Sentir a Felicidade
EntĂŁo isso era a felicidade. E por assim dizer sem motivo. De inicio se sentiu vazia. Depois os olhos ficaram hĂșmidos: era felicidade, mas como sou mortal, como o amor pelo mundo me transcende. O amor pela vida mortal a assassinava docemente, aos poucos. E o que Ă© que eu faço? Que faço da felicidade? Que faço dessa paz estranha e aguda, que jĂĄ estĂĄ começando a me doer como uma angĂșstia, como um grande silĂȘncio? A quem dou minha felicidade, que jĂĄ estĂĄ começando a me rasgar um pouco e me assusta? NĂŁo, nĂŁo quero ser feliz. Prefiro a mediocridade. Ah, milhares de pessoas nĂŁo tĂȘm coragem de pelo menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida que Ă© sentir-se feliz, e preferem a mediocridade.
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosSe a palavra dita a tempo vale uma moeda, o silĂȘncio, a seu tempo, duas.
Eis-me
Eis-me
Tendo-me despido de todos os meus mantos
Tendo-me separado de adivinhos mĂĄgicos e deuses
Para ficar sozinha ante o silĂȘncio
Ante o silĂȘncio e o esplendor da tua faceMas tu Ă©s de todos os ausentes o ausente
Nem o teu ombro me apoia nem a tua mĂŁo me toca
O meu coração desce as escadas do tempo
[em que nĂŁo moras
E o teu encontro
SĂŁo planĂcies e planĂcies de silĂȘncioEscura Ă© a noite
Escura e transparente
Mas o teu rosto estå para além do tempo opaco
E eu nĂŁo habito os jardins do teu silĂȘncio
Porque tu Ă©s de todos os ausentes o ausente
Rio Abaixo
Treme o rio, a rolar, de vaga em vaga…
Quase noite. Ao sabor do curso lento
Da ĂĄgua, que as margens em redor alaga,
Seguimos. Curva os bambuais o vento.Vivo, hĂĄ pouco, de pĂșrpura, sangrento,
Desmaia agora o Ocaso. A noite apaga
A derradeira luz do firmamento…
Rola o rio, a tremer, de vaga em vaga.Um silĂȘncio tristĂssimo por tudo
Se espalha. Mas a lua lentamente
Surge na fĂmbria do horizonte mudo:E o seu reflexo pĂĄlido, embebido
Como um glĂĄdio de prata na corrente,
Rasga o seio do rio adormecido.
Erra, Fio mortal da Alma, o Destino
Erra, fio mortal da alma, o destino.
Porém, trémulo, o não temo.
Seco serĂĄ o poder do nada, o silĂȘncio
dos deuses ou o rosto corrompido
dos homens. Estas folhas ĂĄsperas
e pĂĄlidas entardecem e conhecem-me.
O ar que queima, sem arder, a pedra
da manhĂŁ ou o inigualado luto
da noite, Ă© solene, Ă© suave,
inexorĂĄvel princĂpio de tudo
quanto existirĂĄ. Ă ido o sonho
do fogo, a exacta vida, sucumbe
o corpo no vazio enigma da cĂłlera
divina. Dura, sem medida, a excessiva,
a Ă©bria, a avara solidĂŁo, neste ar
perene que, no odor da terra se
oculta. SĂł minha absurda aparĂȘncia
a Ave dilacera.
Milhares de vidas foram encerradas subitamente pelo, por atos desprezĂveis de terror. As imagens de aviĂ”es voando contra edifĂcios, o fogo queimando, grandes estruturas em colapso, encheram-nos com a descrença, a tristeza terrĂvel e um silĂȘncio, inflexĂvel de raiva.
Ă de mim agora que eu preciso falar, mesmo se eu tiver que fazĂȘ-lo com sua lĂngua, serĂĄ um começo, um passo em direção ao silĂȘncio e ao fim da loucura.
A Vantagem do Aforismo
Conviria talvez distinguir entre os aforismos e nĂŁo os adorar a todos igualmente nem passar sobre todos a mesma condenação desdenhosa. O aforismo nem sempre traduz o desprezo da razĂŁo ou uma mal entendida liberdade. HĂĄ aforismos que sĂŁo como pequenos capĂtulos do livro que se quereria escrever, como fotografias tiradas momento a momento dos passos de um homem que marcha direito e firme pela sua estrada; podem ser tĂŁo logicamente encadeados entre si, constituir tĂŁo seguro edifĂcio como o tratado que se vai completando no vagar e no silĂȘncio. HĂĄ porventura atĂ© algum merecimento a descobrir neste mĂ©todo; porei em primeiro lugar a tendĂȘncia que nele pode haver para uma fuga da retĂłrica, para uma negativa ante o desejo de encher mais uma pĂĄgina; a mĂ©topla do templo, com o seu fixo, restrito quadro, leva o artista a concentrar-se, a exprimir o mĂĄximo de ideias no mĂnimo de figuras e gestos. Por outro lado, Ă© inegĂĄvel que a obra extensa Ă© pouco acessĂvel Ă queles mesmos que mais precisam de cultura, que duas ou trĂȘs frases, esplĂȘndidas no seu isolamento, enĂ©rgicas e nĂtidas, lhes ficam mais gravadas no espĂrito do que longos monĂłlogos.
E do silĂȘncio tem vindo o que Ă© mais precioso que tudo: o prĂłprio silĂȘncio.
Viver pela EvidĂȘncia
Creio que jĂĄ falei disto. Mas de que Ă© que diabo se nĂŁo falou jĂĄ? Se nĂŁo falĂĄmos nĂłs, falaram os outros, que tambĂ©m sĂŁo gente. E no entanto, de cada vez se fala pela primeira vez, porque o que importa nĂŁo Ă© o que se sabe mas o que se vĂȘ. E ver Ă© ver sempre de outra maneira para aquele que vĂȘ. Quantas vezes se falou da morte e da vida e do amor e de mil outras coisas sisudas? Mas volta-se sempre Ă mesma, porque o saber pela evidĂȘncia Ă© saber pela primeira vez; e uma dor que nos dĂłi ou uma alegria que nos alegra nĂŁo doeu nem alegrou senĂŁo a nĂłs. De modo que de novo me intriga a extraordinĂĄria desproporção entre o complexo de uma vida e a coisa chilra que dela resulta.
Mesmo os grandes homens, que sĂŁo maiores do que nĂłs, que Ă© que nos deixaram em testamento? Um livro, uma ideia, uma fĂłrmula. E os que nada nos deixaram? Mas uma vida Ă© fantĂĄstica pelo que nela aconteceu. HĂĄ assim um desperdĂcio extraordinĂĄrio, uma pura perda do que se amealhou. RelaçÔes, sentimentos, projectos, acçÔes correntes que foram desencadear mil efeitos maus ou Ășteis.
NĂŁo hĂĄ absolutamente nenhuma vantagem em se defender a nĂŁo ser em certas cincunstĂąncias em
NĂŁo hĂĄ absolutamente nenhuma vantagem em se defender a nĂŁo ser em certas cincunstĂąncias em que o silĂȘncio causaria desgosto ou escĂąndalo.
A vingança do sĂĄbio desatendido ou maltratado Ă© o silĂȘncio.
O silĂȘncio Ă© o espaço que envolve toda a acção e vida em comum. A amizade nĂŁo precisa de palavras: Ă© a solidĂŁo livre da angĂșstia da solidĂŁo.
A Minha FamĂlia Ă© a Minha Casa
A solidĂŁo absoluta Ă© nĂŁo ter ninguĂ©m a quem dizer um simples: âtenho vontade de chorarâ. NĂŁo precisamos de muito para viver bem â para ser feliz basta uma famĂlia e pouco mais.
A famĂlia Ă© a casa e a paz. O refĂșgio onde uma vontade de chorar nĂŁo Ă© motivo de julgamento, apenas e sĂł uma necessidade sĂșbita de… famĂlia. De um equilĂbrio para o qual o outro Ă© essencial… assim tambĂ©m se passa com a vontade de sorrir que, em famĂlia, se contagia apenas pelo olhar.
Nos dias de hoje vai sendo cada vez mais difĂcil encontrar gente capaz de ser famĂlia. Os egoĂsmos abundam e cultiva-se, sozinho, o individual. Como se nĂŁo houvesse espaço para o amor. Dizem que amar Ă© arriscado, que Ă© coisa de loucos…
Todos temos sentimentos mais profundos. Cada um de nĂłs Ă© uma unidade, mas o que somos passa por sermos mais do que um. Parte de unidades maiores. Estamos com quem amamos e quem amamos tambĂ©m estĂĄ, de alguma forma, connosco. O amor Ă© o que existe entre nĂłs e nos enlaça os sentimentos mais profundos. Onde uma vontade de chorar Ă© um sinal de que hĂĄ algo em mim que Ă© maior do que eu…
Ăs como o Ar que Respiro
Qual Ă© a força extraordinĂĄria que possuis? â pergunto muitas vezes a mim mesmo. Dois ou trĂȘs princĂpios cristĂŁos inabalĂĄveis â e por trĂĄs milhares de seres que desapareceram ignorados, cumprindo a vida ignorada. Nem sequer se debateram. Entregaram-se. Confiaram. A mulher portuguesa comunica ao lar a ternura com que os pĂĄssaros aquecem o ninho. Sua vida dĂĄ luz, para alumiar os outros. Foi assim com tĂŁo pequenos meios, que me ensinaste. Com uma palavra e mais nada, com um simples olhar, com silĂȘncio e mais nada. Uma atitude fazia-me pensar. E mal sabes tu quando Os teus dedos ĂĄgeis trabalhavam a meu lado, teciam ao mesmo tempo o pano grosso de casa e a nossa vida espiritual.
E como tu milhares de seres tĂȘem cumprido a vida em silĂȘncio, aceitando-a sem exageros. Nas mĂŁos das mulheres atĂ© as coisas vulgares que se fazem na aldeia, cozer o pĂŁo, lançar a teia â assumem um carĂĄcter sagrado. Elas passam desconhecidas e dispĂ”em dum poder extraordinĂĄrio. MantĂȘem a vida ordenada com um sorriso tĂmido. A mulher estĂĄ mais perto que nĂłs da natureza e de Deus.
Cada vez me aproximo mais de ti. O que hĂĄ de puro em mim a ti o devo.
Ăngelus
Desmaia a tarde. Além, pouco e pouco, no poente,
O sol, rei fatigado, em seu leito adormece:
Uma ave canta, ao longe; o ar pesado estremece
Do Ăngelus ao soluço agoniado e plangente.Salmos cheios de dor, impregnados de prece,
Sobem da terra ao céu numa ascensão ardente.
E enquanto o vento chora e o crepĂșsculo desce,
A ave-maria vai cantando, tristemente.Nest’hora, muita vez, em que fala a saudade
Pela boca da noite e pelo som que passa,
Lausperene de amor cuja mĂĄgoa me invade,Quisera ser o som, ser a noite, Ă©bria e douda
De trevas, o silĂȘncio, esta nuvem que esvoaça,
Ou fundir-me na luz e desfazer-me toda.
Este Ă© o Papel Singular da Alegria
Este Ă© o papel singular da alegria
a lei errante do paĂs
Ă© o maior dos silĂȘncios.Caminhei por entre rios pontos de ĂĄgua
estaçÔes de novembro
pequena razĂŁo dos ventos da manhĂŁ.NĂŁo trafiquei nĂŁo porque seja forte
mas porque falo da alegria do estar sobre vĂłs
nestes pontos de ĂĄgua
na acidez da flor
neste paĂs frequentadoalgumas coisas nunca mudarĂŁo. O rigor
da luz torna invulnerĂĄvel o desejo de perder
esta pressa de verĂŁo.Algumas coisas serĂŁo sempre as mesmas: manhĂŁ
encosta o teu ouvido sobre a porta escuta
era a voz os cavaleiros roubados a Ucello
longĂnquos.(Profanamos a casa nĂŁo o corpo
esta forma desenhada ruga a ruga
esta cor amarela sobre a praia.)
MĂłdulo
Alguém te considera e te recolhe
das hélades perdidas.Um navio sem hélice levanta
seu voo de silĂȘncio, desdobrando
as velas que te alindam na distĂąncia
da noite mais antiga.Os deuses se juntaram para ouvir
a leitura solene de teu nome
disperso no poema.
Tudo o mais
Ă© sinal de ruptura, senĂŁo rapto.
Se Eu Agora Inventasse o Mundo
Se eu agora inventasse o mundo
criaria a luz da manhĂŁ jĂĄ explicada
sem o luto que pesa
na sombra dos homens
– conspiração da noite
com as pedras.Luz que o cheiro das ervas da madrugada
aproxima os mortos do silĂȘncio
com esqueletos de asas
– conluio com o sol
para estarem mais presentes
no tacto da pele da manhĂŁ,
mil mĂŁos a afogarem a paisagem,
bafo de flores donde cai
o enlace das sementes…Abro a janela
O mundo cheira tĂŁo bem a trevos ausentes!Bons dias, mortos. Bons dias, Pai.
Uma Doença CĂșmplice
uma doença cĂșmplice, marcas pĂșrpura
dĂŁo ao teu rosto a expressĂŁo do exĂlio
a que te submetes, gemeste
toda a noite, soçobrasteà febre alta do final da tarde, uma prega,
vincada no teu rosto,
mantém-te inanimado
entre a vigĂlia e a injĂșriaque hĂĄ no sacrifĂcio
e te pÔe a carne em chaga.
uma doença altiva, a consistĂȘnciado silĂȘncio Ă© como aço e o transe
permanece, Ă© superiormente excessiva
tanta angĂșstia.