Como Lidar com as Perturbações
Não pretendem os estóicos que a alma do seu sábio possa resistir às primeiras visões e fantasias que lhe sobrevêm; antes, como a uma sujeição natural, consentem que ele ceda ao grande barulho do céu ou de um desabamento, por exemplo, até à palidez e à contracção. Assim também nas outras paixões (impressões penosas), contanto que o seu julgamento permaneça salvo e íntegro e que a disposição do seu raciocínio não sofra dano nem qualquer alteração, e que ele não dê a menor aquiescência ao seu terror e sofrimento.
Para aquele que não é sábio acontece o mesmo na primeira parte, mas coisa muito diferente na segunda; pois nele a impressão das paixões não permanece superficial, mas vai penetrando até à sede da razão, infectando-a e corrompendo-a. Ele julga segundo as paixões e a elas se conforma. Vede muito eloquente e claramente o estado do sábio estóico: Inutilmente as suas lágrimas rolam: a sua alma é inflexível (Virgílio). O sábio peripatético não se isenta das perturbações, e sim modera-as.
Passagens sobre Raciocínio
92 resultadosO Bom Senso
O bom senso não exige um juízo muito profundo; parece antes consistir em só perceber os objectos na proporção exacta que eles têm com a nossa natrueza ou com a nossa condição. O bom senso não consiste então em pensar sobre as coisas com excesso de sagacidade, mas em concebê-las de maneira útil, em tomá-las no bom sentido.
Aquele que vê com um microscópio percebe, certamente, mais qualidade nas coisas; mas não as percebe na sua proporção natural com a natureza do homem, como quem usa apenas os olhos. Imagem dos espíritos subtis, eles às vezes penetram fundo demais; quem olha naturalmente as coisas tem bom senso.
O bom senso forma-se a partir de um gosto natural pela justeza e pelo mediano; é uma qualidade do carácter, mais do que do espírito. Para ter muito bom senso, é preciso ser feito de maneira que a razão predomine sobre o sentimento, a experiência sobre o raciocínio.
Os Meus Sonhos São Mais Belos que a Conversa Alheia
Não faço visitas, nem ando em sociedade alguma – nem de salas, nem de cafés. Fazê-lo seria sacrificar a minha unidade interior, entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo senão aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre são mais belos que a conversa alheia.
Devo-me a humanidade futura. Quanto me desperdiçar desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes posso dar e diminuo-me a mim-próprio, não só aos meus olhos reais, mas aos olhos possíveis de Deus.
Isto pode não ser assim, mas sinto que é meu dever crê-lo.
Prefiro o animal ao homem, o instinto ao raciocínio; o instinto dá-me o fruto, o raciocínio o canalha!
A confiança é um acto de fé, e esta dispensa raciocínio.
Moral Vazia
O que nós chamamos a moral não passa de um empreendimento desesperado dos nossos semelhantes contra a ordem universal, que é a luta, a carnificina e o jogo cego de forças contrárias.
(…) Cada época tem a sua moral dominante, que não resulta nem da religião nem da filosofia, mas do hábito, única força capaz de reunir os homens num mesmo sentimento, pois tudo o que é sujeito ao raciocínio divide-os; e a humanidade só subsiste com a condição de não reflectir sobre aquilo que é essencial para a sua existência.
(…) A moral é a ciência dos costumes, e com eles muda. Ela difere de país para país e em nenhum lugar permanece a mesma no espaço de dez anos.
Tanto mais robusta a fantasia, quanto mais débil o raciocínio.
O raciocínio e a pressa não se dão bem.
Um facto mal observado é mais pernicioso que um raciocínio errado.
Estou ultimamente ocupado em ler a Bíblia. Tirai o que puderdes deste livro pelo raciocínio e o resto pela fé, e, vivereis e morrereis um homem melhor.
Para os budistas, quando morre uma pessoa, a alma sai e pode instalar-se num gato. Falei com o Dalai Lama e pus-lhe essa questão: se a pessoa morre e a alma passa de um humano para uma fera, não perde a evolução do raciocínio? Disse-me que não, pois o que conta é o esforço. Percebi que a vida, em si mesmo, é um esforço enorme em tudo que fazemos. Mas é ele que activa a imaginação.
Nada é mais oposto às belas-artes do que a visão estreita, o movimento demasiado analítico e o abuso do raciocínio, próprios ao nosso regime científico, aliás tão funesto ao desenvolvimento moral, primeira fonte de toda a disposição estética.
Porque não há raciocínio nem documento que nos explique melhor a intenção de um acto do que o próprio autor do acto.
A Liberdade Nunca é Real
Se examinarmos um indivíduo isolado sem o relacionarmos com o que o rodeia, todos os seus actos nos parecem livres. Mas se virmos a mínima relação entre esse homem e quanto o rodeia, as suas relações com o homem que lhe fala, com o livro que lê, com o trabalho que está fazendo, inclusivamente com o ar que respira ou com a luz que banha os objectos à sua roda, verificamos que cada uma dessas circunstâncias exerce influência sobre ele e guia, pelo menos, uma parte da sua actividade. E quantas mais influências destas observamos mais diminui a ideia que fazemos da sua liberdade, aumentando a ideia que fazemos da necessidade a que está submetido.
(…) A gradação da liberdade e da necessidade maiores ou menores depende do lapso de tempo maior ou menor desde a realização do acto até à apreciação desse mesmo acto. Se examino um acto que pratiquei há um minuto em condições quase as mesmas em que me encontro actualmente, esse acto parece-me absolutamente livre. Mas se aprecio um acto realizado há um mês, ao encontrar-me em circunstâncias diferentes, a meu pesar, se não tivesse realizado esse acto, não existiriam muitas coisas inúteis, agradáveis e necessárias que derivam dele.
O raciocínio é um argumento em que, estabelecidas certas coisas diferentes se deduzem da primeira.
O raciocínio é uma timidez – duas timidezes talvez, sendo a segunda a de ter vergonha de estar calado.
Confissão
É certo que me repito,
é certo que me refuto
e que, decidido, hesito
no entra-e-sai de um minuto.É certo que irresoluto
entre o velho e o novo rito
atiro à cesta o absoluto
como inútil papelito.É tão certo que me aperto
numa tenaz de mosquito
como é trinta vezes certo
que me oculto no meu grito.Certo, certo, certo, certo
que mais sinto que reflicto
as fábulas do deserto
do raciocínio infinito.É tudo certo e prescrito
em nebuloso estatuto.
O homem, chamar-lhe mito
não passa de anacoluto.
As obras-primas da mente humana, como proatividade, flexibilidade, generosidade, solidariedade, adaptabilidade, ousadia, capacidade de libertar o imaginário, raciocínio esquemático, abstração intuitiva, pensar como espécie, colocar-se no lugar dos outros, trabalhar frustrações, desenvolver resiliência, filtrar o stresse, debater ideias e gerir a ansiedade, não são apenas sofisticadas, mas também difíceis de serem incorporadas, assimiladas e reproduzidas pelo Eu.
Civilização Construída ao Acaso
A civilização moderna encontra-se em má posição porque não nos convém. Foi construída sem conhecimento da nossa verdadeira natureza. Deve-se ao capricho das descobertas científicas, do apetite dos homens, das suas ilusões, das suas teorias e dos seus desejos. Apesar de ter sido edificada por nós, não foi feita à nossa medida.
Na verdade, é evidente que a ciência não seguiu nenhum plano. Desenvolveu-se ao acaso, com o nascimento de alguns homens de génio, a forma do seu espírito e o caminho que tomou a sua curiosidade. Não se inspirou de modo nenhum no desejo de melhorar o estado dos seres humanos. As descobertas produziram-se ao sabor da intuição dos cientistas e das circunstâncias mais ou menos fortuitas das suas carreiras.
Se Galileu, Newton ou Lavoisier tivessem aplicado os poderes do seu espírito ao estudo do corpo e da consciência, talvez o nosso mundo fosse diferente do que é hoje. Os cientistas ignoram para onde vão. São guiados pelo acaso, por raciocínios subtis, por uma espécie de clarividência. Cada um deles é um mundo à parte, governado pelas suas próprias leis. De tempos a tempos, certas coisas, obscuras para os outros, tornam-se claras para eles. Em geral, as descobertas são feitas sem nenhuma revisão das consequências.
As mentiras têm uma grande vantagem sobre os raciocínios: a de ser admitidas sem provas por uma multitude de leitores.