É o insatisfeito, como era natural, que junta alguma coisa à realidade; desde que o homem se encontre bem na vida a força que o levava a criar, seja qual for o domínio, afrouxa e estaca.
Passagens sobre Realidade
711 resultadosOs sonhos existem para tornar-se realidade.
Pressentimento
O fim do nosso amor pressenti – na agonia
das tuas próprias cartas, rápidas, pequenas…
– se nem tantas, com carinho imenso te escrevia
tão poucas me chegavam por reposta apenas…Nas cartas que a sofrer, te escrevia, às dezenas
adiava a realidade sempre, dia a dia,
procurando iludir em vão as minhas penas
muito embora eu soubesse o quanto me iludia!Hoje… já não foi mais surpresa para mim,
dizes (como quem tem piedade), que é melhor
não continuarmos mais… e tens razão: é o fim…Há muito eu o esperava e o pressentia no ar…
Chegou… que hei de fazer?… Foi bom… Seria Pior
se ele não viesse nunca… e eu ficasse a esperar…
O Sonho
Amor querido, por nada menos que tu
Teria eu interrompido este sonho feliz:
Era um tema
Para a razão, demasiado forte para fantasia.
Portanto, sabiamente, me acordaste; porém
O meu sonho não terminou, continuou contigo.
És tão verdadeira que bastam os pensamentos de ti
Para tornar sonhos realidade, fábulas em história.
Vem a meus braços, pois se pensaste ser melhor
Que não sonhasse todo o meu sonho, concretizemos o resto.Como o relâmpago, ou a luz da vela,
Teus olhos, e não o teu ruído, me acordaram;
Porém pensei que eras
(Tu que amas a verdade) um Anjo — à primeira vista.
Mas quando vi que vias o meu coração
E os meus pensamentos, para além da arte do anjo,
Como sabias do meu sonho, como sabias quando
O excesso de gozo me acordaria, e então vieste,
Devo confessar que no mínimo, seria
Ultrajante, pensar-te outra coisa que não tu.Vindo e ficando mostrou-me que tu és tu.
Mas o levantares-te faz-me duvidar, e temo agora
Que tu já não sejas tu.
E fraco o amor quando o medo é tão forte como ele;
Só me interessa escrever quando eu me surpreendo com o que escrevo. Eu prescindo da realidade porque posso ter tudo através do pensamento.
O historiador é um ficcionista que tira tudo da realidade.
Em arte a realidade verdadeiramente possível é a que nós inventamos.
O uso das viagens serve para regular a imaginação através da realidade, e assim ao invés de imaginar como as coisas talvez sejam, você vê como elas realmente são.
A alegoria chega quando descrever a realidade já não nos serve. Os escritores e artistas trabalham nas trevas e, como cegos, tacteiam na escuridão.
O espelho provoca em mim o estranho efeito de por vezes me dar a violenta estalada da realidade, por outras elevar-me à dimensão do sonho, da ficção, de uma verdade essencial que se deposita cá dentro e que, por timidez, evita sair senão em momentos de alguma intimidade.
Qualquer Estado moderno é inevitavelmente um Estado social, pois a nenhum poder politicamente organizado é hoje possível deixar de conformar-se com as realidade sociais e tomar a seu cargo a satisfação das necessidades colectivas.
A Sabedoria do Homem Comum
Os ignorantes e o homem comum não têm problemas. Para eles na Natureza tudo está como deve estar. Eles compreendem as coisas pela simples razão delas existirem. E, na realidade, não dão eles provas de mais razão do que todos os sonhadores, que chegam a duvidar do seu próprio pensamento? Morre um dos seus amigos, e como julgam saber o que é a morte à dor que sentem por o perderem não acrescentam a cruel ansiedade que resulta da impossibilidade de aceitar um acontecimento tão natural… Estava vivo, e agora encontra-se morto; falava-me, o seu espírito prestava atenção ao que eu lhe dizia, mas hoje já nada disso existe: resta apenas aquele túmulo – mas repousa ele nesse túmulo, tão frio como a própria sepultura? Erra a sua alma em redor desse monumento? Quando eu penso nele é a sua alma que vem assolar a minha memória? O hábito traz-nos de novo, contudo, ao nível do homem comum.
Quando o seu rasto se tiver apagado – não há dúvidas de que ele morreu! – então a coisa deixará de nos incomodar. Os sábios e os pensadores parecem portanto menos avançados que o homem comum, já que eles próprios não têm a certeza,
A realidade apenas se forma na memória; as flores que hoje me mostram pela primeira vez não me parecem verdadeiras flores.
A filosofia pode perfeitamente ter sido um fenómeno puramente histórico. E acabar. Deixando o campo às aspirações puramente religiosas, que são as eternas do homem. E, na realidade, as únicas que poderão conduzi-lo a uma plena vitória sobre o mundo; e sobre si próprio, que ainda é o mais difícil.
No Fundo Somos Bons Mas Abusam de Nós
O comum das gentes (de Portugal) que eu não chamo povo porque o nome foi estragado, o seu fundo comum é bom. Mas é exactamente porque é bom, que abusam dele. Os próprios vícios vêm da sua ingenuidade, que é onde a bondade também mergulha. Só que precisa sempre de lhe dizerem onde aplicá-la. Nós somos por instinto, com intermitências de consciência, com uma generosidade e delicadeza incontroláveis até ao ridículo, astutos, comunicáveis até ao dislate, corajosos até à temeridade, orgulhosos até à petulância, humildes até à subserviência e ao complexo de inferioridade. As nossas virtudes têm assim o seu lado negativo, ou seja, o seu vício. É o que normalmente se explora para o pitoresco, o ruralismo edificante, o sorriso superior. Toda a nossa literatura popular é disso que vive.
Mas, no fim de contas, que é que significa cultivarmos a nossa singularidade no limiar de uma «civilização planetária»? Que significa o regionalismo em face da rádio e da TV? O rasoiro que nivela a província é o que igualiza as nações. A anulação do indivíduo de facto é o nosso imediato horizonte. Estruturalismo, linguística, freudismo, comunismo, tecnocracia são faces da mesma realidade. Como no Egipto, na Grécia,
Nossas alucinações são alegorias da realidade.
Todos os erros humanos são fruto da impaciência. Interrupção prematura de um processo ordenado, obstáculo artificial levantado em redor de uma realidade artificial.
A Redução do Pensamento à Palavra
O homem parecia ter desapontadamente perdido o sentido do que queria anotar. E hesitava, mordia a ponta do lápis como um lavrador embaraçado por ter que transformar o crescimento do trigo em algarismos. De novo revirou o lápis, duvidava e de novo duvidava, com um respeito inesperado pela palavra escrita. Parecia-lhe que aquilo que lançasse no papel ficaria definitivo, ele não teve o desplante de rabiscar a primeira palavra. Tinha a impressão defensiva de que, mal escrevesse a primeria, e seria tarde demais. Tão desleal era a potência da mais simples palavra sobre o mais vasto dos pensamentos. Na realidade o pensamento daquele homem era apenas vasto, o que não o tornava muito utilizável. No entanto parece que ele sentia uma curiosa repulsa em concretizá-lo, e até um pouco ofendido como se lhe fizessem proposta dúbia.
Disse eu atrás que o saber embaraça a criatividade. Na realidade talvez não embarace. Mas ele opera como os sinais de trânsito e canalizam a criação para um terreno já percorrido.
Muita gente acredita que são atraídos por Deus ou pela Natureza, quando na realidade estão apenas a ser repelidos pelo homem.