Passagens sobre Sapatos

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Frases sobre sapatos, poemas sobre sapatos e outras passagens sobre sapatos para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Da Índole dos Homens

A índole é, muitas vezes, ocultada; outras, subjugada; quase nunca extinta. A força faz a índole mais violenta, em represália; a doutrina e o discurso tornam-a menos importuna; somente o costume alcança alterá-la e refreá-la. Àquele que busca vencer a sua própria índole não se deve propor tarefas nem muito grandes nem muito pequenas; as primeiras tornar-le-ão desalentado ante os sucessivos fracassos; as outras, devido às repetidas vitórias, tornar-le-ão convencido. A princípio, deve-se adestrar com auxílios, como o fazem os nadadores com bexigas ou cortiças; mas ao cabo de certo tempo, é mister se adestre com desvantagens, como os dançarinos com sapatos pesados. Chega-se a grande perfeição quando a prática é mais árdua do que o uso. Quando a índole é pujante e, por consequência, difícil de vencer, o primeiro passo será resistir-lhe e deter-lhe os ímpetos a tempo, a exemplo daquele que, quando estava irado, repetia as vinte e quatro letras do alfabeto; em seguida, racioná-la em quantidade, como o que, proibido de beber vinho, passou dos repetidos brindes a um trago nas refeições; por fim, anulá-la de todo.
Não erra o antigo preceito em recomendar que, para endireitar a índole, se a encurve até ao extremo contrário,

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O Natal de Minha Mãe

A abstracção não precisa de mãe nem pai
nem tão pouco de tão tolo infante

mas o natal de minha mãe é ainda o meu natal
com restos de Beira Alta

ano após ano via surgir figura nova nesse
presépio de vaca burro banda de música

ribeiro com patos farrapos de algodão muito
musgo percorrido por ovelhas e pastores

multidão de gente judaizante estremenha pela
mão de meu pai descendo de montes contando

moedas azenhas movendo água levada pela estrela
de Belém

um galo bate as asas um frade está de acordo
com a nossa circuncisão galinhas debicam milho

de mistura com um porco a que minha avó juntava
sempre um gato para dar sorte era preto

assim íamos todos naquela figuração animada
até ao dia de Reis aí estão

um de joelhos outro em pé
e o rei preto vinha sentado no

camelo. Era o mais bonito.
depois eram filhoses o acordar de prenda no

sapato tudo tão real como o abrir das lojas no dia
de feira

e eu ia ao Sanguinhal visitar a minha prima que
tinha um cavalo debaixo do quarto

subindo de vales descendo de montes
acompanhando a banda do carvalhal com ferrinhos

e roucas trompas o meu Natal é ainda o Natal de
minha mãe com uns restos de canela e Beira Alta.

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Reduzir a Dependência das Coisas

Tudo consiste em reduzir a dependência das coisas.
Partes amanhã. Não mais nos veremos. Um pouco o
desertor a cada passagem da nossa alma ou
quem espera para morrer.

A aquisição de todos estes bens
as espécies de tristeza são o que
acompanha quem espera — quais as pretendidas
vantagens? a juventude ou o mar?

Que te importa o que posso ou não fazer? Se
estamos tão perto quando nas ruas cruzamos e dizemos
o herói de toda a circunstância — a tua vida
precede a minha a tua morte ao abrigo das paixões
mas nada disto é dito
animal que repousa sob o erro.

Pela última vez
põe os teus sapatos novos
tão contrários à fonte dos actos e à moral
e vem, mesmo que tenhas andado para lá do som,
lavadinho, para que eu possa passar a minha mão
pelo pêlo
pelo pêlo lugar também do saber e de toda a possessão.

Um ato de poupança individual significa – por assim dizer – uma decisão de não jantar hoje, mas não implica, necessariamente, a decisão de jantar ou de comprar um par de sapatos daqui a uma semana ou um ano, ou de consumir uma coisa específica em uma data específica.

Descrição Da Cidade De Sergipe D’el-Rei

Três dúzias de casebres remendados,
Seis becos, de mentrastos entupidos,
Quinze soldados, rotos e despidos,
Doze porcos na praça bem criados.

Dois conventos, seis frades, três letrados,
Um juiz, com bigodes, sem ouvidos,
Três presos de piolhos carcomidos,
Por comer dois meirinhos esfaimados.

As damas com sapatos de baeta,
Palmilha de tamanca como frade,
Saia de chita, cinta de raqueta.

O feijão, que só faz ventosidade
Farinha de pipoca, pão que greta,
De Sergipe d’El-Rei esta é a cidade.

A Minha Mulher, Matilde Urrutia

A minha mulher é provinciana como eu. Nasceu numa cidade do Sul, em Chillán, famosa pela sorte de possuir uma bela cerâmica camponesa e pela infelicidade de sofrer frequentemente terríveis terramotos. Falando para ela, disse-lhe tudo nos meus Cem Sonetos de Amor.
Talvez estes versos definam o que ela significa para mim. A terra e a vida nos juntaram.
Embora isto não interesse a ninguém, somos felizes. Dividimos o nosso tempo comum em longas permanências na solitária costa do Chile. Não no Verão, porque o litoral ressequido pelo sol se mostra amarelo e desértico; antes no Inverno, quando, em estranha floração, a terra se veste com as chuvas e o frio, de verde e amarelo, de azul e de púrpura. Subimos algumas vezes do solitário e selvático oceano para a nervosa cidade de Santiago, na qual sofremos juntamente com a complicada existência dos outros.

Matilde canta com voz poderosa as minhas canções.
Eu dedico-lhe quanto escrevo e quanto tenho. Não é muito, mas ela está contente.
Vejo-a agora a enterrar os sapatos minúsculos na lama do jardim e, em seguida, a enterrar também as suas minúsculas mãos na profundidade da planta.
Da terra,

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As Pequenas Injustiças

Não me conformo com as pequenas injustiças. Aceito as grandes, porque são inevitáveis, como as catástrofes, e atestam a impotência dos deuses.
Aquela criança, descalça, apenas precisava de uns sapatos. Se tivesse nascido sem pés, não era tão grande a minha revolta.

Teu Só Sossego aqui Contigo Ausente

Teu só sossego aqui contigo ausente
Na casa que te veste à justa de paredes,
Tenho-te em móveis, nos perfumes, na semente
Dos cuidados que deixas ao partir,
A doce estância toda povoada
Dos mínimos sinais, dos sapatos de plinto
Que te elevam, Terpsícore ou Mnemósine,
Como uma estátua fiel ao labirinto.
Aqui, androceu da flor, o cálice abre aromas,
Farmácia chamo à tua colecção de vidros
Onde, à margem de planos e de somas,
Tenho remédio para os meus alvidros.
O chá é forte e adstringente,
O leite grosso sabe à ordenha,
E até nos quadros vive gente
À espera que a dona venha.
Porque tudo nos tectos é coroa,
No chão as traînes, os passinhos salpicados
Como o vento ainda longe de Lisboa
Escolheu a gaivota do balanço
Que no cais engolfado melhor voa:
Um vácuo, enfim, que o não será — tão logo
Chegues no ar medido e a aço propulso:
Por isso um pouco de fogo
Bate sanguíneo em meu pulso,
Pois o amor de quem espera
É uma graça a vencer.

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Este método estóico de prover as nossas necessidades suprimindo os nossos desejos é como cortar os pés quando necessitamos de sapatos.

Ruinas

Pandeiros rôtos e côxas táças de crystal aos pés da muralha.

Heras como Romeus, Julietas as ameias. E o vento toca, em bandolins distantes, surdinas finas de princezas mortas.

Poeiras adormecidas, netas fidalgas de minuetes de mãos esguias e de cabelleiras embranquecidas.

Aquellas ameias cingiram uma noite peccados sem fim; e ainda guardam os segredos dos mudos beijos de muitas noites. E a lua velhinha todas as noites réza a chorar: Era uma vez em tempo antigo um castello de nobres naquelle lugar… E a lua, a contar, pára um instante – tem mêdo do frio dos subterraneos.

Ouvem-se na sala que já nem existe, compassos de danças e rizinhos de sêdas.

Aquellas ruinas são o tumulo sagrado de um beijo adormecido – cartas lacradas com ligas azues de fechos de oiro e armas reais e lizes.

Pobres velhinhas da côr do luar, sem terço nem nada, e sempre a rezar…

Noites de insonia com as galés no mar e a alma nas galés.

Archeiros amordaçados na noite em que o côche era de volta ao palacio pela tapada d’El-rei. Grande caçada na floresta–galgos brancos e Amazonas negras.

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O Político Português

Para o bom português, meus Senhores, a carreira verdadeiramente ideal é aquela que não exija preparação e em que se não faça nada sob a aparência de que se faz alguma coisa. (Porque em suma ele envergonha-se de o chamarem preguiçoso). Ora desde os tempos em que Spencer, um pouco irreverentemente, é verdade, vinha declarar que, «exigindo-se uma longa aprendizagem para se fazerem sapatos, não era precisa nem pequena nem grande para se fazerem leis», o caminho, hão-de concordar, estava naturalmente traçado. Demais aquele velho Aristóteles, que foi filósofo na antiga Grécia, escreveu ingenuamente um dia que a política era a dificílima arte de os indivíduos governarem os povos. Já lá vão séculos porém. O tempo tudo altera; alterou também a ideia: hoje é a mais fácil arte de os povos governarem os indivíduos.

Avarento

Puxando um avarento de um pataco
Para pagar a tampa de um buraco
Que tinha já nas abas do casaco,
Levanta os olhos, vê o céu opaco,
Revira-os fulo e dá com um macaco
Defronte, numa loja de tabaco…
Que lhe fazia muito mal ao caco!
Diz ele então
Na força da paixão:
— Há casaco melhor que aquela pele?
Trocava o meu casaco por aquele…
E até a mim… por ele.

Tinha razão,
Quanto a mim.
Quem não tem coração,
Quem não tem alma de satisfazer
As niquices da civilização,
Homem não deve ser;
Seja saguim,
Que escusa tanga, escusa langotim:
Vá para os matos,
Já não sofre tratos
A calçar botas, a comprar sapatos;
Viva nas tocas como os nossos ratos,
E coma cocos, que são mais baratos!

Actores Puros

Porque será que sentimos um desejo de proteger ao observarmos o ser amado que não se sabe observado? Porque será que nos dói o coração ao vermos um par de sapatos abandonado? Ou o ser amado que dorme? Pode ser que o corpo adormecido do ser amado expresse todo o patético desta ausência, todo o desamparo de quem ignora que está a ser observado…Os actores são pagos
para fingir que não sabem que estão a ser observados, mas é claro que eles esperam a cooperação de quem os observa, e quase sempre a obtêm. E também há os actores que não são pagos (pensei eu): esses é que é preciso observar.

Temos de Ser Mais Humanos

Abram os olhos. Somos umas bestas. No mau sentido. Somos primitivos. Somos primários. Por nossa causa corre um oceano de sangue todos os dias. Não é auscultando todos os nossos instintos ou encorajando a nossa natureza biológica a manifestar-se que conseguiremos afastar-nos da crueza da nossa condição. É lendo Platão. E construindo pontes suspensas. É tendo insónias. É desenvolvendo paranóias, conceitos filosóficos, poemas, desequilíbrios neuroquímicos insanáveis, frisos de portas, birras de amor, grafismos, sistemas políticos, receitas de bacalhau, pormenores.

É engraçado como cada época se foi considerando «de charneira» ao longo da história. A pretensão de se ser definitivo, a arrogância de ser «o último», a vaidade de se ser futuro é, há milénios, a mesmíssima cantiga.
Temos de ser mais humanos. Reconhecer que somos as bestas que somos e arrependermo-nos disso. Temos de nos reduzir à nossa miserável insensibilidade, à pobreza dos nossos meios de entendimento e explicação, à brutalidade imperdoável dos nossos actos. O nosso pé foge-nos para o chinelo porque ainda não se acostumou a prender-se aos troncos das árvores, quanto mais habituar-se a usar sapato.

A única atitude verdadeiramente civilizada é a fraqueza, a curiosidade, o desespero, a experiência, o amor desinteressado,

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Agrada-te a Ti

Nunca conseguirás agradar a todos, mas podes sempre agradar-te a ti.

Querer agradar a toda a gente é o primeiro passo para o desrespeito e o caminho mais rápido para a perdição.

É, aliás, tão perigoso e letal que chega a ofuscar toda a luz que nos alimenta e dizimar todo e qualquer sentido de vida com o qual tenhamos nascido. Quem escolhe essa via nunca passará de um pássaro de asas partidas, frágil e desesperado, que a qualquer momento pode ser pisado, caçado, esmagado ou morto por qualquer um. E o que não falta aí é gente que precisa cilindrar, torturar e macerar alguém para sentir algum bem-estar na sua vida.

Não te podes permitir isso.

Não podes querer ser o par de sapatos de toda a gente.

Tens de ser as tuas pernas, o teu próprio coração e a orientação da tua cabeça.

De que te adianta agradar a todos se isso pode ser desagradável para ti?

As pessoas só vão gostar todas de ti depois de morreres ou se escolheres ficar calado para sempre, o que, e na minha opinião, é apenas outra forma de estar morto,

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Uma mulher sexy será sempre uma mulher sexy, mesmo que vestida de esquimó – e uma mulher a fingir que é sexy será sempre uma mulher a fingir que é sexy, mesmo que (ou sobretudo se) vestida com sapatos altos, meias de renda e mais nada.