Tenho é a sorte de possuir três ou quatro amigos fiéis. Se as pessoas vêem nisso uma corte, terei de considerar uma tal interpretação com frustração de quem não os tem. Eu tenho. E devo dizer que também faço tudo por isso, porque me esforço por retribuir a amizade que recebo.
Passagens sobre Quatro
188 resultadosSombras
A meio desta vida continua a ser
difícil, tão difícil
atravessar o medo, olhar de frente
a cegueira dos rostos debitando
palavras destinadas a morrer
no lume impaciente de outras bocas
anunciando o mel ou o vinho ou
o fel.Calmamente sentado num sofá,
começas a entender, de vez em quando,
os condenados a prisão perpétua
entre as quatro paredes do espírito
e um esquife negro onde vão desfilando
imagens, só imagens
de canal em canal, sintonizadas
com toda a angústia e estupidez do mundo.As pessoas – tu sabes – as pessoas são feitas
de vento
e deixam-se arrastar pela mais bela
respiração das sombras,
pela morte que repete os mesmos gestos
quando o crepúsculo fica a sós connosco
e a noite se redime com uma estrela
a prometer salvar-nos.A meio desta vida os versos abrem
paisagens virtuais onde se perdem
as intenções que alguma vez tivemos,
o recorte obscuro de perfis
desenhados a fogo há muitos anos
numa alma forrada de espelhos
mas sempre tão vazia,
Para mim é um fato que, se todos os homens soubessem o que os outros dizem deles, não haveria quatro amigos no mundo. Isto resulta das contendas, que referências indiscretas ocasionalmente originam.
A pluralidade e a maior ou menor exactidão das notícias, em grande parte contribuídas pelo desejo um pouco mórbido de correspondentes e de público de se referir ao que de mais trágico sucede no mundo, veio mostrar como na realidade, e se excluirmos três ou quatro pontos onde, se não pesquisarmos muito, uma certa luz existe, o resto do globo é uma espécie de selva onde campeiam à vontade miséria, fome, doença e, como mais terrível de todos os males, o desespero.
A foto-retrato é um campo cerrado de forças. Quatro imaginários aí se cruzam… diante da objetiva, sou ao mesmo tempo, aquele que a fotografia me julga e aquele de que se serve para exibir sua arte.
Esta velha humanidade, tudo quanto seja acreditar que dois e dois são quatro, quatro e quatro, oito, e oito e oito, dezasseis, muito bem e sem nenhuma prova; agora quando lhe dizem que há gente que morre pela sua verdade, é preciso mostrar-lhe Sócrates a beber a cicuta, Catão com a espada enterrada no ventre, Cristo pregado na cruz, — e nem assim.
Toda a Aproximação é um Conflito
Que somos todos diferentes, é um axioma da nossa naturalidade. Só nos parecemos de longe, na proporção, portanto, em que não somos nós. A vida é, por isso, para os indefinidos; só podem conviver os que que nunca se definem, e são, um e outro, ninguéns.
Cada um de nós é dois, e quando duas pessoas se encontram, se aproximam, se ligam, é raro que as quatro possam estar de acordo. O homem que sonha em cada homem que age, se tantas vezes se malquista com o homem que age, como não se malquistará com o homem que age e o homem que sonha no Outro?
Somos forças porque somos vidas. Cada um de nós tende para si próprio com escala pelos outros. Se temos por nós mesmos o respeito de nos acharmos interessantes (…) Toda a aproximação é um conflito. O outro é sempre o obstáculo para quem procura. Só quem não procura é feliz; porque só quem não busca, encontra, visto que quem não procura já tem, e já ter, seja o que for, é ser feliz, como não pensar é a parte melhor de ser rico.
Olho para ti, dentro de mim, noiva suposta,
O Ópio
…Havia ruas inteiras dedicadas ao ópio… Os fumadores deitavam-se sobre baixas tarimbas… Eram os verdadeiros lugares religiosos da Índia… Não tinham nenhum luxo, nem tapeçarias, nem coxins de seda… Era tudo madeira por pintar, cachimbos de bambu e almofadas de louça chinesa… Pairava ali uma atmosfera de decência e austeridade que não existia nos templos… Os homens adormecidos não faziam movimento ou ruído… Fumei um cachimbo… Não era nada… Era um fumo caliginoso, morno e leitoso… Fumei quatro cachimbos e estive cinco dias doente, com náuseas que vinham da espinha dorsal, que me desciam do cérebro… E um ódio ao sol, à existência… O castigo do ópio… Mas aquilo não podia ser tudo… Tanto se dissera, tanto se escrevera, tanto se vasculhara nas maletas e nas malas, tentando apanhar nas alfândegas o veneno, o famoso veneno sagrado… Era preciso vencer a repugnância… Devia conhecer o ópio, provar o ópio, afim de dar o meu testemunho… Fumei muitos cachimbos, até que conheci… Não há sonhos, não há imagens, não há paroxismos… Há um enfraquecimento metódico, como se uma nota infinitamente suave se prolongasse na atmosfera… Um desvanecimento, um vácuo dentro de nós… Qualquer movimento do cotovelo, da nuca, qualquer som distante de carruagem,
A Doutrina da Humanidade
Ter suficiente domínio sobre si mesmo para julgar os outros em comparação consigo e agir em relação a eles como nós quereríamos que eles agissem para connosco é o que se pode chamar a doutrina da humanidade; nada há mais para além disso.
Se não se tem um coração misericordioso e compassivo, não se é um homem; se não se têm os sentimentos da vergonha e da aversão, não se é um homem; se não se têm os sentimentos da abnegação e da cortesia, não se é um homem; se não se tem o sentimento da verdade e do falso ou do justo e do injusto, não se é um homem. Um coração misericordioso e compassivo é o princípio da humanidade; o sentimento da vergonha e da aversão é o princípio da equidade e da justiça; o sentimento da abnegação e da cortesia é o princípio do convívio social; o sentimento do verdadeiro e do falso ou do justo e injusto é o princípio da sabedoria. Os homens têm estes quatro princípios, do mesmo modo que têm quatro membros.
Lugares da Infância
Lugares da infância onde
sem palavras e sem memória
alguém, talvez eu, brincou
já lá não estão nem lá estou.Onde? Diante
de que mistério
em que, como num espelho hesitante,
o meu rosto, outro rosto, se reflecte?Venderam a casa, as flores
do jardim, se lhes toco, põem-se hirtas
e geladas, e sob os meus passos
desfazem-se imateriais as rosas e as recordações.O quarto eu não o via
porque era ele os meus olhos;
e eu não o sabia
e essa era a sabedoria.Agora sei estas coisas
de um modo que não me pertence,
como se as tivesse roubado.A casa já não cresce
à volta da sala,
puseram a mesa para quatro
e o coração só para três.Falta alguém, não sei quem,
foi cortar o cabelo e só voltou
oito dias depois,
já o jantar tinha arrefecido.E fico de novo sozinho,
na cama vazia, no quarto vazio.
Lá fora é de noite, ladram os cães;
e eu cubro a cabeça com os lençóis.
Fim de estação. Eu continuei a viagem Para além do fim da estação. Quantos eram? Quatro, Cinco, poucos mais. Casas, caminhos, nuvens, Enseadas azuis, montanhas Abrem as suas portas
Não Há Amor como o Primeiro
Não há amor como o primeiro. Mais tarde, quando se deixa de crescer, há o equivalente adulto ao primeiro amor — é o primeiro casamento; mas não é igual. O primeiro amor é uma chapada, um sacudir das raízes adormecidas dos cabelos, uma voragem que nos come as entranhas e não nos explica. Electrifica-nos a capacidade de poder amar. Ardem-nos as órbitas dos olhos, do impensável calor de podermos ser amados. Atiramo-nos ao nosso primeiro amor sem pensar onde vamos cair ou de onde saltámos. Saltamos e caímos. Enchemos o peito de ar, seguramos as narinas com os dedos a fazer de mola de roupa, juramos fazer três ou quatro mortais de costas, e estatelamo-nos na água ou no chão, como patos disparados de um obus, com penas a esvoaçar por toda a parte.
Há amores melhores, mas são amores cansados, amores que já levaram na cabeça, amores que sabem dizer “Alto-e-pára-o-baile”, amores que já dão o desconto, amores que já têm medo de se magoarem, amores democráticos, que se discutem e debatem. E todos os amores dão maior prazer que o primeiro. O primeiro amor está para além das categorias normais da dor e do prazer. Não faz sentido sequer.
Fim-de-Semana em Casa
É sábado. É Inverno. É dia de acastelar. Saímos com sacos, «tupper-wares», rolos de notas e troco, listas.
Vamos aos mercados, às lojas, aos restaurantes. O objectivo é enchermo-nos de víveres, jornais e revistas, queijinhos frescos, nozes e avelãs, coentros e beringelas, feijoadas de chocos e caldeiradas, velharias, bolos e pilhas sobressalentes.
Só o bastante para nos acastelarmos em casa, repimpões, com tudo ao nosso alcance, até à longínqua segunda-feira. Dia em que saíremos – talvez – quando todos os forasteiros e fim-de-semaneiros tiverem voltado para casa deles.
Não temos um fosso ou sequer um ferrolho na porta – mas corremo-lo à mesma, idealmente, tropeçando de verdade nas cabeças de alhos-porros e nas ramas das beterrabas, protuberando dos sacos de plástico deitados, mortos, no chão da cozinha.
Será a mentalidade medieval do campismo ou o ideal «hippy» da auto-suficiência? Não. Constitui açambarcamento? É anti-social? Também não. É apenas o prazer do ninho. Com ameias.
Quanto pior o tempo, melhor sabe fecharmo-nos no nosso castelinho, seguros que estamos abastecidos, de tudo, para dois dias inteiros, prontos para sobrevivermos alegremente até ao fim do fim-de-semana. Cá nos acastelamos e cá nos vamos arranjando.
Noutra dimensão, graças a compras sabichonas,
Eu só sei falar dentro de quatro paredes e um telhado; ao ar livre, principalmente em frente ao mar, sou Guilherme, o Taciturno.
(No Alentejo) anda-se quatro ou cinco léguas sem ver uma só alma e há uma enorme quantidade de terra sem cultura. (…) É preciso um dia pensar seriamente nisto.
Regras Gerais da Arte da Guerra
Estou consciente de vos ter falado de muitas coisas que por vós mesmos haveis podido aprender e ponderar. Não obstante, fi-lo, como ainda hoje vos disse, para melhor vos poder mostrar, através delas, os aspectos formais desta matéria,e, ainda, para satisfazer aqueles – se fosse esse o caso – que não tivessem tido, como vós, a oportunidade de sobre elas tomar conhecimento. Parece-me que, agora, já só me resta falar-vos de algumas regras gerais, com as quais deveis estar perfeitamente identificados. São as seguintes:
– Tudo o que é útil ao inimigo é prejudicial para ti, e, tudo o que te é útil prejudica o inimigo.
– Aquele que, na guerra, for mais vigilante a observar as intenções do inimigo e mais empenho puser na preparação do seu exército, menos perigos correrá e mais poderá aspirar à vitória.
– Nunca leves os teus soldados para o campo de batalha sem, previamente, estares seguro do seu ânimo e sem teres a certeza de que não têm medo e estão disciplinados e convictos de que vão vencer.
– É preferível vencer o inimigo pela fome do que pelas armas. A vitória pelas armas depende muito mais da fortuna do que da virtude.
Tragédia
Foi para a escola e aprendeu a ler
e as quatro operações, de cor e salteado.
Era um menino triste:
nunca brincou no largo.
Depois, foi para a loja e pôs a uso
aquilo que aprendeu
— vagaroso e sério,
sem um engano,
sem um sorriso.
Depois, o pai morreu
como estava previsto.
E o Senhor António
(tão novinho e já era «o Senhor António»!…)
ficou dono da loja e chefe da família…
Envelheceu, casou, teve meninos,
tudo como quem soma ou faz multiplicação!…
E quando o mais velhinho
já sabia contar, ler, escrever,
o Senhor António deu balanço à vida:
tinha setenta anos, um nome respeitado…
— que mais podia querer?
Por isso,
num meio-dia de Verão,
sentiu-se mal.
Decentemente abriu os braços
e disse: — Vou morrer.
E morreu!, morreu de congestão…
Por ser difícil permanecer fiel à democracia por muito tempo, os mandatos eleitorais não devem ir além de quatro anos.
Octavio
Toca a boca, olha as coisas abstrato
Percorre da varanda os quatro cantos
E tirando do corpo um carrapato
Imagina o romance mil e tantos…Logo após olha o mundo e o vê morrendo
Sob a opressão tirânica do mal
E como um passarinho, vai correndo…
Escrever um tratado socialÉ amigo de um “braço” na poesia
E de um outro que é só filosofia
E de um terceiro, romancista: vejaQuanto livro a escrever ainda teria
O ditador Octavio de Faria
Sob o signo cristão da nova Igreja…
Aliança
Por tudo quanto sei, mas não sabia,
(Feliz de quem um dia ainda o souber!)
Por essa estrela branca em noite fria!
Anunciação, talvez, de poesia…
Por ti, minha mulher!Por esse homem que sou, mas que não era,
Vendo na morte a vida que vier!
Por teu sorriso em minha vida austera.
Anunciação, talvez de Primavera…
Por ti, minha mulher!Pelo caminho humano a que vieste
Com fé no amor. — Seja o que Deus quiser!
Por certa fonte abrindo a rocha agreste…
Por esse filho loiro que me deste!
Por ti, minha mulher!Pelo perdão que espalho aos quatro ventos,
De antemão cego ao mal que me trouxer
Despeitos surdos, pérfidos momentos;
Pelos teus passos, junto aos meus, mais lentos…
Por ti, minha mulher!Nada mais digo. Nada. Que não posso!
Mas dirá mais do que eu quem não disser
Como eu?: — Avé-Maria… Padre-Nosso…
Por tudo quanto é meu (e que é tão nosso!)
Por ti, minha mulher!