Uma mulher sexy será sempre uma mulher sexy, mesmo que vestida de esquimĂł – e uma mulher a fingir que Ă© sexy será sempre uma mulher a fingir que Ă© sexy, mesmo que (ou sobretudo se) vestida com sapatos altos, meias de renda e mais nada.
Passagens sobre Sapatos
67 resultadosCada um sabe onde o sapato lhe aperta.
Esta Dor que me Faz Bem
As coisas falam comigo
uma linguagem secreta
que é minha, de mais ninguém.
Quem sente este cheiro antigo,
o cheiro da mala preta,
que era tua, minha mãe?Este cheiro de além-vida
e de indizĂvel tristeza,
do tempo morto, esquecido…
TĂŁo desbotada e puĂda
aquela fita escocesa
que enfeitava o teu vestido.Fala comigo e conversa,
na linguagem que eu entendo,
a tua velha gaveta,
a vida nela dispersa
chega Ă cama onde me estendo
num perfume de violeta.Vejo as tuas jĂłias falsas
que usavas todos os dias,
do princĂpio ao fim do ano,
e ainda oiço as tuas valsas,
minha mĂŁe, e as melodias
que cantavas ao piano.Vejo brancos, decotados,
os teus sapatos de baile,
um broche em forma de lira,
saia aos folhos engomados
e sobre o vestido um xaile,
um xaile de Caxemira.Quantas voltas deu na vida
este álbum de retratos,
de veludo cor de tĂlia?
Gente outrora conhecida,
quem lhe deu tantos maus tratos?
Todo o sapato lindo dá em chinelo velho.
Se tiveres uma pedra no seu sapato Ă© simples: tira-a e jogue-a fora !
Poeta
– Poeta errante,
de olhar vago e distante
e azul,
o teu perfil singular
recorta-se angular
ao norte e ao sul.– Os teus fatos coçados
bate-os o vento
e leva-os aos bocados…E os sapatos gastos
pedem grandes repastos,
abrem bocas, esfomeados.(Nos bolsos, imagino
asas de borboletas,
molhos de folhas secas,
poeiras e papĂ©is…)– Poeta errante,
caem por terra os livros e a estante,
e as torres esguias das igrejas,
e as paredes velhas dos bordĂ©is!…– Poeta errante,
vamos dormir na sombra dos vergĂ©is!…
Antes que vocĂŞ me acuse, critique ou explore, ande uma milha nos meus sapatos.
Os Amantes
Amor, Ă© falso o que dizes;
Teu bom rosto Ă© contrafeito;
Busca novos infelizes
Que eu inda trago no peito
Mui frescas as cicatrizes;O teu meu Ă© mel azedo,
NĂŁo creio em teu gasalhado,
Mostras-me em vĂŁo rosto ledo;
Já estou muito escaldado,
Já d’águas frias hei medo.Teus prĂ©mios sĂŁo pranto e dor;
Choro os mal gastados anos
Em que servi tal senhor,
Mas tirei dos teus enganos
O sair bom pregador.Fartei-te assaz a vontade;
Em vĂŁos suspiros e queixas
Me levaste a mocidade,
E nem ao menos me deixas
Os restos da curta idade?És como os cães esfaimados
Que, comendo os troncos quentes
Por destro negro esfolados,
Levam nos ávidos dentes
Os ossos ensanguentados.Bem vejo a aljava dourada
Os ombros nus adornar-te;
Amigo, muda de estrada,
Põe a mira em outra parte
Que daqui nĂŁo tiras nada.Busca algum fofo morgado
Que, solto já dos tutores,
Ao domingo penteado,
Vá dizendo à toa amores
Pelas pias encostado;
Sais para um passeio e o mundo abre-se para ti. E antes que tenhas esticado as tuas pernas apropriadamente, ele fecha-se. Daà em diante tudo é apenas iluminado por uma lanterna. E eles chamam a isto ter vivido. Nem vale o trabalho de calçar os sapatos.
Os Sinos
1
Os sinos tocam a noivado,
No Ar lavado!
Os sinos tocam, no Ar lavado,
A noivado!Que linda criança que assoma na rua!
Que linda, a andar!
Em extasi, o povo commenta que Ă© a Lua,
Que vem a andar…Tambem, algum dia, o povo na rua,
Quando eu cazar,
Ao ver minha noiva, dirá que é a Lua
Que vae cazar…2
E o sino toca a baptizado
Que lindo fado?
E o sino toca um lindo fado,
A baptizado!E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o lavar,
E banham o anjinho na agoa de neve,
Para o sujar.Ă“ boa madrinha, que o enxugas de leve,
Tem dĂł d’esses gritos! Comprehende esses ais:
Antes o enxugue a Velha! antes Deus t’o leve!
NĂŁo soffre mais…3
Os sinos dobram por anjinho,
Coitadinho!
Os sinos dobram, coitadinho…
Pelo anjinho!Que aceiada que vae p’ra cova!
Olhae! olhae!
Sapatinhos de sola nova,
Olhae!
Sempre tive pena mim mesmo, porque não tinha sapatos até um dia que encontrei um homem que não tinha pés.
Há mais ingratos que sapatos.
Prazeres
O primeiro olhar da janela de manhĂŁ
O velho livro de novo encontrado
Rostos animados
Neve, o mudar das estações
O jornal
O cĂŁo
A dialéctica
Tomar duche, nadar
Velha mĂşsica
Sapatos cĂłmodos
Compreender
MĂşsica nova
Escrever, plantar
Viajar, cantar
Ser amável.
Assim como o negĂłcio dos alfaiates Ă© fazer roupas, e o negĂłcio dos sapateiros Ă© remendar sapatos, o negĂłcio dos cristĂŁos Ă© orar.
A Força Exacta é Violência
a Força Exacta é violência.
a Força em espirro, ao acaso, não é violência, é existência.
O mal é Fixar a Força (direccioná-la) porque a natureza espon-
tânea não o FAZ.
Natural é ser FORTE, isto é, avançar.
Violento é o Percurso que antecede o viajante. Antes dos pés:
Sapatos; a estrada.
A Força Exacta é violência.
A natureza não tem, nunca teve, Forças EXACTAS.
E tudo o que o homem faz é tornar exacta a FORÇA.
Ser violento Ă© construir; todo o EdifĂcio Ă© violĂŞncia.
O homem Ă© o Exacto da Natureza; a falha NATURAL; o Erro.
Deus errou:
fez o homem EXACTO.
Quando Somos Felizes
– Parece-me uma grande felicidade que, quando se olhe para o mundo, pareça sempre que Ă© a primeira vez que o fazemos.
– É uma grande tristeza — disse ela a soluçar.
– É a maior infelicidade. Eu, quando olho para as coisas quero que elas me sejam familiares, como o meu tio e o meu marido, como o pĂŁo que se come Ă s refeições. Quero deitar-me sempre com o mesmo homem, com os mesmos lábios. Quero que os lençóis de hoje me pareçam os lençóis de ontem, mesmo que os bordados sejam completamente diferentes. NĂŁo quero que os beijos que recebo sejam novos, quero que sejam velhos, quero que sejam os de sempre. NĂŁo me quero sobressaltar como quando era jovem. Uma pessoa sĂł pode ter paz quando está ao pĂ© das mesmas coisas, quando nem repara nelas, porque elas já fazem parte de si, como se as tivesse comido e mastigado e engolido e agora fossem carne da sua carne e sangue do seu sangue. SĂł somos felizes quando já nĂŁo sentimos os sapatos nos pĂ©s.
Corpo
quantas cidades
te percorrem passo a passo
antes de entrar nos mil lares
que te aguardam
Ă© mesmo preciso usar sapatos
porque nĂŁo gastar na pedra
uma pele que se lixa longe do
tacto
dentro do Ă´nibus os dias
viajam sentados
em meio a ombros colados
tĂşneis esgoto bichos
sorvetes coxas anĂşncios
uma criança um adulto
modelam a cidade
na areia
longeperto do coração onde
uma cabeça gira o
mundo
correndo na grama a sombra
de quantos assistem sentados
enquanto das traves pende
o corpo de um de todos
enforcado
enquanto as orelhas ouvem
ouvem
e nĂŁo gritam
há um fora dentro da gente
e fora da gente um dentro
demonstrativos pronomes
o tempo o mundo as pessoas
o olho
Dá Deus botas a quem já tem sapatos.
Mancebo Sem Dinheiro, Bom Barrete
Mancebo sem dinheiro, bom barrete,
MedĂocre o vestido, bom sapato,
Meias velhas, calção de esfola-gato,
Cabelo penteado, bom topete.Presumir de dançar, cantar falsete,
Jogo de fidalguia, bom barato,
Tirar falsĂdia ao Moço do seu trato,
Furtar a carne Ă ama, que promete.A putinha aldeĂŁ achada em feira,
Eterno murmurar de alheias famas,
Soneto infame, sátira elegante.Cartinhas de trocado para a Freira,
Comer boi, ser Quixote com as Damas,
Pouco estudo, isto Ă© ser estudante.
O método estoico de enfrentar as necessidades suprimindo os desejos equivale a cortar os pés para não precisar de sapatos.