Passagens sobre SilĂȘncio

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Eu embalei-me em silĂȘncio de uma forma tĂŁo profunda e por tanto tempo que nunca mais me consegui exprimir-me usando palavras. Quando falo, apenas me embalo de forma um pouco diferente.

Se uma pessoa comum estĂĄ em silĂȘncio, pode ser uma manobra tĂĄctica. Se um escritor estĂĄ em silĂȘncio, estĂĄ a mentir.

Ao Longo da Escrita deste Livro

No ano passado, em outubro, talvez a 27, sei que foi a uma terça-feira, a minha mĂŁe incentivou-me a dar um passeio. HĂĄ muito que desistiu de me dissuadir dos livros, tanto lĂȘs que treslĂȘs, mas mantĂ©m o hĂĄbito de, cuidadosa, depois de bater Ă  porta com pouca força, entrar no meu quarto e perguntar: nĂŁo te apetece dar um passeio? Na maioria das vezes, nĂŁo tenho disposição para lhe responder mas, nessa tarde, estava a meio de um capĂ­tulo altruĂ­sta e decidi fazer-lhe a vontade. O volante do carro, as minhas mĂŁos a sentirem todas as pedras quase como se estivesse a deslizĂĄ-las na estrada. Estacionei no campo, a pouca distĂąncia de um grupo de homens e mulheres, botas de borracha, que estavam a apanhar azeitona. Espalhavam uma gritaria animada que nĂŁo se alterou quando saĂ­ do carro e me aproximei, boa tarde. Uma vantagem do meu nome Ă© que dispenso alcunha. Olha o Livro, boa tarde. O sol estava a pĂŽr-se. Troquei graças, enquanto dois homens recolheram os panĂ”es carregados debaixo da Ășltima oliveira e os levaram Ă s costas.
Não esqueço o que vi a seguir. As mulheres dobraram os panÔes vazios e dispuseram-nos na terra, em forma de corredor.

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Já Sobre o Coche de Ébano Estrelado

JĂĄ sobre o coche de Ă©bano estrelado,
Deu meio giro a Noite escura e feia,
Que profundo silĂȘncio me rodeia
Neste deserto bosque, Ă  luz vedado!

Jaz entre as folhas ZĂ©firo abafado,
O Tejo adormeceu na lisa areia;
Nem o mavioso rouxinol gorjeia,
Nem pia o mocho, Ă s trevas acostumado.

SĂł eu velo, sĂł eu, pedindo Ă  Sorte
Que o fio com que estĂĄ mih’alma presa
À vil matĂ©ria lĂąnguida, me corte.

Consola-me este horror, esta tristeza,
Porque a meus olhos se afigura a Morte
No silĂȘncio total da Natureza.

Elogio da Morte

I

Altas horas da noite, o Inconsciente
Sacode-me com força, e acordo em susto.
Como se o esmagassem de repente,
Assim me påra o coração robusto.

NĂŁo que de larvas me povĂŽe a mente
Esse vĂĄcuo nocturno, mudo e augusto,
Ou forceje a razĂŁo por que afugente
Algum remorso, com que encara a custo…

Nem fantasmas nocturnos visionĂĄrios,
Nem desfilar de espectros mortuĂĄrios,
Nem dentro de mim terror de Deus ou Sorte…

Nada! o fundo dum poço, hĂșmido e morno,
Um muro de silĂȘncio e treva em torno,
E ao longe os passos sepulcrais da Morte.

II

Na floresta dos sonhos, dia a dia,
Se interna meu dorido pensamento.
Nas regiÔes do vago esquecimento
Me conduz, passo a passo, a fantasia.

Atravesso, no escuro, a névoa fria
D’um mundo estranho, que povĂŽa o vento,
E meu queixoso e incerto sentimento
Só das visÔes da noite se confia.

Que mĂ­sticos desejos me enlouquecem?
Do Nirvana os abismos aparecem,
A meus olhos, na muda imensidade!

N’esta viagem pelo ermo espaço,

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Natal… Natais…

Tu, grande Ser,
Voltas pequeno ao mundo.
NĂŁo deixas nunca de nascer!
Com braços, pernas, mãos, olhos, semblante,
Voz de menino.
Humano o corpo e o coração divino.

Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Em cada estrela sempre pomos a esperança
De que ela seja a mensageira,
E a sua chama azul encha de luz a terra inteira.
Em cada vela acesa, em cada casa, pressentimos
Como um anĂșncio de alvorada;
E ein cada ĂĄrvore da estrada
Um ramo de oliveira;
E em cada gruta o abrigo da criança omnipotente;

E no fragor do vento falas de anjos, e no vĂĄcuo
De silĂȘncio da noite
Estriada de sĂșbitos clarĂ”es,
A presença de Alguém cuja forma é precåria
E a sua essĂȘncia, eterna.
Natal… Natais…
Tantos vieram e se foram!
Quantos ainda verei mais?

Sombras da Madrugada

Vi uma sombra bem unida
a dela e a tua
e a minha sombra jĂĄ esquecida
surpreendida
parou na rua!
os dois bem juntos, tu e ela
nenhum reparou
que a outra sombra era daquela
que tu nĂŁo queres
mas jĂĄ te amou!

É madrugada não importa
neste silĂȘncio hĂĄ mais verdade
a noite Ă© triste e tĂŁo sĂłzinha
parece minha
toda a cidade!
nem um cigarro me conforta
nem o luar hoje me abraça
eu nĂŁo te encontrarei jamais
e nestas noites sempre iguais
sou mais uma sombra que passa
sombra que passa e nada mais.

Ao longo desta madrugada
a sombra da vida
mora nas pedras da calçada
jĂĄ nĂŁo tem nada
anda perdida
quando a manhĂŁ, desce enfeitada
no sol, que a procura
nem sabe quanto a madrugada
chora baixinho
tanta amargura!

NĂŁo hĂĄ necessidade de sair da sala. É suficiente sentar-se Ă  mesa e escutar. Nem sequer Ă© necessĂĄrio escutar, Ă© sĂł esperar. Nem sequer Ă© preciso esperar, Ă© sĂł aprender a ficar em silĂȘncio. O mundo se oferecerĂĄ a vocĂȘ livremente para ser descoberto.

Sobre a Palavra

Entre a folha branca e o gume do olhar
a boca envelhece

Sobre a palavra
a noite aproxima-se da chama

Assim se morre dizias tu
Assim se morre dizia o vento acariciando-te a cintura

Na porosa fronteira do silĂȘncio
a mĂŁo ilumina a terra inacabada

Interminavelmente

Ícaro

A minha Dor, vesti-a de brocado,
Fi-la cantar um choro em melopeia,
Ergui-lhe um trono de oiro imaculado,
Ajoelhei de mĂŁos postas e adorei-a.

Por longo tempo, assim fiquei prostrado,
Moendo os joelhos sobre lodo e areia.
E as multidÔes desceram do povoado,
Que a minha dor cantava de sereia…

Depois, ruflaram alto asas de agoiro!
Um silĂȘncio gelou em derredor…
E eu levantei a face, a tremer todo:

Jesus! ruĂ­ra em cinza o trono de oiro!
E, misérrima e nua, a minha Dor
Ajoelhara a meu lado sobre o lodo.

A amizade começa quando, estando juntas, duas pessoas podem permanecer em silĂȘncio sem se sentirem constrangidas.

A Literatura é a Mais Ameaçada das Formas de Arte

Justamente porque a literatura se funda genericamente na ideia, ela Ă© a mais ameaçada das formas de arte, para lĂĄ do que sabemos da sua aparente maior duração. Ou portanto a mais equĂ­voca. Ou a mais mortal. Porque nas outras artes, a ideia Ă© a nossa tradução do seu silĂȘncio, o modo de uma emoção ser dita ou seja transaccionĂĄvel, um modo irresistĂ­vel de explicar, uma forma afinal de dominarmos o que nos domina, porque nomear Ă© reduzir ao nosso poder aquilo que se nomeia. Mas a forma de arte nĂŁo discursiva permanece intacta ao nosso nomear. A literatura, porĂ©m, Ă© nesse nomear que começa. Na relação da emoção com a palavra que a diz, o seu movimento Ă© inverso do que acontece com a mĂșsica ou a pintura. A emoção de um quadro resolve-se numa palavra terminal. Mas a literatura parte-se dessa palavra para se chegar ĂĄ emoção. Assim pois a «ideia» Ă© o seu elemento nuclear, ainda que uma associação imprevisĂ­vel de palavras a disfarce.

Soneto VI

Ora alegre, ora triste, ou rindo, ou grave,
Ou queda, ou dando passos concertados
Ou tomeis com silĂȘncio altos cuidados,
Ora ouça vossa voz branda e suave;

Ora abertos os olhos (onde a chave
Tem amor do que pode) ora cerrados,
Ou estĂȘm de asperezas descuidados,
Ora sua aspereza tudo agrave;

Ou do crespo ouro que toda alma prende
Vossa cabeça rodeada seja,
Ou dele solto a luz estĂȘ invejosa:

Agora assi, agora assi vos veja,
Igualmente a meus olhos sois fermosa,
Igualmente em meu peito o amor se acende!

O silĂȘncio da neve, pensou o homem que estava sentado logo atrĂĄs do motorista de ĂŽnibus. Se aquilo fosse o começo de um poema, poderia chamar o que sentia em seu Ă­ntimo de o silĂȘncio da neve.