Temos tanta pressa de fazer algo, escrever, amontoar bens e deixar ouvir a nossa voz no silêncio enganador da eternidade que esquecemos a única coisa em relação à qual as outras não são mais do que meras partes: viver.
Passagens sobre Silêncio
845 resultadosA Melhor Maneira de Viajar é Sentir
Afinal, a melhor maneira de viajar é sentir.
Sentir tudo de todas as maneiras.
Sentir tudo excessivamente,
Porque todas as coisas são, em verdade, excessivas
E toda a realidade é um excesso, uma violência,
Uma alucinação extraordinariamente nítida
Que vivemos todos em comum com a fúria das almas,
O centro para onde tendem as estranhas forças centrífugas
Que são as psiques humanas no seu acordo de sentidos.Quanto mais eu sinta, quanto mais eu sinta como várias pessoas,
Quanto mais personalidade eu tiver,
Quanto mais intensamente, estridentemente as tiver,
Quanto mais simultaneamente sentir com todas elas,
Quanto mais unificadamente diverso, dispersadamente atento,
Estiver, sentir, viver, for,
Mais possuirei a existência total do universo,
Mais completo serei pelo espaço inteiro fora.
Mais análogo serei a Deus, seja ele quem for,
Porque, seja ele quem for, com certeza que é Tudo,
E fora d’Ele há só Ele, e Tudo para Ele é pouco.Cada alma é uma escada para Deus,
Cada alma é um corredor-Universo para Deus,
Cada alma é um rio correndo por margens de Externo
Para Deus e em Deus com um sussurro soturno.
A Distorção do Entendimento
Que difícil é propor um problema ao entendimento alheio sem corromper esse entendimento pela maneira de propor! Se dizemos: acho isto belo, acho obscuro, ou outra coisa semelhante, arrastamos a imaginação para este juízo, ou irritamo-la, levando-a ao juízo contrário. Mais vale nada dizer, e então o outro julga segundo o que é, ou segundo o que é naquele momento, e de acordo com o que as outras circunstâncias, de que não somos responsáveis, lá tiverem posto. Mas pelo menos nós não pusemos nada; a não ser que o nosso silêncio tenha também o seu efeito, segundo o sentido e a interpretação que ele estiver disposto a atribuir-lhe, ou segundo o que depreende dos movimentos e da expressão do rosto, ou do tom de voz, conforme for melhor ou pior fisionomista: tão difícil é não deslocar um entendimento da sua base natural, ou antes, tão pouco um entendimento tem de firme e estável!
As Mães?
Fossem estes dias uma fonte que
brotasse.
Manchas de azul, um rasto de neve em pleno céu,
colmeias,
mel, uma exaltação de asas.Mas é assim:
metais que revestem a pele e as armaduras,
bronze, ferro, formas que perduram, malhas, ameaçados
tecidos que nos moldam —
quem borda ainda,
quem se atreve à minúcia das rendas?As mães?
elas vinham cedo, eram como um rumor de levadas,
atravessando as terras.
Eram as mesmas mãos trabalhando sedas, afagos e
uma conspiração de cores e agulhas frias,
mães de silêncio bordando a treva e o sono, a longa
noite dos filhos.Herdei uma beleza amarga,
o temor das sombras, dos relâmpagos que embatiam
na infância,
no dorso das colinas,
no coração mais triste.Um estrondo de muralhas, diques, batalhas que
deflagram,
uma ciência aterradora:
não quero outra véspera de espadas, a coroação do
sangue,
patíbulos onde a cabeça se expande,
rolando como a poeira e os astros,
repercutindo como um sino no choro das mães.Não quero um bordado de horas antigas,
A sinceridade jamais pode ser a razão para magoar alguém. Ser sincero é também saber escolher o que dizer e o que calar. Não devemos dizer tudo quanto pensamos, mais ainda se não o tivermos pensado com honestidade e inteligência. O silêncio é parte essencial da verdade e da sinceridade.
Todos os amores começam assim. No silêncio de um olhar, no silêncio de uma mão dependente da outra, de outra mão vadia a vaguear pela cidade nocturna do teu corpo, no silêncio dos lábios trincados, trocados, massajados, abraçados e voltados a abraçar. Todos os amores são silêncio estendido.
gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te
gruas no cais descarregam mercadorias e eu amo-te.
homens isolados caminham nas avenidas e eu amo-te.
silêncios eléctricos faíscam dentro das máquinas e eu amo-te.
destruição contra o caos, destruição contra o caos e eu amo-te.
reflexos de corpos desfiguram-se nas montras e eu amo-te.
envelhecem anos no esquecimento dos armazéns e eu amo-te.
toda a cidade se destina à noite e eu amo-te.
Nocturno
Uma casa navega no tempo
como um barco subindo o rio
Por fim sem marinhagem por fim sem mastreação.
Por fim ancorada nas janelas exorbitadas
onde as luzes são paisagens lunares
e o silêncio tem um perfil negro.
Por fim ancorada nas abordagens sem presas.Ancorada a vedes: abrigo de cães.
Obscuro Domínio
Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lábios fendidos.Deslizar pela vertente
da garganta, ser música
onde o silêncio aflui
e se concentra.Irreprimível queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilaceradaPenetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegável
golfo do desejo,onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas águas nuas.
Ergo Meus Olhos
Ergo meus olhos vagos, na distância
Da sombra do meu Ser…
Pairam de mim além, e a minha Ânsia
Cansa de me viver.Meus olhos espectrais de comoção,
Olhos da alma, olhando-se a si,
Nimbam de luz a longa escuridão
Da vida que vivi.Auréola de Dor, que finaliza
Na noite do abismo do meu nada;
Silêncio, prece, comunhão sagrada,
Sombra de luz que em Ti me diviniza,
Tortura do meu fim,
Alma ungida
E perdida
Na grandeza de Si. E já sem ver-me,
Maceração crepuscular de Mim,
Agonizo de Ser-me.
Adagas Cujas Jóias Velhas Galas
Adagas cujas jóias velhas galas…
Opalesci amar-me entre mãos raras,
E fluido a febres entre um lembrar de aras,
O convés sem ninguém cheio de malas…O íntimo silêncio das opalas
Conduz orientes até jóias caras,
E o meu anseio vai nas rotas claras
De um grande sonho cheio de ócio e salas…Passa o cortejo imperial, e ao longe
O povo só pelo cessar das lanças
Sabe que passa o seu tirano, e estrugeSua ovação, e erguem as crianças
Mas o teclado as tuas mãos pararam
E indefinidamente repousaram…
No muito falar há muito desgaste. É preferível guardar silêncio
No muito falar há muito desgaste. É preferível guardar silêncio.
Espero Curar-me em Tua Intenção
O que me eleva, o que em mim perdurará, é a felicidade de ser amado por ti. Veneza, o Grande Canal, a Piazzetta, a Praça de S. Marcos – um mundo desvanecido. Tudo se torna objectivo como uma obra de arte. Instalei-me num imenso palácio debruçado para o Grande Canal, de que neste momento sou o único habitante. Salas enormes, espaçosas, onde vagueio à minha vontade. Tendo a minha instalação uma importância grande no aspecto técnico e material do meu trabalho, nela ponho todo o meu cuidado. Escrevi logo para que me mandem o «Erard». Soará admiravelmente nos salões do meu palácio. O singular silêncio do Canal convém-me às mil maravilhas. Só deixo a casa pelas cinco horas, para ir comer. Depois passeio pelo jardim público; breve paragem na Praça de S. Marcos, de um tão teatral efeito, por entre uma multidão que me é completamente estranha e apenas me distrai a imaginação. Pelas nove horas regresso de gôndola, encontro o candeeiro aceso, e leio um pouco antes de adormecer…
Esta solidão, único alvo que procuro e que aqui se torna agradável, anima-me. Sim, espero curar-me em tua intenção. Conservar-me para ti significa consagrar-me à minha arte. Tornar-me tua consolação,
O silêncio só é necessário quando não se tem nada de válido a dizer. Ele faz com que até os idiotas pareçam sábios por um minuto.
Aqueles que têm um grande autocontrole, ou que estão totalmente absortos no trabalho, falam pouco. Palavra e acção juntas não andam bem. Repare na natureza: trabalha continuamente, mas em silêncio.
A Avidez da Morte
Quem nos contará
o que o morto sabia
mas não disse?
Quem há-de escrever as cartas
que o morto não escreveu?
Qual de nós poderá lembrar-se
de quem só o morto ainda tinha lembrança?
Quem amará a mulher que apenas o morto amava?Quem há-de medir o vazio,
a herança de silêncio
que a Morte nos deixou?
O sofrimento em silêncio, causa uma doença silenciosa: A Insanidade Mental.
E como podes ver, ainda falo demasiadamente, e isto é sinal de que não sou sábia, porque a virtude se adquire no silêncio.
Luar
Pelas esferas, nuvens peregrinas,
Brandas de toques, encaracoladas,
Passam de longe, tímidas, nevadas,
Cruzando o azul sereno das colinas.Sombras da tarde, sombras vespertinas
Como escumilhas leves, delicadas,
Caem da serra oblonga nas quebradas,
Vão penumbrando as coisas cristalinas.Rasga o silêncio a nota chã, plangente,
Da Ave-Maria, — e então, nervosamente,
Nuns inefáveis, espontâneos jorrosEsbate o luar, de forma admirável,
Claro, bondoso, elétrico, saudável,
Na curvilínea compridão dos mortos.
As grandes verdades só se comunicam através do silêncio.