Passagens sobre Raça

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Escrever é Triste

Escrever é triste. Impede a conjugação de tantos outros verbos. Os dedos sobre o teclado, as letras se reunindo com maior ou menor velocidade, mas com igual indiferença pelo que vão dizendo, enquanto lá fora a vida estoura não só em bombas como também em dádivas de toda natureza, inclusive a simples claridade da hora, vedada a você, que está de olho na maquininha. O mundo deixa de ser realidade quente para se reduzir a marginália, puré de palavras, reflexos no espelho (infiel) do dicionário.
O que você perde em viver, escrevinhando sobre a vida. Não apenas o sol, mas tudo que ele ilumina. Tudo que se faz sem você, porque com você não é possível contar. Você esperando que os outros vivam, para depois comentá-los com a maior cara-de-pau (“com isenção de largo espectro”, como diria a bula, se seus escritos fossem produtos medicinais). Selecionando os retalhos de vida dos outros, para objeto de sua divagação descompromissada. Sereno. Superior. Divino. Sim, como se fosse deus, rei proprietário do universo, que escolhe para o seu jantar de notícias um terremoto, uma revolução, um adultério grego — às vezes nem isso, porque no painel imenso você escolhe só um besouro em campanha para verrumar a madeira.

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Invulnerável

Quando dos carnavais da raça humana
Forem caindo as máscaras grotescas
E as atitudes mais funambulescas
Se desfizerem no feroz Nirvana;

Quando tudo ruir na febre insana,
Nas vertigens bizarras, pitorescas
De um mundo de emoções carnavalescas
Que ri da Fé profunda e soberana,

Vendo passar a lúgubre, funérea
Galeria sinistra da Miséria,
Com as máscaras do rosto descoladas,

Tu que és o deus, o deus invulnerável,
Reseiste a tudo e fica formidável,
No Silêncio das nooites estreladas!

A Dor

Torva Babel das lágrimas, dos gritos,
Dos soluços, dos ais, dos longos brados,
A Dor galgou os mundos ignorados,
Os mais remotos, vagos infinitos.

Lembrando as religiões, lembrando os ritos,
Avassalara os povos condenados,
Pela treva, no horror, desesperados,
Na convulsão de Tântalos aflitos.

Por buzinas e trompas assoprando
As gerações vão todas proclamando
A grande Dor aos frígidos espaços…

E assim parecem, pelos tempos mudos,
Raças de Prometeus titânios, rudos,
Brutos e colossais, torcendo os braços!

O Homem Intemporal não Existe

Os «homens-enquanto-tais» dos quais falam os filósofos não existem. Há apenas os homens de uma época, de uma localidade, de uma raça, fundidos num molde congenital pessoal, indivíduos que enfrentam em combate um DETERMINADO mundo e triunfam ou sucumbem, enquanto o universo ambiente continua a girar sossegadamente com divina indiferença.

Com a mania francesa e burguesa de reduzir todas as regiões e todas as raças ao mesmo tipo de civilização, o mundo ia tornar-se numa monotonia abominável. Dentro em breve um touriste faria enormes sacrifícios, despesas sem fim, para ir a Tumbuctu – para quê? Para encontrar lá pretos de chapéu alto, a ler o Jornal dos Debates.

Os Elementos Fixadores da Personalidade

Os resíduos ancestrais formam a camada mais profunda e mais estável do carácter dos indivíduos e dos povos. É pelo seu “eu” ancestral que um inglês, um francês, um chinês, diferem tão profundamente.
Mas a esses remotos atavismos sobrepõem-se elementos suscitados pelo meio social (casta, classe, profissão, etc.), pela educação e ainda por muitas outras influências. Eles imprimem à nossa personalidade uma orientação assaz constante. Será o “eu”, um pouco artificial, assim formado, que exteriorizaremos cada dia.
Entre todos os elementos formadores da personalidade, o mais activo, depois da raça, é o que determina o agrupamento social ao qual pertencemos. Fundidas no mesmo molde pelas idéias, as opiniões e as condutas semelhantes que lhes são impostas, as individualidades de um grupo: militares, magistrados, padres, operários, marinheiros, etc., apresentam numerosos carácteres idênticos.
As suas opiniões e os seus juízos são, em geral, vizinhos, porquanto sendo cada grupo social muito nivelador, a originalidade não é tolerada nele. Aquele que se quer diferenciar do seu grupo tem-no inteiramente por inimigo.
Essa tirania dos grupos sociais, na qual insistiremos, não é inútil. Se os homens não tivessem por guia as opiniões e a maneira de proceder daqueles que os cercam,

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Todo filho da raça saxônica é educado para desejar ser o primeiro. Este é o nosso sistema; e um homem mede sua grandeza pelos arrependimentos, invejas e ódios de seus concorrentes.

Produzimos uma Cultura de Devastação

Todos os anos exterminamos comunidades indígenas, milhares de hectares de florestas e até inúmeras palavras das nossas línguas. A cada minuto extinguimos uma espécie de aves e alguém em algum lugar recôndito contempla pela última vez na Terra uma determinada flor. Konrad Lorenz não se enganou ao dizer que somos o elo perdido entre o macaco e o ser humano. Somos isso, uma espécie que gira sem encontrar o seu horizonte, um projecto por concluir. Falou-se bastante ultimamente do genoma e, ao que parece, a única coisa que nos distancia na realidade dos animais é a nossa capacidade de esperança. Produzimos uma cultura de devastação baseada muitas vezes no engano da superioridade das raças, dos deuses, e sustentada pela desumanidade do poder económico. Sempre me pareceu incrível que uma sociedade tão pragmática como a ocidental tenha deificado coisas abstractas como esse papel chamado dinheiro e uma cadeia de imagens efémeras. Devemos fortalecer, como tantas vezes disse, a tribo da sensibilidade…

Elegia dos Amantes Lúcidos

Na girândola das árvores (e não há quem as detenha)
Deixa de fora a tarde o vermelho que a tinge.
Se ao menos tu ficasses na pausa que desenha
O contorno lunar da noite que te finge!

Se ao menos eu gelasse uma corda do vento
para encontrar a forma exacta dum violino
Que fosse a sensibilidade deste pensamento
Com que a minha sombra vai pensando o meu destino

E não houvesse o sono dum telhado
Entre ter de haver eu e haver o tecto;
E a eternidade não estivesse ao lado
A colocar-nos nas costas as asas dum insecto

Meu amor, meu amor, teu gesto nasce
Para partir de ti e ser ao longe
A cor duma cidade que nos pasce
Como a ausência de deus pastando um monge

Ah, se uma súbita mão na hora a pique
Tangendo harpas geladas por segredos
Desprendesse uma aragem de repiques
Destes sinos parados pelo medo!

Mas só porque vieste fez-se tarde,
Ou é a vida que nasce já tardia
Como uma estrela que se acende e arde
Porque não cabe na rapidez do dia?

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A Verdadeira Generosidade

Observo em nós apenas uma única coisa que nos pode dar justa razão para nos estimarmos, a saber: o uso do nosso livre-arbítrio e o domínio que temos sobre as nossas vontades. Pois as acções que dependem desse livre-arbítrio são as únicas pelas quais podemos com razão ser louvados ou censurados, e ele torna-nos de alguma forma semelhante a Deus ao fazer-nos senhores de nós mesmos, desde que por cobardia não percamos os direitos que nos dá.
Assim, creio que a verdadeira generosidade, que faz um homem estimar-se a si mesmo no mais alto grau em que pode legitimamente estimar-se, consiste somente, por uma parte, em que ele sabe que não há algo que realmente lhe pertença a não ser essa livre disposição das suas vontades, nem por que ele deva ser louvado ou censurado a não ser porque faz bom ou mau uso dela; e, por outra parte, em que ele sente em si mesmo uma firme e constante resolução de fazer bom uso dela, isto é, de nunca deixar de ter vontade para empreender e executar todas as coisas que julgar serem as melhores. Isso é seguir perfeitamente a virtude.

Nota: O latim generosus designa o homem ou animal que é de boa raça.

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Tudo o que Somos é Ficção

Há que entender que tudo o que somos é ficção.
Pessoas atrás de pessoas pedem-me conselhos. Acreditam que o que escrevo me torna em alguém especial, capaz de lhes entender o que fazem, o que sentem, até o que escrevem. Fico perdido, sem saber o que fazer, sem saber o que dizer. E é por isso que escrevo. Escrever é estar perdido e procurar, a cada frase, um caminho. Ou um simples sinal de que pode haver um caminho, de que pode haver uma esperança. Escrever é procurar a esperança, todos os dias, no que não existe, no que se escreve para ver se existe. Não sou escritor, nunca fui escritor, não quero ser escritor. Sou apenas o gajo que escreve porque tem de escrever, porque os dias exigem que escreva, porque uma urgência qualquer o obriga a escrever. Escrevo como necessidade biológica, e às vezes custa tanto ter de escrever. Não dói mas custa, é uma dor de fora para dentro, como se as letras saíssem da pele, do por dentro dos ossos. E a literatura. O que raios é a literatura? Estou-me nas tintas para a literatura. Não quero escrever literatura, não quero os intelectuais do meu lado.

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Uma raça, cujo espírito não defende o seu solo e o seu idioma, entrega a alma ao estrangeiro, antes de ser por ele absorvida.

Oremos para que a raça humana jamais escape da Terra para espalhar a sua iniquidade em outros lugares.

O Cometa

Um cometa passava… Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava;
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia…

Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões… E o cometa passava.

E fugia, riçando a ígnea cauda flava…
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava…

Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade ! E o cometa sorria…

O Verdadeiro Ócio

A verdadeira riqueza é apenas a riqueza interior da alma, tudo o resto traz mais problemas do que vantagens (Luciano). Alguém assim rico interiormente de nada precisa do mundo exterior a não ser um presente negativo, a saber, o ócio, para poder cultivar e desenvolver as suas capacidades espirituais e fruir a sua riqueza interior. Portanto, requer propriamente apenas a permissão para ser ele mesmo durante toda a sua vida, a cada dia e a cada hora. Se alguém estiver destinado a imprimir, em toda a raça humana, o traço do seu espírito, haverá para ele apenas uma felicidade e infelicidade, ou seja, a de poder aperfeiçoar as suas disposições e completar as suas obras – ou disso ser impedido. O resto é-lhe insignificante. Sendo assim, vemos os grandes espíritos de todos os tempos atribuírem o valor supremo ao ócio. Pois este vale tanto quanto o homem. A felicidade parece residir no ócio, diz Aristóteles, e Diógenes Laércio relata que Sócrates louva o ócio como a mais bela posse.
Também corresponde a isso o facto de Aristóteles declarar a vida filosófica como a mais feliz. De modo semelhante, diz na Política: “Poder exercer livremente as próprias aptidões, sejam elas quais forem,

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A complicada abundância da nossa civilização material, as nossas máquinas, os nossos telefones, a nossa luz eléctrica, tem-nos tornado intoleravelmente pedantes: estamos prontos a declarar desprezível uma raça, desde que ela não sabe fabricar pianos de Erard; e se há algures um povo que não possua como nós o talento de compor óperas cómicas consideramo-lo ipso facto votado para sempre à escravidão…