O Selvagem
Eu não amo ninguem. Tambem no mundo
Ninguem por mim o peito bater sente,
Ninguem entende meu sofrer profundo,
E rio quando chora a demais gente.Vivo alheio de todos e de tudo,
Mais callado que o esquife, a Morte e as lousas,
Selvagem, solitario, inerte e mudo,
– Passividade estupida das Cousas.Fechei, de ha muito, o livro do Passado
Sinto em mim o despreso do Futuro,
E vivo só commigo, amortalhado
N’um egoismo barbaro e escuro.Rasguei tudo o que li. Vivo nas duras
Regiões dos crueis indifferentes,
Meu peito é um covil, onde, ás escuras,
Minhas penas calquei, como as serpentes.E não vejo ninguem. Saio sómente
Depois de pôr-se o sol, deserta a rua,
Quando ninguem me espreita, nem me sente,
E, em lamentos, os cães ladram à lua…
Passagens sobre Profundos
625 resultadosO Vento que Decidirmos Ser
Uma das mais importantes escolhas que cada um de nós deve fazer é a de escolhermos qual o foco prin-cipal da nossa atenção e cuidado. Se o mundo à nossa volta, a fim de o mudar, ou se o interior de nós mesmos.
Quase todos os bens e males da nossa existência partem do nosso interior, pelo que será aí que importa aperfeiçoar, de forma profunda, tudo o que existe no nosso íntimo.
Um dos trabalhos mais importantes de cada um de nós será o de saber bem o que queremos. O segredo da felicidade pode estar aí: alterar em nós o que nos possa estar a causar desnecessárias ansiedades. Quantas vezes desejamos algo que está fora da nosso controlo?
Existem três tipos de coisas: as que dependem apenas de nós; as que escapam por completo à nossa decisão; e, aquelas sobre as quais temos algum controlo, mas não total.Se fizermos a nossa alegria depender de algo que não está na nossa mão, então será fácil que nos sinta-mos roubados de algo que, na verdade, nunca foi nosso. Mesmo nos casos em que o conseguimos obter, a ansiedade associada à posse, até pela iminência de o perder da mesma forma que o ganhámos,
A Sabedoria e a Alegria
Vou ensinar-te agora o modo de entenderes que não és ainda um sábio. O sábio autêntico vive em plena alegria, contente, tranquilo, imperturbável; vive em pé de igualdade com os deuses. Analisa-te então a ti próprio: se nunca te sentes triste, se nenhuma esperança te aflige o ânimo na expectativa do futuro, se dia e noite a tua alma se mantém igual a si mesma, isto é, plena de elevação e contente de si própria, então conseguiste atingir o máximo bem possível ao homem! Mas se, em toda a parte e sob todas as formas, não buscas senão o prazer, fica sabendo que tão longe estás da sabedoria como da alegria verdadeira. Pretendes obter a alegria, mas falharás o alvo se pensas vir a alcançá-la por meio das riquezas ou das honras, pois isso será o mesmo que tentar encontrar a alegria no meio da angústia; riquezas e honras, que buscas como se fossem fontes de satisfação e prazer, são apenas motivos para futuras dores.
Toda a gente, repito, tende para um objectivo: a alegria, mas ignora o meio de conseguir uma alegria duradoura e profunda. Uns procuram-na nos banquetes, na libertinagem; outros, na satisfação das ambições, na multidão assídua dos clientes;
Quanto mais profunda é a tristeza, menos língua tem.
A Simpatia pela Obra de Arte
Qualquer produto intelectual de valor que se pretende surta um efeito imediato, vasto e profundo, tem de conter uma secreta harmonia, uma afinidade mesmo entre o destino pessoal do autor e o destino da generalidade dos seus contemporâneos. As pessoas não sabem por que razão atribuem fama a uma obra de arte. Longe de serem connaisseurs, julgam descobrir nela uma centena de virtudes para justificar tal apreço; mas o verdadeiro motivo do seu aplauso é imponderável – é a simpatia.
Muita gente deve achá-la antipaticíssima, mas eu achei linda, profunda, estranha, perigosa.
Superficialidade Popular
Como se a multidão ou os mais sábios em nome da multidão não estivessem prontos a dar passagem muito mais àquilo que é popular e superficial do que ao que é substancial e profundo; pois a verdade é que o tempo parece ter a natureza de um rio ou correnteza, que carrega até nós tudo o que é leve e inflado, mas afunda e afoga tudo aquilo que tem peso e solidez.
Supremo Anseio
Esta profunda e intérmina esperança
Na qual eu tenho o espírito seguro,
A tão profunda imensidade avança
Como é profunda a idéia do futuro.Abre-se em mim esse clarão, mais puro
Que o céu preclaro em matinal bonança:
Esse clarão, em que eu melhor fulguro,
Em que esta vida uma outra vida alcança.Sim! Inda espero que no fim da estrada
Desta existência de ilusões cravada
Eu veja sempre refulgir bem pertoEsse clarão esplendoroso e louro
Do amor de mãe — que é como um fruto de ouro,
Da alma de um filho no eternal deserto.
As Saudades Curtas
Também as versões-formiga dos maiores sentimentos têm tanto direito ao respeito como os leões e as impalas. Até por serem muito mais numerosas e frequentes, como está a multidão de insectos para com a pequena minoria dos vertebrados.
A minha formiguinha emocional são as saudades curtas que eu tenho da Maria João. Plenas não posso ter, graças a ela e a Deus, porque são poucos os momentos em que ela não está comigo. Mesmo não sendo muitas, essas faltas, por muito felizmente pequenas e provocadas pela necessidade, são suficientes para incutir em mim a dor, nem que seja por cinco minutos apenas, de estar separado dela.
Parecem estúpidas as saudades curtas. São certamente insensíveis e solipsistas, perante as saudades longas e profundas, que não têm cura nem, por serem insolúveis, têm a esperança de, um dia, deixarem de existir.
São saudades de uma hora, de um almoço perdido, de uma tarde interrompida. Parecem irracionais e ingratas, estas saudades curtas, de que sofrem as pessoas apaixonadas e felizes ou infelizes.
Mas não são. Daqui a um X número de horas, vou morrer. Daqui a um Y número de horas, vai morrer a Maria João. Morra quem morra,
O Fim do Amor Trágico e Romântico?
Vivemos, de facto, numa época em que a noção de amor trágico e romântico, que herdámos do século dezanove, se tornou inactual, embora continue ainda a ser vivida por muitos – e até com o carácter de construção moral e estética – essa relação extremamente apaixonada, exigente e exclusiva. A reclamação da liberdade erótica não me parece que de algum modo tenda a degradar a vida, conquanto possa dessublimizá-la e do mesmo passo desmistificá-la, precisamente no propósito de a tornar mais lúcida e mais generosa. Afigura-se-me que na contestação de todas as prepotências firmadas em preconceitos, em princípios estabelecidos apriorísticamente, há sempre um nexo muito íntimo entre a reinvindicação da liberdade erótica, da liberdade no trabalho e da liberdade política. E, naturalmente, quando se dá uma explosão desta espécie, é como uma pedra que rola e que vai agregando uma série de materiais e descobrindo a sua própria composição até às zonas mais profundas da sua estrutura.
A Insustentável Leveza do Ser
Eis que ao despedir-vos, esse teu amigo te diz que ele não é esse teu amigo mas sim um seu irmão gémeo. Imediatamente uma alteração profunda se instalou nas vossas relações. Mas se te perguntares em quê, não é fácil responderes. Naturalmente dirias que esse teu amigo não era ele, que era outra pessoa. Mas outra em quê? O corpo é igual nos mínimos pormenores, igual a face e os gestos e a voz e os olhos. Iguais as ideias, os sentimentos, as recordações, o todo integral da sua vida e do que ele é. Se percorreres todos os pormenores, encontrá-los-ás em hipótese absolutamente iguais. Começa onde quiseres, examina cada minúcia que constitui o teu amigo, progride até ao mais extremo limite e verificarás que nada escapa a uma integral igualdade. Mas se isto é assim, deveria ser-te indiferente seres amigo deste como eras amigo do outro. Pois se uma pessoa é aquilo que ela nos é, se uma pessoa é aquilo que a manifesta, se aquilo que nos define é aquilo que somos e se esse alguém que encontrámos em nada difere, em hipótese, do alguém que esperávamos encontrar, nenhuma razão havia para que as relações com ele se perurbassem.
Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo.
Eternidade não era só o tempo, mas algo como a certeza enraizadamente profunda de não poder contê-lo no corpo por causa da morte; a impossibilidade de ultrapassar a eternidade era eternidade; e também era eterno um sentimento em pureza absoluta, quase abstracto.
Emoção e Poesia
Quem quer que seja de algum modo um poeta sabe muito bem quão mais fácil é escrever um bom poema (se os bons poemas se acham ao alcance do homem) a respeito de uma mulher que lhe interessa muito do que a respeito de uma mulher pela qual está profundamente apaixonado. A melhor espécie de poema de amor é, em geral, escrita a respeito de uma mulher abstracta. Uma grande emoção é por demais egoísta; absorve em si própria todo o sangue do espírito, e a congestão deixa as mãos demasiado frias para escrever. Três espécies de emoções produzem grande poesia – emoções fortes, porém rápidas, captadas para a arte tão logo passaram; emoções fortes e profundas ao serem lembradas muito tempo depois; e emoções falsas, isto é, emoções sentidas no intelecto. Não a insinceridade, mas sim, uma sinceridade traduzida, é a base de toda a arte.
O grande general que pretende ganhar uma batalha para o império do seu país e para a história do seu povo não deseja – não pode desejar ter muitos dos seus soldados assassinados (mortos). Contudo, uma vez que tenha penetrado na contemplação da sua estratégia, escolherá (sem um pensamento para os seus homens) o golpe melhor,
Eu quero escrever um romance tão profundo que até sufocaria uma mosca.
É a profunda ignorância que inspira o tom dogmático.
A Floresta
Em vão com o mundo da floresta privas!…
– Todas as hermenêuticas sondagens,
Ante o hieróglifo e o enigma das folhagens,
São absolutamente negativas!Araucárias, traçando arcos de ogivas,
Bracejamentos de álamos selvagens,
Como um convite para estranhas viagens,
Tornam todas as almas pensativas!Há uma força vencida nesse mundo!
Todo o organismo florestal profundo
É dor viva, trancada num disfarce…Vivem só, nele, os elementos broncos,
– As ambições que se fizeram troncos,
Porque nunca puderam realizar-se!
Na prática, os partidos têm privilegiado as áreas de divergência, de combate e diferenciação, esquecendo as outras. Um país que carece de alterações profundas deve procurar, em determinadas questões essenciais, a concertação e o consenso.
A Inteligência e o Sentido Moral
A inteligência é quase inútil para aqueles que só a possuem a ela. O intelectual puro é um ser incompleto, infeliz, pois é incapaz de atingir aquilo que compreende. A capacidade de apreender as relações das coisas só é fecunda quando associada a outras actividades, como o sentido moral, o sentido afectivo, a vontade, o raciocínio, a imaginação e uma certa força orgânica. Só é utilizável à custa de esforço.
Os detentores da ciência preparam-se longamente realizando um duro trabalho. Submetem-se a uma espécie de ascetismo. Sem o exercício da vontade, a inteligência mantém-se dispersa e estéril. Uma vez disciplinada, torna-se capaz de perseguir a verdade. Mas só a atinge plenamente se for ajudada pelo sentido moral. Os grandes cientistas têm sempre uma profunda honestidade intelectual. Seguem a realidade para onde quer que ela os conduza. Nunca procuram substituí-la pelos seus próprios desejos, nem ocultá-la quando se torna opressiva. O homem que quiser contemplar a verdade deve manter a calma dentro de si mesmo. O seu espírito deve ser como a água serena de um lago. As actividades afectivas, contudo, são indispensáveis ao progresso da inteligência. Mas devem reduzir-se a essa paixão que Pasteur chamava deus inteiror, o entusiasmo.
O Grande Sonho
Sonho profundo, ó Sonho doloroso,
Doloroso e profundo Sentimento!
Vai, vai nas harpas trêmula do vento
Chorar o teu mistério tenebroso.Sobe dos astros ao clarão radioso,
Aos leves fluidos do luar nevoento,
Às urnas de cristal do firmamento,
Ó velho Sonho amargo e majestoso!Sobe às estrelas rútilas e frias,
Brancas e virginais eucaristias
De onde uma luz de eterna paz escorre.Nessa Amplidão das Amplidões austeras
Chora o Sonho profundo das Esferas
Que nas azuis Melancolias morre…