Passagens sobre Silêncio

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Frases sobre silêncio, poemas sobre silêncio e outras passagens sobre silêncio para ler e compartilhar. Leia as melhores citações em Poetris.

Quero a Fome de Calar-me

Quero a fome de calar-me. O silêncio. Único
Recado que repito para que me não esqueça. Pedra
Que trago para sentar-me no banquete

A única glória no mundo — ouvir-te. Ver
Quando plantas a vinha, como abres
A fonte, o curso caudaloso
Da vergôntea — a sombra com que jorras do rochedo

Quero o jorro da escrita verdadeira, a dolorosa
Chaga do pastor
Que abriu o redil no próprio corpo e sai
Ao encontro da ovelha separada. Cerco

Os sentidos que dispersam o rebanho. Estendo as direcções, estudo-lhes
A flor — várias árvores cortadas
Continuam a altear os pássaros. Os caminhos
Seguem a linha do canivete nos troncos

As mãos acima da cabeça adornam
As águas nocturnas — pequenos
Nenúfares celestes. As estrelas como as pinhas fechadas

Caem — quero fechar-me e cair. O silêncio
Alveolar expira — e eu
Estendo-as sobre a mesa da aliança

Clandestinidade

Secreto me acho
e secreto me sentes
quando
secreto me julgas,
Impuro me reconheço
quando
o nosso silêncio
são vozes turbas.
Dúbio é o desejo
quando
não é transparente
a água em que se deita
precavidamente.
Clandestinos somos
quando
o que somos
teme a face que pesquisa.
Os olhos são claros
quando
a superfície do espelho
é lisa.

Anseio

Nessas paragens desoladas, onde
O silêncio campeia soberano
Morreram notas do bulício humano,
Nem vibra a corda que a saudade esconde.

Anseios d’alma aqui se perdem. Donde
Fluiu outrora a luz dum doce engano,
Hoje é trevas, é dor, é desengano,
E eu ergo preces que ninguém responde.

Triste criança virginal, quem dera
Voar est’alma a ti, longe dos laços
Dessa jaula de carne que a encarcera!

Ah! Que unidos assim, lá nos espaços,
Cantarias do amor a primavera,
Tendo a minh’alma presa nos teus braços!

O Sagrado e o Alcançável

Sem uma palavra a escrever, Martim no entanto não resistiu à tentação de imaginar o que lhe aconteceria se o seu poder fosse mais forte que a prudência. «E se de repente eu pudesse?», indagou-se ele. E então não conseguiu se enganar: o que quer que conseguisse escrever seria apenas por não conseguir escrever «a outra coisa». Mesmo dentro do poder, o que dissesse seria apenas por impossibilidade de transmitir uma outra coisa. A Proibição era muito mais funda…, surpreendeu-se Martim.
Como se vê, aquele homem terminara por cair na profundeza que ele sempre sensatamente evitara.
E a escolha tornou-se ainda mais funda: ou ficar com a zona sagrada intacta e viver dela – ou traí-la pelo que ele certamente terminaria conseguindo e que seria apenas isso: o alcançável.
Como quem não conseguisse beber a água do rio senão enchendo o côncavo das próprias mãos – mas já não seria a silenciosa água do rio, não seria o seu movimento frígido, nem a delicada avidez com que a água tortura pedras, não seria aquilo que é um homem de tarde junto do rio depois de ter tido uma mulher. Seria o côncavo das próprias mãos. Preferia então o silêncio intacto.

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Fico Sozinho com o Universo Inteiro

Começa a haver meia-noite, e a haver sossego,
Por toda a parte das coisas sobrepostas,
Os andares vários da acumulação da vida…
Calaram o piano no terceiro andar…
Não oiço já passos no segundo andar…
No rés-do-chão o rádio está em silêncio…

Vai tudo dormir…

Fico sozinho com o universo inteiro.
Não quero ir à janela:
Se eu olhar, que de estrelas!
Que grandes silêncios maiores há no alto!
Que céu anticitadino! —
Antes, recluso,
Num desejo de não ser recluso,
Escuto ansiosamente os ruídos da rua…
Um automóvel — demasiado rápido! —
Os duplos passos em conversa falam-me…
O som de um portão que se fecha brusco dóí-me…

Vai tudo dormir…

Só eu velo, sonolentamente escutando,
Esperando
Qualquer coisa antes que durma…
Qualquer coisa.

Pátria

Por um país de pedra e vento duro
Por um país de luz perfeita e clara
Pelo negro da terra e pelo branco do muro

Pelos rostos de silêncio e de paciência
Que a miséria longamente desenhou
Rente aos ossos com toda a exactidão
Dum longo relatório irrecusável

E pelos rostos iguais ao sol e ao vento

E pela limpidez das tão amadas
Palavras sempre ditas com paixão
Pela cor e pelo peso das palavras
Pelo concreto silêncio limpo das palavras
Donde se erguem as coisas nomeadas
Pela nudez das palavras deslumbradas

– Pedra   rio   vento   casa
Pranto   dia   canto   alento
Espaço   raiz   e água
Ó minha pátria e meu centro

Me dói a lua me soluça o mar
E o exílio se inscreve em pleno tempo

Se ela tivesse dito torrentes de eloquência, amava-a naturalmente pelo espírito. Como não disse nada, amava-a pelo silêncio. O coração do homem é como o paladar dos pobres: tudo lhes sabe a comer.

O resultado de uma vida em silêncio é, mais tarde ou mais cedo, uma indisposição constante que levará o seu hospedeiro a vomitar todas as emoções apodrecidas durante anos e anos na cara dos outros, como se os outros fossem os verdadeiros culpados dessa agonia.

Memória

I

Na cristalina, líquida presença,
crescente lua no abismo enquanto
o mar se cala, desconheço a margem
onde me espera no desejo
esguio do poente a deusa branca…

À ínfima visão dum lírio encosto
o meu soluço! O espaço é grande…
Não invoco o lugar mas a verdade
surge aquém da espera…

Gaivotas sussurrantes, deixo a música
morrer, pegadas frescas, desperdícios
quentes na relva da minha alma…

II

Quando se oculta julgando a noite
indefesa enorme, a fugidia
estrela me ilumina e desce!

Vem até mim, quebrada a natural
cadência do seu mundo, e cresce… cresce…
Tentáculos de luz me envolvem. Comovido,
aperto em minhas mãos o elanguescente
ardor do seu chegar…

III

Reconquisto agora o teu rosto, um horizonte,
silêncio de grito suspenso, labirinto,
mais desfeito
no hálito das nuvens…

Me surges tão sem ti
que envolve o dia a espessura deste longe…
E afogo assim na íntima, na única
beleza do teu rasto,
o meu soluço de água…

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A Noite de Pavese

Raras vezes me franquearam a porta
e me deixaram entrar. A febre
sitia-me a alma e quem me vê
assusta-se do aspecto do meu rosto,
esta barba por fazer onde um rouxinol
se esconde. E mais ainda assusta
a minha altura, este lugar de vertigem
e palavras poderosas, a presença
de ilimitados segredos que ninguém quer conhecer,
o estremecimento que corre nos meus ombros.
Embora nada peça, sabem que sou um pedinte.
E quando entro nas casas os meus gestos
afeiçoam-se a alguma coisa enigmática
que contorna o pavor e o entrega
por não se saber que espécie de vida ou de morte
vem comigo. Obviamente, eu abençoo
quem me deixa entrar, dou a entender
que alguma coisa brilha nas minhas mãos
e posso matar a fome com uma ou outra palavra
próxima do amor, um dedo nos cabelos
de quem me recebe. Subi as escadas que vão dar a esta casa
em silêncio e em silêncio aceitei que me aguardassem
com as inefáveis sombras que vejo nos outros
e tento decifrar para meu contentamento.
Mandaram-me sentar e deram-me de beber.

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O Coração é o Seu Amigo

O verdadeiro problema reside na mente, porque a mente é formada pela sociedade humana e especialmente projectada para nos manter escravizados. O corpo tem uma beleza própria. Ainda faz parte das árvores e do oceano, das montanhas e das estrelas. Não foi contaminado pela sociedade nem foi envenenado pelas igrejas, pelas religiões e pelos padres. Mas a mente foi completamente condicionada e distorcida ao receber ideias que são totalmente falsas. A nossa mente funciona quase como uma máscara que esconde o nosso verdadeiro rosto.
A arte da meditação consiste em transcender a mente, e o Oriente dedicou toda a sua inteligência e todo o seu génio durante quase dez mil anos a um único objectivo: descobrir a maneira de transcender a mente e os seus condicionamentos. Do esforço de dez mil anos resultou o aperfeiçoamento do método da meditação.
Em poucas palavras, meditação significa olhar para a mente, observar a mente. Tente examinar a mente, olhando em silêncio para ela – sem explicações, sem apreciações, sem condenações, sem qualquer julgamento, a favor ou contra -, observe-a apenas, como se não tivesse nada a ver com ela. Aprecie apenas o tráfego que vai na mente. E o milagre da meditação faz com que,

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Post Coitum Animal Triste

Em ti o poema, o amplo tecido da água ou a forma
do segredo. Outrora conheceste a margem abandonada
do desejo, a sua extensão e principias a entregar
os vasos alongados para receberes as mãos das chuvas.

Apagaram-se junto dos teus olhos as praias, as árvores
que se ergueram um dia sobre as estradas romanas,
o vestígio dos últimos peregrinos, aves nuas
que já desceram, cansadas, pelo interior do teu peito.

Uma voz, no silêncio calmo das águas, esquece
a mentira das primeiras colheitas, onde os nossos gestos
perderam os sorrisos ou o orvalho que os cerca.

Serenamente, começaram a fechar-se os sonhos de Deus
no interior de novos frutos e, abandonado, fico
junto do teu corpo, onde principia a sombra deste poema.

Máscara Mortuária De Graciliano Ramos

Feito só, sua máscara paterna
Sua máscara tosca de acridoce
Feição, sua máscara austerizou-se
Numa preclara decisão eterna.

Feito só, feito pó, desencantou-se
Nele o intimo arcanjo, a chama interna
Da paixão em que sempre se queimou
Seu duro corpo que ora longe inverna.

Feito pó, feito pólem, feito fibra
Feito pedra, feito o que é morto e vibra
Sua mácara enxuta de homem forte

Isto revela em seu silêncio à escuta:
Numa severa afirmação da luta
Uma impassível negação da morte.

A Questão deste Corpo

A questão deste corpo está hoje no esquecimento
dogma sobre ele erguido há muito tempo: é
um corpo flutuante confuso próximo de
um conhecimento verbal
questão em si mesmo questionando teoria
opinião tradicional.

Contamos histórias
renunciamos a determinar-lhe origem
recurso a outro corpo perguntando reclamando
a perder de vista.

Se interrogo retenho a questão quotidiana
o defeito do corpo disponível
ante toda a constatação todo o exame.

(Esta a coragem das mãos ao pensamento
lenta e solitária
no silêncio da pedra disparada
do alto do tempo.)

As Realidades da Alma

É certo que o homem fala a si mesmo; não há um único ser racional que o não tenha experimentado. Pode-se até dizer que o mistério do Verbo nunca é mais magnífico do que quando, no interior do homem, vai do pensamento à consciência, e volta da consciência ao pensamento. (…) Diz, fala, exclama cada um consigo mesmo, sem que seja quebrado o silêncio exterior. Há um grande tumulto; tudo fala em nós, excepto a boca. As realidades da alma, por não serem visíveis e palpáveis, nem por isso deixam de ser também realidades.

10

A nuvem anuncia a secura das casas.
Um homem desloca-se devagar,
atravessa uma plantação de café em
silêncio, como as aves da noite. A sua fome
é igual à dos pássaros que reflectem no espelho
uma máscara de dor. Quando o homem desperta
dessa travessia apenas encontra um rolo de tabaco
velho e um machado quebrado em cima de uma
mesa. E não volta nunca mais a esse lugar.