A vida é puro ruído entre dois silêncios abismais. Silêncio antes de nascer, silêncio após a morte.
Passagens sobre Ruído
114 resultadosNão deixe que o ruído da opinião alheia impeça que você escute a sua voz interior.
O Mundo é a Nossa Representação
O mundo é a nossa representação. (…) Há alguma coisa para além da representação? É a consciência uma janela fiel dando para a realidade, ou, antes, um sistema de lentes embaciadas e riscadas pela história, que filtram só imagens falsas e sombras incertas da verdade? E há deveras qualquer coisa por trás do conhecimento, ou apenas o nada, como por trás da vida? Seria talvez apenas espelho de si mesmo, casca sem tronco e roupagem sobre o vácuo?
(…) O mundo é representação, sim, mas eu não sei doutras representações afora as minhas. As dos outros ignoro-as, ignoro a essência dos fenómenos inanimados. As mentes alheias existem apenas como hipótese da minha. O mundo é pois a minha representação – o mundo é a minha alma; – o mundo sou eu!
(…) O mundo inteiro era apenas uma parte do meu eu: de mim, dos meus sentidos, da minha mente dependia a sua existência. Ao sabor das minhas volições as coisas apareciam ou desapareciam. Atentando, ressurgiam; abandonando-as, desfaziam-se de novo. Se eu fechava os olhos, todas as cores morriam; se tapava os ouvidos, nenhum som, ruído ou harmonia rompia o silêncio do espaço. E, última consequência: quando eu morresse o mundo inteiro seria aniquilado.
A miséria do meu ser
A miséria do meu ser,
Do ser que tenho a viver,
Tornou-se uma coisa vista.
Sou nesta vida um qualquer
Que roda fora da pista.Ninguém conhece quem sou
Nem eu mesmo me conheço
E, se me conheço, esqueço,
Porque não vivo onde estou.
Rodo, e o meu rodar apresso.É uma carreira invisível,
Salvo onde caio e sou visto,
Porque cair é sensível
Pelo ruído imprevisto…
Sou assim. Mas isto é crível?
Fico Sozinho com o Universo Inteiro
Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Calaram o piano no terceiro andar…
Não oiço já passos no segundo andar…
No rés-do-chão o rádio está em silêncio…Vai tudo dormir…
Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me…
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me…Vai tudo dormir…
Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa.
O mundo gira, não ao redor dos inventores de estrondos novos, mas à roda dos inventores de valores novos: gira sem ruído.
Os dicionários registram as palavras amorosas e omitem os ruídos que as entremeiam ou substituem.
A palavra é apenas um ruído, e os livros são apenas papel.
Mundo Inaccessível
Tu’alma lembra um mundo inaccessível
Onde só astros e águias vão pairando,
Onde só se escuta, trágica, cantando,
A sinfonia da Amplidão terrível!Alma nenhuma, que não for sensível,
Que asas não tenha para as ir vibrando,
Essa região secreta desvendando,
Falece, morre, num pavor incrível!É preciso ter asas e ter garras
Para atingir aos ruídos de fanfarras
Do mundo da tu’alma augusta e forte.É preciso subir ígneas montanhas
E emudecer, entre visões estranhas,
Num sentimento mais sutil que a Morte!
Gozo os Campos sem Reparar para Eles
Gozo os campos sem reparar para eles.
Perguntas-me por que os gozo.
Porque os gozo, respondo.
Gozar uma flor é estar ao pé dela inconscientemente
E ter uma noção do seu perfume nas nossas idéias mais apagadas.
Quando reparo, não gozo: vejo.
Fecho os olhos, e o meu corpo, que está entre a erva,
Pertence inteiramente ao exterior de quem fecha os olhos
À dureza fresca da terra cheirosa e irregular;
E alguma cousa dos ruídos indistintos das cousas a existir,
E só uma sombra encarnada de luz me carrega levemente nas órbitas,
E só um resto de vida ouve.
V
Se sou pobre pastor, se não governo
Reinos, nações, províncias, mundo, e gentes;
Se em frio, calma, e chuvas inclementes
Passo o verão, outono, estio, inverno;Nem por isso trocara o abrigo terno
Desta choça, em que vivo, coas enchentes
Dessa grande fortuna: assaz presentes
Tenho as paixões desse tormento eterno.Adorar as traições, amar o engano,
Ouvir dos lastimosos o gemido,
Passar aflito o dia, o mês, e o ano;Seja embora prazer; que a meu ouvido
Soa melhor a voz do desengano,
Que da torpe lisonja o infame ruído.
A Boa e a Má Fama
No mundo sempre correu igual risco a boa como a má opinião, e na opinião de muitos, mais arriscada foi sempre a boa que a má fama; porque as grandes prendas são muito ruidosas, e muitas vezes foi reclamo para o perigo mais certo o mais estrondoso ruído. O impertinente canto de uma cigarra nunca motivou atenções ao curioso caçador das aves. A melodia, sim, do rouxinol, que este sempre despertou o cuidado ao caçador, para lhe aparelhar o laço. A primeira cousa que se esconde dos caçadores com instinto natural, suposta a história por verdadeira, que muitos têm por fabulosa, é o carbúnculo, aquele diamante de luz, que lhe comunicou a natureza, como quem conhece que, em seu maior luzir, está o seu maior perigar. O ruído que faz a grande fama também faz com que o grande seja de todos roído, quando nas asas da fama se vê mais sublimado. Quem em as asas da fama voa também padece; porque não há asas sem penas, ainda que estas sejam as plumagens, com que o benemérito se adorna. Só aos mortos costumamos dizer se fazem honras, e será porque, a não acabarem as honras com a morte, a ninguém consentiria aplausos o mundo,
Chove ? Nenhuma Chuva Cai…
Chove? Nenhuma chuva cai…
Então onde é que eu sinto um dia
Em que ruído da chuva atrai
A minha inútil agonia ?Onde é que chove, que eu o ouço?
Onde é que é triste, ó claro céu?
Eu quero sorrir-te, e não posso,
Ó céu azul, chamar-te meu…E o escuro ruído da chuva
É constante em meu pensamento.
Meu ser é a invisível curva
Traçada pelo som do vento…E eis que ante o sol e o azul do dia,
Como se a hora me estorvasse,
Eu sofro… E a luz e a sua alegria
Cai aos meus pés como um disfarce.Ah, na minha alma sempre chove.
Há sempre escuro dentro de mim.
Se escuro, alguém dentro de mim ouve
A chuva, como a voz de um fim…Os céus da tua face, e os derradeiros
Tons do poente segredam nas arcadas…No claustro sequestrando a lucidez
Um espasmo apagado em ódio à ânsia
Põe dias de ilhas vistas do convésNo meu cansaço perdido entre os gelos,
Passamos e Agitamo-nos Debalde
Antes de nós nos mesmos arvoredos
Passou o vento, quando havia vento,
E as folhas não falavam
De outro modo do que hoje.Passamos e agitamo-nos debalde.
Não fazemos mais ruído no que existe
Do que as folhas das árvores
Ou os passos do vento.Tentemos pois com abandono assíduo
Entregar nosso esforço à Natureza
E não querer mais vida
Que a das árvores verdes.Inutilmente parecemos grandes.
Salvo nós nada pelo mundo fora
Nos saúda a grandeza
Nem sem querer nos serve.Se aqui, à beira-mar, o meu indício
Na areia o mar com ondas três o apaga,
Que fará na alta praia
Em que o mar é o Tempo?
Escutem esse silêncio, o grandioso ruído que ele carrega; e não serve de nada cobrir as orelhas.
Os povos precisam de festas brilhantes, pois os tolos gostam do ruído, e as multidões são tolas.
Quão Breve Tempo é a Mais Longa Vida
Quão breve tempo é a mais longa vida
E a juventude nela! Ah!, Cloe, Cloe,
Se não amo nem bebo,
Nem sem querer não penso,
Pesa-me a lei inimplorável, dói-me
A hora invicta, o tempo que não cessa,
E aos ouvidos me sobe
Dos juncos o ruído
Na oculta margem onde os lírios frios
Da ínfera leiva crescem, e a corrente
Não sabe onde é o dia,
Sussurro gemebundo.
Não Busco N’esta Vida Glória ou Fama
Não busco n’esta vida glória ou fama:
Das turbas que me importa o vão ruído?
Hoje, deus… e amanhã, já esquecido
Como esquece o clarão de extincta chama!Foco incerto, que a luz já mal derrama,
Tal é essa ventura: eccho perdido,
Quanto mais se chamou, mais escondido
Ficou inerte e mudo á voz que o chama.D’essa coroa é cada flor um engano,
É miragem em nuvem ilusoria,
É mote vão de fabuloso arcano.Mas coroa-me tu: na fronte inglória
Cinge-me tu o louro soberano…
Verás, verás então se amo essa glória!
Os Grandes Indiferentes
Ouvi contar que outrora, quando a Pérsia
Tinha não sei qual guerra,
Quando a invasão ardia na cidade
E as mulheres gritavam,
Dois jogadores de xadrez jogavam
O seu jogo contínuo.À sombra de ampla árvore fitavam
O tabuleiro antigo,
E, ao lado de cada um, esperando os seus
Momentos mais folgados,
Quando havia movido a pedra, e agora
Esperava o adversário.
Um púcaro com vinho refrescava
Sobriamente a sua sede.Ardiam casas, saqueadas eram
As arcas e as paredes,
Violadas, as mulheres eram postas
Contra os muros caídos,
Traspassadas de lanças, as crianças
Eram sangue nas ruas…
Mas onde estavam, perto da cidade,
E longe do seu ruído,
Os jogadores de xadrez jogavam
O jogo de xadrez.Inda que nas mensagens do ermo vento
Lhes viessem os gritos,
E, ao refletir, soubessem desde a alma
Que por certo as mulheres
E as tenras filhas violadas eram
Nessa distância próxima,
Inda que, no momento que o pensavam,
Uma sombra ligeira
Lhes passasse na fronte alheada e vaga,
Pai, Dizem-me que Ainda Te Chamo
Pai, dizem-me que ainda te chamo, às vezes, durante
o sono – a ausência não te apaga como a bruma
sossega, ao entardecer, o gume das esquinas. Há nos
meus sonhos um território suspenso de toda a dor,
um país de verão aonde não chegam as guinadas
da morte e todas as conchas da praia trazem pérola. Aínos encontramos, para dizermos um ao outro aquilo
que pensámos ter, afinal, a vida toda para dizer; aí te
chamo, quando a luz me cega na lâmina do mar, com
lábios que se movem como serpentes, mas sem nenhum
ruído que envenene as palavras: pai, pai. Contam-medepois que é deste lado da noite que me ouvem gritar
e que por isso me libertam bruscamente do cativeiro
escuro desse sonho. Não sabemque o pesadelo é a vida onde já não posso dizer o teu
nome – porque a memória é uma fogueira dentro
das mãos e tu onde estás também não me respondes.