Onde Está a Sinceridade ?
Entre as recordações que cada um de nós guarda, algumas há que só contamos aos amigos. Há ainda outras que nem sequer aos amigos confessamos, que só a nós próprios dizemos e, mesmo assim, no máximo segredo. Finalmente, há coisas que o homem nem sequer se permite confessar a si mesmo. Ao longo da existência, toda a pessoa honesta acumulou não poucas destas recordações. Diria mesmo que a quantidade é tanto maior quanto mais honesto o homem. Eu, em todo o caso, não foi há muito que me decidi a recordar algumas das minhas antigas aventuras; até agora evitava fazê-lo, aliás com um certo desassossego. Porém agora, quando as evoco e desejo mesmo anotá-las, agora vou tirar a prova: será possível sermos francos e sinceros, pelo menos com nós próprios, e dizermo-nos toda a verdade?
Observo, a propósito, que Heine afirma não poderem existir autobiografias exactas e que o homem mente sempre quando fala de si próprio. Em sua opinião, Rousseau enganou-nos à certa nas suas Confessions, e até deliberadamente, por vaidade. Tenho a certeza de que Heine tem razão: compreendo muitíssimo bem que nos possamos acusar de crimes abomináveis apenas por vaidade e também compreendo o que pode ser esse sentimento.
Passagens sobre Razão
1377 resultadosA razão por que os democratas não gostam dos gatos, é fácil adivinhá-la. O gato é belo; revela idéias de luxo, de asseio, de volúpia, etc.
A razão do mais forte é sempre a melhor.
Poema para Galileo
Estou olhando o teu retrato, meu velho pisano,
aquele teu retrato que toda a gente conhece,
em que a tua bela cabeça desabrocha e floresce
sobre um modesto cabeção de pano.
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da tua velha Florença.
(Não, não, Galileo! Eu não disse Santo Ofício.
Disse Galeria dos Ofícios.)
Aquele retrato da Galeria dos Ofícios da requintada Florença.
Lembras-te? A Ponte Vecchio, a Loggia, a Piazza della Signoria…
Eu sei… Eu sei…
As margens doces do Arno às horas pardas da melancolia.
Ai que saudade, Galileo Galilei!Olha. Sabes? Lá em Florença
está guardado um dedo da tua mão direita num relicário.
Palavra de honra que está!
As voltas que o mundo dá!
Se calhar até há gente que pensa
que entraste no calendário.Eu queria agradecer-te, Galileo,
a inteligência das coisas que me deste.
Eu,
e quantos milhões de homens como eu
a quem tu esclareceste,
ia jurar – que disparate, Galileo!
– e jurava a pés juntos e apostava a cabeça
sem a menor hesitação –
que os corpos caem tanto mais depressa
quanto mais pesados são.
Não se pode controlar excessivamente ninguém porque a experiência demonstra que quem se convence que está preso decide, por alguma absurda razão, fugir. É a natureza humana.
Há um limite em que a razão deixa de ser razão, e a loucura ainda é razoável.
Saúde, ó Satanás,
Ó rebelião,
Ó força vingadora
Da razão!
Na admissão de uma opinião ou doutrina, os homens consultam primeiramente o seu interesse, e depois a razão ou a justiça, se lhes sobeja tempo.
As injúrias são os argumentos de que se valem os que não têm razão.
Hino À Razão
Razão, irmã do Amor e da Justiça,
Mais uma vez escuta a minha prece.
É a voz dum coração que te apetece,
Duma alma livre só a ti submissa.Por ti é que a poeira movediça
De astros, sóis e mundos permanece;
E é por ti que a virtude prevalece,
E a flor do heroísmo medra e viça.Por ti, na arena trágica, as nações
buscam a liberdade entre clarões;
e os que olham o futuro e cismam, mudos,Por ti podem sofrer e não se abatem,
Mãe de filhos robustos que combatem
Tendo o teu nome escrito em seus escudos!
Da Ideia do Belo em Geral
I – Chamamos ao belo ideia do belo. Este deve ser concebido como ideia e, ao mesmo tempo, como a ideia sob forma particular; quer dizer, como ideal. O belo, já o dissemos, é a ideia; não a ideia abstracta, anterior à sua manifestação, não realizada, mas a ideia concreta ou realizada, inseparável da forma, como esta o é do principio que nela aparece. Ainda menos devemos ver na ideia uma pura generalidade ou uma colecção de qualidades abstraídas dos objectos reais. A ideia é o fundo, a própria essência de toda a existência, o tipo, unidade real e viva da qual os objectos visíveis não são mais que a realização exterior. Assim, a verdadeira ideia, a ideia concreta, é a que resume a totalidade dos elementos desenvolvidos e manifestados pelo conjunto dos seres. Numa palavra, a ideia é um todo, a harmoniosa unidade deste conjunto universal que se processa eternamente na natureza e no mundo moral ou do espírito.
Só deste modo a ideia é verdade, e verdade total.
Tudo quanto existe, portanto, só é verdadeiro na medida em que é a ideia em estado de existência; pois a ideia é a verdadeira e absoluta realidade. Nada do que aparece como real aos sentidos e à consciência é verdadeiro por ser real,
O Sucesso para um Grande Amor
Estou contente porque a minha querida não tem ainda o afecto exclusivo e único que há-de sentir um dia por um homem, apesar de todas as suas teorias que há-de ver voar, voar para tão longe ainda!… E no entanto, elas são tão verdadeiras! Ainda assim, minha querida Júlia, uma das coisas melhores da nossa vida de tão prosaico século, é o amor, o grande e discutido amor, o nosso encanto e o nosso mistério; as nossas pétalas de rosa e a nossa coroa de espinhos. O amor único, doce e sentimental da nossa alma de portugueses, o amor de que fala Júlio Dantas, «uma ternura casta, uma ternura sã» de que «o peito que o sente é um sacrário estrelado», como diz Junqueiro; o amor que é a razão única da vida que se vive e da alma que se tem; a paixão delicada que dá beijos ao luar e alma a tudo, desde o olhar ao sorriso, — é ainda uma coisa nobre, bela e digna! Digna de si, do seu sentir, do seu grande coração, ao mesmo tempo violento e calmo. Esse amor que «em sendo triste, canta, e em sendo alegre, chora», esse amor há-de senti-lo um dia,
A Arte da Conversação
O que faz com que poucas pessoas sejam agradáveis na conversação é que cada uma pensa mais no que tem a intenção de dizer do que naquilo que as outras dizem, e que não se escuta às demais quando se tem vontade de falar.
Para agradar aos outros é preciso falar daquilo de que eles gostam e que os interessa, evitar as discussões sobre coisas indiferentes, formular-lhes raramente perguntas e não os deixar crer que se pretende ter mais razão que eles.
Evitemos sobretudo falar frequentemente de nós mesmos e de nos darmos como exemplo. Nada é mais desagradável do que uma pessoa que se cita a si mesma a cada passo.
Preconceitos são a razão dos tolos.
A Inveja Passeia pelas Ruas
O homem que não tiver virtude própria sempre invejará a virtude dos outros. A razão disso é que a alma humana nutre-se do bem próprio ou do mal alheio, e aquela que carece de um, aspira a obter o outro, e aquele que está longe de esperar obter méritos de outrem, procurará nivelar-se com ele, destruindo-lhe a fortuna.
As pessoas que são curiosas e indiscretas são geralmente invejosas; porque conhecer muito a respeito da vida alheia não pode resultar do que concerne os próprios negócios. Isso deve provir, portanto, de tomar uma espécie de prazer teatral a admirar a fortuna dos outros. Aliás, quem não se ocupa senão dos próprios negócios não encontra matéria para invejas. Porque a inveja é uma paixão calaceira, isto é, passeia pelas ruas e não fica em casa.
Pensamos com o nosso corpo e com as nossas emoções, não existindo razão pura.
Talvez os poetas tenham razão. Talvez o amor seja a única resposta.
As Nossas Ideias Ou As Dos Outros
Todos os homens vivem e agem, em parte, segundo as suas próprias ideias e, em parte, segundo as ideias alheias. Uma das principais diferenças que existem entre os seres humanos consiste na medida em que se inspiram nas suas próprias ideias ou nas dos seus semelhantes. Uns limitam-se a servir-se das suas ideias como de um jogo intelectual, usam a razão como a roda de uma máquina da qual houvessem tirado a correia transmissora, submetendo os actos às ideias dos outros, ou seja, aos seus costumes, tradições e leis. Outros consideram que as suas ideias constituem o principal motor da actividade que desenvolvem e quase sempre obedecem às exigências da sua razão. Só de vez em quando, depois de uma apreciação crítica, se guiam pelas normas dos outros.
As razões por que se gosta dos livros são muito variáveis. De uns gosta-se deles em si, de outros gosta-se por razões mais afectivas, de outros ainda pela forma como foram recebidos pelas pessoas. Embora de uma forma diferente, acaba-se por gostar de todos, senão não os publicávamos.
Ser Amado
Às vezes, é preciso conseguirmos o que não se consegue: parar de amar por um momento, para se ser amado por quem se ama.
Seria bom podermos parar para nos sentirmos amados sem ser de volta, na confusão de duas pessoas a amarem-se. Se não amássemos quem amássemos, talvez pudéssemos receber o amor dela e saber como era.
Mas não é provável. Se não a amássemos, não quereríamos saber. Ser amado seria um pedido, uma intromissão, um desconforto à espera de uma resposta nossa, de uma desilusão, de uma insensibilidade àquele amor que não queremos para nada, que nos apanhou e embaraça. Se calhar, na vida e na morte de quem ama e quem se ama, só se sente o não ser amado e o já não ser amado e, quando muito, o já ter sido amado. A ausência e a tristeza, por muito grandes que sejam, não são tão grandes como a presença, a alegria e a angústia do amor vivo, que ocupa os corpos todos e as almas todas.
É pena que enquanto se é amado por alguém nunca pareça que se é. Amado, de certeza, incondicionalmente, como é amado – também sem saber –