Era uma Pedra Feminina
Era uma pedra feminina
muito perto de uma pedra bem masculina
onde
a todo o comprimento do mastro
batiam os dentes das aves.
E o que restava das mãos mais antigas
pedia ainda dinamite
talheres avulso
mastodontes inviolados
alguns jovens em renda para bordar as estradas
hastes primaveris correndo o risco de se tornarem de bronze
acenando
a uma paisagem
hexagonal
maior que a soma de todas as janelas.
Passagens sobre Rendas
66 resultadosSenhoras, Eu Estou Picado
Senhoras, eu ‘stou picado;
Tenham Vossas Excelências
todas quantas paciências
eu tive no seu chamado;
cuidei que por achacado,
doídas da minha tosse
a meter-me-iam na posse
de uma merenda afamada,
e que achava quando nada
cinco condessas de doce.Não me enganei, porque alfim
todas vinham cheias grátis
de vanitas vanitatis,
que isto é fofa em latim.
Tomara eu para mim,
por bem ganhada fazenda,
quanta folhage’ estupenda
traziam nas suas rodas,
mas com tal donaire todas
que puxam por muita renda.Oh! quem pudera cantar
(para bem me vingar dela)
uma que à sua janela
mil vezes vejo Assumar!
Mas obriga-me a calar.
Outra da mesma feição
que é capaz, e com razão,
de prantar-me no focinho,
que farto de S. Martinho
tenho sede a S. João.Outra branca em demasia
não era tão confiada,
posto que estava enfiada
talvez do que não queria:
mas na flor, na louçania,
na suavidade e na cor,
podia largar o amor
por ela redes e barcos,
Mais vale boa regra que boa renda.
Ariana
Ela é o tipo perfeito da ariana,
Branca, nevada, púbere, mimosa,
A carne exuberante e capitosa
Trescala a essência que de si dimana.As níveas pomas do candor da rosa,
Rendilhando-lhe o colo de sultana,
Emergem da camisa cetinosa
Entre as rendas sutis de filigrana.Dorme talvez. Em flácido abandono
Lembra formosa no seu casto sono
A languidez dormente da indiana,Enquanto o amante pálido, a seu lado
Medita, a fronte triste, o olhar velado
No Mistério da Carne Soberana
Meridional
Cabelos
Ó vagas de cabelo esparsas longamente,
Que sois o vasto espelho onde eu me vou mirar,
E tendes o cristal dum lago refulgente
E a rude escuridão dum largo e negro mar;Cabelos torrenciais daquela que me enleva,
Deixai-me mergulhar as mãos e os braços nus
No báratro febril da vossa grande treva,
Que tem cintilações e meigos céus de luz.Deixai-me navegar, morosamente, a remos,
Quando ele estiver brando e livre de tufões,
E, ao plácido luar, ó vagas, marulhemos
E enchamos de harmonia as amplas solidões.Deixai-me naufragar no cimo dos cachopos
Ocultos nesse abismo ebânico e tão bom
Como um licor renano a fermentar nos copos,
Abismo que se espraia em rendas de Alençon!E, ó mágica mulher, ó minha Inigualável,
Que tens o imenso bem de ter cabelos tais,
E os pisas desdenhosa, altiva, imperturbável,
Entre o rumor banal dos hinos triunfais;Consente que eu aspire esse perfume raro,
Que exalas da cabeça erguida com fulgor,
Perfume que estonteia um milionário avaro
E faz morrer de febre um louco sonhador.
Da Desigualdade que Existe Entre os Homens
Plutarco diz nalgum lugar que não observa entre um animal e outro distância tão grande como encontra entre um homem e outro. Está a falar do valor da alma e das faculdades interiores. Na verdade, observo tanta distância de Epaminondas, como o imagino, até alguém que conheço, quero dizer capaz de senso comum, que de bom grado eu iria além de Plutarco e diria que há mais distância entre tal e tal homem do que há entre tal homem e tal animal: Ah! Entre um homem e outro homem, quanta distância! (Terêncio), e que há tantos graus de espíritos quantas braças há daqui ao céu, e igualmente inumeráveis.
Mas, a propósito da avaliação dos homens, é espantoso que, excepto nós, todas as coisas sejam avaliadas tão-somente pelas suas próprias qualidades. Elogiamos um cavalo porque é vigoroso e ágil, e não pelos arreios; um galgo pela sua velocidade, não pela coleira; um pássaro pela envergadura e não pelas suas correias e sinetas. Por que da mesma forma não avaliamos um homem pelo que é propriamente seu? Ele tem um alto nível de vida, um belo palácio, tanto de crédito, tanto de renda: tudo isto está ao redor dele e não nele.