Vive o Instante que Passa
Vive o instante que passa. Vive-o intensamente atĂ© Ă Ășltima gota de sangue. Ă um instante banal, nada hĂĄ nele que o distinga de mil outros instantes vividos. E no entanto ele Ă© o Ășnico por ser irrepetĂvel e isso o distingue de qualquer outro. Porque nunca mais ele serĂĄ o mesmo nem tu que o estĂĄs vivendo. Absorve-o todo em ti, impregna-te dele e que ele nĂŁo seja pois em vĂŁo no dar-se-te todo a ti. Olha o sol difĂcil entre as nuvens, respira Ă profundidade de ti, ouve o vento. Escuta as vozes longĂnquas de crianças, o ruĂdo de um motor que passa na estrada, o silĂȘncio que isso envolve e que fica. E pensa-te a ti que disso te apercebes, sĂȘ vivo aĂ, pensa-te vivo aĂ, sente-te aĂ. E que nada se perca infinitesimalmente no mundo que vives e na pessoa que Ă©s. Assim o dom estĂșpido e miraculoso da vida nĂŁo serĂĄ a estupidez maior de o nĂŁo teres cumprido integralmente, de o teres desperdiçado numa vida que terĂĄ fim.
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosVontade de pedir silĂȘncio. Porque nĂŁo seria necessĂĄria mais nenhuma palavra um segundo antes ou depois de dizerem ao mesmo tempo: – quero ficar com vocĂȘ.
Meto-me para Dentro
Meto-me para dentro, e fecho a janela.
Trazem o candeeiro e dĂŁo as boas noites,
E a minha voz contente dĂĄ as boas noites.
OxalĂĄ a minha vida seja sempre isto:
O dia cheio de sol, ou suave de chuva,
Ou tempestuoso como se acabasse o Mundo,
A tarde suave e os ranchos que passam
Fitados com interesse da janela,
O Ășltimo olhar amigo dado ao sossego das ĂĄrvores,
E depois, fechada a janela, o candeeiro aceso,
Sem ler nada, nem pensar em nada, nem dormir,
Sentir a vida correr por mim como um rio por seu leito.
E lĂĄ fora um grande silĂȘncio como um deus que dorme.
NĂŁo Ă© bom que toda a verdade revele tranquilamente a sua essĂȘncia; e muitas vezes o silĂȘncio Ă© para o homem a melhor decisĂŁo.
As MĂŁos
Brandamente escrevem dos espasmos do sol.
Envelhecem do pulso ao cérebro, ao calor baço
de um revérbero no eixo dos ventos, usura
das mĂĄscaras que, sucessivamente, as transformamde consciĂȘncia em cal ou metal obscuro.
E jå não é por si que a presença existe ou
subsiste o que separa. Destroem as sementes,
apodrecem como um sopro e nĂŁo sĂŁo remansona areia ou domadoras de chamas. Igualam-se
Ă ĂĄgua, para serem raiz do que se cala
e insinuam-se, para sempre, no pĂł da noite.Um castelo de pele tomba. Deixam de ser
nomeadas ou nome. Escrevem, brandamente,
do termo da mĂșsica o luto do silĂȘncio.
O silĂȘncio Ă© a minha maior tentação. As palavras, esse vĂcio ocidental, estĂŁo gastas, envelhecidas, envilecidas. Fatigam, exasperam. E mentem, separam, ferem. TambĂ©m apaziguam, Ă© certo, mas Ă© tĂŁo raro! Por cada palavra que chega atĂ© nĂłs, ainda quente das entranhas do ser, quanta baba nos escorre em cima a fingir de mĂșsica suprema! A plenitude do silĂȘncio sĂł os orientais a conhecem.
Quem quiser ouvir a voz sincera da consciĂȘncia precisa saber fazer silĂȘncio em torno de si e dentro de si.
Peço a Paz
Peço a paz
e o silĂȘncioA paz dos frutos
e a mĂșsica
de suas sementes
abertas ao ventoPeço a paz
e meus pulsos traçam na chuva
um rosto e um pãoPeço a paz
silenciosamente
a paz a madrugada em cada ovo aberto
aos passos leves da morteA paz peço
a paz apenas
o repouso da luta no barro das mĂŁos
uma lĂngua sensĂvel ao sabor do vinho
a paz clara
a paz quotidiana
dos actos que nos cobrem
de lama e solPeço a paz e o
silĂȘncio
Um PĂĄssaro a Morrer
NĂŁo Ă© vida nem morte, Ă© uma passagem,
nem antes nem depois: somente agora,
um minuto nos tantos duma hora.
Uma pausa. Um intervalo. Uma viragem.Prisioneira de mim, onde a coragem
de quebrar as algemas, ir-me embora,
se tudo o que em mim ria agora chora,
se jå não me seduz outra viagem?E nada disto é céu nem é inferno.
Tristeza, sĂł tristeza. Sol de Inverno,
sem uma flor a abrir na minha mĂŁo,sem um bĂșzio a cantar ao meu ouvido.
SĂł tristeza, um silĂȘncio desmedido
e um påssaro a morrer: meu coração.
Conserto a Palavra
Conserto a palavra com todos os sentidos em silĂȘncio
Restauro-a
Dou-lhe um som para que ela fale por dentro
Ilumino-aEla Ă© um candeeiro sobre a minha mesa
Reunida numa forma comparada Ă lĂąmpada
A um zumbido calado momentaneamente em exameEla nĂŁo se come como as palavras inteiras
Mas devora-se a si mesma e restauro-a
A partir do vĂłmito
Volto devagar a colocĂĄ-la na fomePerco-a e recupero-a como o tempo da tristeza
Como um homem nadando para trĂĄs
E sou uma energia para elaE ilumino-a
O silĂȘncio, o que Ă© o silĂȘncio? perguntei ao mestre. – Uma floresta cheia de ruĂdo.
O Amigo
Embora seja teu amigo
nĂŁo nos encontraremos nunca.
Jamais verĂĄs a minha sombra
quando eu caminhar ao teu lado
nem ouvirĂĄs minhas palavras
se um dia eu te gritar bem alto.
SĂł no momento em que morreres
Ă© que irei ao teu encontro.
E para sempre ficarei
em teu silĂȘncio e solidĂŁo
de homem morto e abandonado.
Saudade SĂł
Hoje vieste ver-me
a troco de um pensamento
que nĂŁo se esconde
na ressonĂąncia adormecida
num olimpo.Vieste e trazias
um ramo de palavras cintilantes,
flores que pacientemente
escorrem entre o alfa e o omega
como um perfume de tempo.Hoje a tua visita
apareceu Ă janela do tempo
que a paisagem do nosso olhar
incendeia num vespertino silĂȘncio.De corpo cansado
das pedras que colhi
na paisagem transparente erguida
adormeci na pausa
tĂŁo perfeitamente adormecida
do nosso paraĂso
que tarda a acontecer.Hoje vieste ver-me
E, sem ter de tocar
no mĂĄrmore da paixĂŁo,
contigo fui devagar
ver o tempo passado para nele escrever
o tempo do amor
voz da nossa idade
que nossos olhos cantam
no canto do nosso olhar.
Qualquer escritor que passa muito tempo sozinho e em silĂȘncio termina por sentir que Ă© um mĂ©dium. Ouve vozes, conecta-se em nĂveis muito profundos com a realidade.
O silĂȘncio tornou-se a sua lĂngua materna.
Eu Peneiro o EspĂrito e Crivo o Ritmo
Eu peneiro o espĂrito e crivo o ritmo
Do sangue no amor, o movimento para fora
O desabrigo completo. Peneiro os mĂșltiplos
Sentidos da palavra que sopra a sua voz
Nos pulsos. Crivo a pulsação do canto
E encontro
O silĂȘncio inigualĂĄvel de quem escutaEis porque as minhas entranhas vibram de modo igual
Ao da cĂtaraEu peneiro as entranhas e encontro a dor
De quem toca a cĂtara. A frĂĄgil raiz
De quem criva horas e horas a vida e encontra
A corda mais azul, a veia inesgotĂĄvel
De quem ama
Encontro o silĂȘncio nas entranhas de quem cantaEis porque o amor vibra no espĂrito de quem criva
O mĂșsico incompleto peneira a ideia das formas
Eu sopro a ĂĄgua viva. Crivo
O sofrimento demorado do canto
Encontro o mistério
Da cĂtara
Amo-te Tanto
amo-te tanto mas hoje tenho de levar o carro ao mecĂąnico, as rodas fazem um barulho estranho, nĂŁo deve ser nada, mas Ă© melhor prevenir, amanhĂŁ prometo que vamos ver que tal se come naquele restaurante novo junto Ă rotunda, e depois levo-te ao cinema, ai nĂŁo que nĂŁo levo,
amo-te tanto mas hoje tenho de ver o treino do miĂșdo, o treinador ligou e disse-me que temos craque, o nosso menino a jogar como gente grande, vĂȘ lĂĄ tu, quando chegar com ele vĂȘ se tens prontinha aquela comida que ele adora, o puto merece, ai nĂŁo que nĂŁo merece,
amo-te tanto mas hoje tenho de ficar atĂ© tarde no escritĂłrio, hĂĄ aquele projecto do estrangeiro para fechar, estĂĄ aqui tudo perdido de nervos, nĂŁo sei se aguento, daqui a pouco ligo-te para saber como vai tudo, o miĂșdo e as coisas aĂ em casa, agora tenho de ir mostrar a esta gente toda como se trabalha, ai nĂŁo que nĂŁo tenho,
amo-te tanto mas hoje tenho de me deitar cedo, amanhĂŁ Ă© aquela reuniĂŁo importante de que te falei, se conseguir o cliente vamos ser tĂŁo felizes, aquela casa, o carro novo, quem sabe?, sĂł tenho de o conseguir convencer,
Balada do Poema que nĂŁo HĂĄ
Quero escrever um poema
Um poema nĂŁo sei de quĂȘ
Que venha todo vermelho
Que venha todo de negro
Ăs de copas Ă s de espadas
Quero escrever um poema
Como de sortes cruzadasQuero escrever um poema
Como quem escreve o momento
Cheiro de terra molhada
Abril com chuva por dentro
E este ramo de alfazema
Por sobre a tua almofada
Quero escrever um poema
Que seja de tudo ou nadaUm poema nĂŁo sei de quĂȘ
Que traga a notĂcia louca
Da histĂłria que ninguĂ©m crĂȘ
Ou esta afta na boca
Esta noite sem sentido
Coisa pouca coisa pouca
Tão aquém do pressentido
Que me dĂłi nĂŁo sei porquĂȘQuero um poema ao contrĂĄrio
Deste estado que padeço
Meu cavalo solitĂĄrio
A cavalgar no avesso
De um verso que não conheçoQue venha de capa e espada
Ou de chicote na mĂŁo
Sobre esta noite acordada
Quero um poema noitada
Um poema até mais nãoQuero um poema que diga
Que nada hĂĄ que dizer
SenĂŁo que a noite castiga
Quem procura uma cantiga
Que nĂŁo Ă© de adormecerPoema de amor e morte
No reino da Dinamarca
Ser ou nĂŁo ser eis a sorte
O resto Ă© silĂȘncio e dor
Poema que traga a marca
Do Castelo de ElsenorQuero o poema que me dĂȘ
Aquela mĂșsica antiga
Da Provença e da Toscùnia
Vinho velho de Chianti
Com Ezra Pound em Rapallo
E versos de Cavalcanti
Ou Guilherme de AquitĂąnia
Dormindo sobre um cavaloE com ele entĂŁo dizer
O meu poema estĂĄ feito
NĂŁo sei de quĂȘ nem sobre quĂȘDormindo sobre um cavalo
Quero o poema perfeito
Que ninguém hå-de escrever
Que ele traga a estrela negra
Do canto e da solidĂŁo
Ou aquela toutinegra
De CamÔes quando escrevia
SĂŽbolos rios que vĂŁoQue venha como um destino
Ăs de copas Ă s de espadas
Que venha para viver
Que venha para morrer
Se tiver que ser serĂĄ
E nĂŁo hĂĄ cartas marcadas
SĂł assim poderĂĄ ser
O poema que nĂŁo hĂĄ
Ă possĂvel impor silĂȘncio ao sentimento; nĂŁo Ă©, porĂ©m, possĂvel marcar-lhe limites.
Para todos os males, hĂĄ dois remĂ©dios: o tempo e o silĂȘncio.