lo deslumbrante.Eu não sofri, meu amor,
esperava-te apenas.
Tu precisavas de mudar de coração
e de olhar
depois de tocares a profunda
zona do mar que meu peito te entregou.
Precisavas de sair da água
pura como uma gota erguida
por uma onda nocturna.Noiva minha, tu precisaste
de morrer e de nascer, eu esperava-te.
Não sofri a procurar-te,
sabia que virias,
mas outra, com o que adoro
da mulher que não adorava,
com teus olhos, tuas mãos e tua boca,
mas com outro coração,
Os Pastores
Guardavam certos pastores
seus rebanhos, ao relento,
sobre os céus consoladores
pondo a vista e o pensamento.Quando viram que descia,
cheio de glória fulgente,
um anjo do céu do Oriente,
que era mais claro que o dia.Jamais os cegara assim
luz do meio-dia ou manhã.
Dir-se-ia o audaz Serafim,
que um dia venceu Satã.Cheios de assombro e terror,
rolaram na erva rasteira.
– Mas ele, com voz fagueira,
lhes diz, com suave amor:«Erguei-vos, simples, daí,
humildes peitos da aldeia!
Nasceu o vosso Rabi,
que é Cristo – na Galileia!Num berço, o filho real,
não o vereis reclinado.
Vê-lo-eis pobre e enfaixado,
sobre as palhas de um curral!Segui dos astros a esteira.
Levai pombas, ramos, palmas,
ao que traz uma joeira
das estrelas e das almas!»Foi-se o anjo: e nas neblinas,
então celestes legiões
soltam místicas canções,
sobre violas divinas.Erguem-se, enfim, os pastores
e vão caminhos dalém,
com palmas, rolas, e flores,
De todos os sentidos, a vista é o mais superficial, o ouvido o mais orgulhoso, o olfacto o mais voluptuoso, o gosto o mais supersticioso e inconstante, o tacto o mais profundo.
Não julgue que o seu amor, ainda que autêntico e profundo, evita o sofrimento às pessoas que ama. O amor serve para cuidar, não para evitar o inevitável. As pessoas que amamos choram, sofrem e morrem como todas as outras. A diferença é que não o fazem sozinhas.
Ler ou Copiar um Texto
O efeito de uma estrada campestre não é o mesmo quando se caminha por ela ou quando a sobrevoamos de avião. De igual modo, o efeito de um texto não é o mesmo quando ele é lido ou copiado. O passageiro do avião vê apenas como a estrada abre caminho pela paisagem, como ela se desenrola de acordo com o padrão do terreno adjacente. Somente aquele que percorre a estrada a pé se dá conta dos efeitos que ela produz e de como daquela mesma paisagem, que aos olhos de quem a sobrevoa não passa de um terreno indiferenciado, afloram distâncias, belvederes, clareiras, perspectivas a cada nova curva […]. Apenas o texto copiado produz esse poderoso efeito na alma daquele que dele se ocupa, ao passo que o mero leitor jamais descobre os novos aspectos do seu ser profundo que são abertos pelo texto como uma estrada talhada na sua floresta interior, sempre a fechar-se atrás de si. Pois o leitor segue os movimentos de sua mente no vôo livre do devaneio, ao passo que o copiador os submete ao seu comando. A prática chinesa de copiar livros era assim uma incomparável garantia de cultura literária, e a arte de fazer transcrições,
Taciturno
Há Ouro marchetado em mim, a pedras raras,
Ouro sinistro em sons de bronzes medievais –
Joia profunda a minha Alma a luzes caras,
Cibório triangular de ritos infernais.No meu mundo interior cerraram-se armaduras,
Capacetes de ferro esmagaram Princesas.
Toda uma estirpe rial de herois d’Outras bravuras
Em mim se despojou dos seus brazões e presas.Heraldicas-luar sobre ímpetos de rubro,
Humilhações a liz, desforços de brocado;
Bazilicas de tédio, arnezes de crispado,
Insignias de Ilusão, troféus de jaspe e Outubro…A ponte levadiça e baça de Eu-ter-sido
Enferrujou – embalde a tentarão descer…
Sobre fossos de Vago, ameias de inda-querer –
Manhãs de armas ainda em arraiais de olvido…Percorro-me em salões sem janelas nem portas,
Longas salas de trôno a espessas densidades,
Onde os pânos de Arrás são esgarçadas saudades,
E os divans, em redór, ansias lassas, absortas…Ha rôxos fins de Imperio em meu renunciar –
Caprichos de setim do meu desdem Astral…
Ha exéquias de herois na minha dôr feudal –
E os meus remorsos são terraços sobre o Mar…
Para te escrever eu antes me perfumo toda. Eu te conheço todo por te viver toda. Em mim é profunda a vida. As madrugadas vêm me encontrar pálida de ter vivido a noite dos sonhos fundos. Embora às vezes eu sobrenade num raso aparente que tem debaixo de si uma profundidade de azul-escuro quase negro. Por isso te escrevo. Por sopro das grossas algas e no tenro nascente do amor.
Tédio
Passo pálida e triste. Oiço dizer:
“Que branca que ela é! Parece morta!”
E eu que vou sonhando, vaga, absorta,
Não tenho um gesto, ou um olhar sequer…Que diga o mundo e a gente o que quiser!
— O que é que isso me faz? O que me importa?…
O frio que trago dentro gela e corta
Tudo que é sonho e graça na mulher!O que é que me importa?! Essa tristeza
É menos dor intensa que frieza,
É um tédio profundo de viver!E é tudo sempre o mesmo, eternamente…
O mesmo lago plácido, dormente…
E os dias, sempre os mesmos, a correr…
Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão.
Hino da Manhã
Tu, casta e alegre luz da madrugada,
Sobe, cresce no céo, pura e vibrante,
E enche de força o coração triumphante
Dos que ainda esperam, luz immaculada!Mas a mim pões-me tu tristeza immensa
No desolado coração. Mais quero
A noite negra, irmã do desespero,
A noite solitaria, immovel, densa,O vacuo mudo, onde astro não palpita,
Nem ave canta, nem susurra o vento,
E adormece o proprio pensamento,
Do que a luz matinal… a luz bemdita!Porque a noite é a imagem do Não-Ser,
Imagem do repouso inalteravel
E do esquecimento inviolavel,
Que anceia o mundo, farto de soffrer…Porque nas trevas sonda, fixo e absorto,
O nada universal o pensamento,
E despreza o viver e o seu tormento.
E olvida, como quem está já morto…E, interrogando intrepido o Destino,
Como reu o renega e o condemna,
E virando-se, fita em paz serena
O vacuo augusto, placido e divino…Porque a noite é a imagem da Verdade,
Que está além das cousas transitorias.
Das paixões e das formas ilusorias,
Amor E Vida
Esconde-me a alma, no íntimo, oprimida,
Este amor infeliz, como se fora
Um crime aos olhos dessa, que ela adora,
Dessa, que crendo-o, crera-se ofendida.A crua e rija lâmina homicida
Do seu desdém vara-me o peito; embora,
Que o amor que cresce nele, e nele mora,
Só findará quando findar-me a vida!Ó meu amor! como num mar profundo,
Achaste em mim teu álgido, teu fundo,
Teu derradeiro, teu feral abrigo!E qual do rei de Tule a taça de ouro,
Ó meu sacro, ó meu único tesouro!
Ó meu amor! tu morrerás comigo!
O Solitário
As observações e as vivências do solitário que só fala consigo próprio são simultaneamente mais indistintas e intensas do que as do homem social e os seus pensamentos são mais graves, mais fantasiosos e nunca sem uma coloração de melancolia. Imagens e impressões que outros poriam naturalmente de lado após um olhar, um sorriso, um comentário, ocupam-no mais do que é devido, tornam-se profundas no silêncio, ganham significado, transformam-se em acontecimento, aventura, emoção. A solidão cria o original, o belo ousado e estranho cria a poesia. Mas cria também o distorcido, o desproporcionado, o absurdo e o proibido.
De facto, quanto maior for a nossa ciência mais profundo é o mistério.
Não Desejo Chegar a tal Grandeza
Não desejo chegar a tal grandeza,
Que aduladores vis cerquem meus lados,
Nem palácios magníficos doirados,
Ricas alfaias, nem polida mesa.Não me lembram heranças, nem riqueza,
Que me obrigue a pôr nela meus cuidados;
Não ocupar honrosos magistrados,
Nem outras coisas vãs, que o mundo preza.Quisera só fugir de tanta estima,
Livrar-me deste pélago profundo,
Mudar da natureza que me anima;Subir da lua ao globo alto e rotundo,
E depois de apanhar-me lá de cima,
Desatar os calções, cagar no mundo.
Música
Noite perdida,
não te lamento:
embarco a vidano pensamento,
busco a alvorada
do sonho isento,puro e sem nada,
– rosa encarnada,
intacta, ao vento.Noite perdida,
noite encontrada,
morta, vivida,e ressuscitada…
(Asa da lua
quase parada,mostra-me a sua
sombra escondida,
que continuaa minha vida
num chão profundo!
– raiz prendidaa um outro mundo.)
Rosa encarnada
do sonho isento,muda alvorada
que o pensamento
deixa confiadaao tempo lento…
Minha partida,
minha chegada,é tudo vento…
Ai da alvorada!
Noite perdida,
noite encontrada…