Passagens sobre SilĂȘncio

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Frases sobre silĂȘncio, poemas sobre silĂȘncio e outras passagens sobre silĂȘncio para ler e compartilhar. Leia as melhores citaçÔes em Poetris.

pensar Ă© uma palavra

pensar Ă© uma palavra
primogénita
onde o ardor decanta das insĂ­gnias
os Ă­ntimos sinais
e o olhar Ă© um silĂȘncio enorme
e rumoroso

o delicado musgo
da memĂłria
é a matéria-prima
do teu rosto

Algumas Horas Outras

1

algumas horas outras invadiram as sedas, os perfumes
åcidos da louça, não serão recordadas, ou quanto mais
as recordarmos, mais a ignorĂąncia deitarĂĄ
os corpos no tapume de vidros, para que em torno
se conciliem as vontades singulares, as
particularidades de um impetuoso alarme.
ou seja: deixarão as esplanadas baças, os garfos
encolhidos, para que um amplo destino os atravesse.
considerem, por exemplo, o paquete que ao meio-dia
igere as minuciosas palmeiras sobre a
alta insensatez dos aquedutos. ou ainda
a ilusĂŁo dos alicates ao lado da ĂĄgua, e o seu reflexo
do outro lado das vidraças: azul, não é?
assim estas algumas outras horas: como esquecĂȘ-las?

2

e ainda o sossego das interrogaçÔes não se deixa
facilmente esborratar, ou a qualidade
das tintas, assim no meio do lençol,
o impediu até agora. algumas
sĂŁo as horas do vasto almofadĂŁo translĂșcido
onde as janelas germinaram, e sĂŁo
as solenes sardinheiras ardidas
na boca do inĂ­cio. soçobrando a mĂșsica
produzimos os locais inamovĂ­veis, as persianas
corridas sobre o papel meticuloso das suas
amenas enseadas.

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Ao menos o aldrabĂŁo, atravĂ©s das palavras que nos deixa, pode ser analisado e confrontado. O calado, em contrapartida, estĂĄ protegido. NĂŁo tendo falado, nĂŁo mentiu. Mantendo o silĂȘncio, nĂŁo induziu ninguĂ©m em erro. E, caso tenha induzido, a culpa obviamente nĂŁo foi dele…

Se a razĂŁo Ă© a poesia – e a minha causa Ă© sĂł essa, a criação poĂ©tica – entĂŁo, o importante nĂŁo Ă© tanto a lĂ­ngua, nem sequer o quanto ela nos Ă© materna. Mais importante Ă© essa outra lĂ­ngua que falamos mesmo antes de nascermos. Nesse registo estĂĄ a porta e o passaporte em que todos nos fazemos humanos, fabricadores da palavra e, com igual mestria, criadores de silĂȘncio.

Rosto Afogado

Para sempre um luar de naufrĂĄgio
anunciarĂĄ a aurora fria.
Para sempre o teu rosto afogado,
entre retratos e vendedores ambulantes,
entre cigarros e gente sem destino,
flutuarĂĄ rodeado de escamas cintilantes.

Se me pudesse matar,
seria pela curva doce dos teus olhos,
pela tua fronte de bosque adormecido,
pela tua voz onde sempre amanhecia,
pelos teus cabelos onde o rumor da sombra
era um rumor de festa,
pela tua boca onde os peixes se esqueciam
de continuar a viagem nupcial.
Mas a minha morte Ă© este vaguear contigo
na parte mais débil do meu corpo,
com uma espinha de silĂȘncio
atravessada na garganta.

Não sei se te procuro ou se me esqueço
de ti quando acaso me debruço
nuns olhos subitamente acesos
ao dobrar de uma esquina,
na boca dos anjos embriagados
de tanta solidĂŁo bebida pelos bares,
nas mĂŁos levemente adolescentes
poisadas na indolĂȘncia dos joelhos.
Quem me dirĂĄ que nĂŁo Ă© verdade
o teu rosto afogado, o teu rosto perdido,
de sombra em sombra, nas ruas da cidade?

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arte poética

o poema nĂŁo tem mais que o som do seu sentido,
a letra p nĂŁo Ă© a primeira letra da palavra poema,
o poema Ă© esculpido de sentidos e essa Ă© a sua forma,
poema nĂŁo se lĂȘ poema, lĂȘ-se pĂŁo ou flor, lĂȘ-se erva
fresca e os teus lĂĄbios, lĂȘ-se sorriso estendido em mil
ĂĄrvores ou cĂ©u de punhais, ameaça, lĂȘ-se medo e procura
de cegos, lĂȘ-se mĂŁo de criança ou tu, mĂŁe, que dormes
e me fizeste nascer de ti para ser palavras que nĂŁo
se escrevem, LĂȘ-se paĂ­s e mar e cĂ©u esquecido e
memĂłria, lĂȘ-se silĂȘncio, sim tantas vezes, poema lĂȘ-se silĂȘncio,
lugar que nĂŁo se diz e que significa, silĂȘncio do teu
olhar doce de menina, silĂȘncio ao domingo entre as conversas,
silĂȘncio depois de um beijo ou de uma flor desmedida, silĂȘncio
de ti, pai, que morreste em tudo para sĂł existires nesse poema
calado, quem o pode negar?, que escreves sempre e sempre, em
segredo, dentro de mim e dentro de todos os que te sofrem.
o poema nĂŁo Ă© esta caneta de tinta preta, nĂŁo Ă© esta voz,

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Se vocĂȘ nĂŁo consegue entender o meu silĂȘncio de nada irĂĄ adiantar as palavras, pois Ă© no silĂȘncio das minhas palavras que estĂŁo todos os meus maiores sentimentos.

O Princípio do Amor Tem Oito Dias de Alienação Moral

Nada de lĂłgica nem de retĂłrica. Os principiantes do amor cuidam que Ă© da tarifa devorarem no silĂȘncio, antes de se revelarem, as melhores frases que tinham para convencer. Grande contrasenso. Parecem-se com os caçadores novatos, que atiram Ă  perdiz quando ela vai muito longe do alcance do chumbo. Fia-te em mim, Castro. A mulher que principia a amar tem oito dias de alienação moral. O espirito anda-lhe Ă  solta, e um hĂĄbil caçador apanha-lho, e depois… como sabes do teu Genuense, a alma Ă© uma substĂąncia acomodada para governar o corpo. Pilhada a alma, o corpo, sem governo, Ă© uma nau desmastreada, sem leme, Ă  mercĂȘ das ondas…

Outonal

Caem as folhas mortas sobre o lago!
Na penumbra outonal, nĂŁo sei quem tece
As rendas do silĂȘncio…Olha, anoitece!
— Brumas longĂ­nquas do PaĂ­s Vago…

Veludos a ondear…MistĂ©rio mago…
Encantamento…A hora que nĂŁo esquece,
A luz que a pouco e pouco desfalece,
Que lança em mim a bĂȘnção dum afago…

Outono dos crepĂșsculos doirados,
De pĂșrpuras, damascos e brocados!
— Vestes a Terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magnĂ­ficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor…

Teus Olhos

Teus olhos de tĂŁo mĂ­stica elegia,
resplandecentes de penumbra viva,
Perdem-se em mim: do meu olhar deriva
A luz da mais cristĂŁ melancolia!

Possa eu viver em ti, nessa harmonia
De memorante paz meditativa;
Minha alma da tua alma se cativa,
Aspira o teu silĂȘncio que inebria!

Teu vulto no Ar imprime-se em debuxos
De recortada flor; visÔes perpassam
Nocturnamente nos teus olhos bruxos!

Uma fonte discorre outonos tristes;
Caem flores do Céu; almas esvoaçam;
Estendo as mĂŁos… adeus! JĂĄ nĂŁo existes!

Avena Pastoral

Harmonia de coxas protetora
do presente esperado como prĂȘmio
antevéspera és, a domadora
dos gestos apressados no proscĂȘnio

do palco em que inauguro-te pastora
de ovelha desgarrada,vil boĂȘmio,
peregrino da noite assoladora,
a solar no teu corpo um abstĂȘmio

canto, de partitura tĂŁo antiga,
em que tecidos sons alucinados
sĂŁo sedas de silĂȘncio na cantiga.

Uma cantiga em gozo emparelhado.
E tu na flauta tocas pra que eu siga
lambendo o sal no lago desgarrado.

O Poder das Palavras

A humanidade entrarĂĄ no terceiro milĂ©nio sob o impĂ©rio das palavras. NĂŁo Ă© verdade que a imagem esteja a suplantĂĄ-las nem que possa extingui-las. Pelo contrĂĄrio, estĂĄ a potenciĂĄ-las: nunca houve no mundo tantas palavras com tanto alcance, autoridade e arbĂ­trio como na imensa Babel da vida atual. Palavras inventadas, maltratadas ou sacralizadas pela imprensa, pelos livros descartĂĄveis, pelos cartazes de publicidade; faladas e cantadas pela rĂĄdio, pela televisĂŁo, pelo cinema, pelo telefone, pelos altifalantes pĂșblicos: gritadas Ă  brocha nas paredes da rua ou sussurradas ao ouvido nas penumbras do amor. NĂŁo: o grande derrotado Ă© o silĂȘncio. As coisas tĂȘm agora tantos nomes em tantas lĂ­nguas que jĂĄ nĂŁo Ă© fĂĄcil saber como se chamam em nenhuma. Os idiomas dispersam-se Ă  rĂ©dea solta, misturam-se e confundem-se, desembestados rumo ao destino inelutĂĄvel de uma lĂ­ngua global.

O silĂȘncio nĂŁo Ă© a ausĂȘncia da fala, Ă© o dizer-se tudo sem nenhuma palavra.