InvulnerĂĄvel
Quando dos carnavais da raça humana
Forem caindo as mĂĄscaras grotescas
E as atitudes mais funambulescas
Se desfizerem no feroz Nirvana;Quando tudo ruir na febre insana,
Nas vertigens bizarras, pitorescas
De um mundo de emoçÔes carnavalescas
Que ri da FĂ© profunda e soberana,Vendo passar a lĂșgubre, funĂ©rea
Galeria sinistra da Miséria,
Com as mĂĄscaras do rosto descoladas,Tu que Ă©s o deus, o deus invulnerĂĄvel,
Reseiste a tudo e fica formidĂĄvel,
No SilĂȘncio das nooites estreladas!
Passagens sobre SilĂȘncio
845 resultadosRetrato Ardente
Entre os teus lĂĄbios
Ă© que a loucura acode
desce Ă garganta,
invade a ĂĄgua.No teu peito
Ă© que o pĂłlen do fogo
se junta Ă nascente,
alastra na sombra.Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.Da cintura aos joelhos
Ă© que a areia queima,
o sol Ă© secreto,
cego o silĂȘncio.Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lĂĄbios e lĂĄbios
toda a mĂșsica Ă© minha.
O silĂȘncio ainda Ă© o melhor aplauso.
A Segurança Destas Paralelas
A segurança destas paralelas
â a beira da varanda e o horizonte;
assim me pacifico, e Ă© por elas
que subo lentamente cada monte.O tempo arrefecido, e sĂł soprado
por uma brisa tarda que do mar
torna este minuto leve aconchegado,
traz mansas as certezas de se estar.E vĂȘm novos nomes: sĂŁo as fadas,
gigantes e anÔes, que são assim
alegres de o serem â parcos nadasque enchendo de silĂȘncios este sim
dele fazem brinquedos, madrugadas…
Agora eu estou em ti e tu em mim.
Escutem esse silĂȘncio, o grandioso ruĂdo que ele carrega; e nĂŁo serve de nada cobrir as orelhas.
Entre as marteladas eu ouço o silĂȘncio. Um Sopro de Vida
HĂĄ momentos infelizes em que a solidĂŁo e o silĂȘncio se tornam meios de liberdade.
Quatro Sonetos De Meditação – IV
Apavorado acordo, em treva. O luar
Ă como o espectro do meu sonho em mim
E sem destino, e louco, sou o mar
Patético, sonùmbulo e sem fim.Desço na noite, envolto em sono; e os braços
Como ĂmĂŁs, atraio o firmamento
Enquanto os bruxos, velhos e devassos
Assoviam de mim na voz do vento.Sou o mar! sou o mar! meu corpo informe
Sem dimensĂŁo e sem razĂŁo me leva
Para o silĂȘncio onde o SilĂȘncio dormeEnorme. E como o mar denro da treva
Num constante arremesso largo e aflito
Eu me espedaço em vão contra o infinito.
Desculpe, amor, se meu presente Ă© meio louco e bobo e superado: uns lĂĄbios em silĂȘncio (a mĂșsica mental) e uns olhos em recesso (a infinita paisagem).
Em certas circunstĂąncias o silĂȘncio de poucos Ă© culpa ou delito de muitos.
NĂŁo pode ser seu amigo quem exige seu silĂȘncio ou atrapalha seu crescimento.
Paisagem
Dorme sob o silĂȘncio o parque. Com descanso,
Aos haustos, aspirando o finĂssimo extrato
Que evapora a verdura e que deleita o olfato,
Pelas alas sem fim da årvores avanço.Ao fundo do pomar, entre folhas, abstrato
Em cismas, tristemente, um alvĂssimo ganso
Escorrega de manso, escorrega de manso
Pelo claro cristal do lĂmpido regato.Nenhuma ave sequer, sobre a macia alfombra,
Pousa. Tudo deserto. Aos poucos escurece
A campina, a rechĂŁ sob a noturna sombra.E enquanto o ganso vai, abstrato em cismas, pelas
Selvas a dentro entrando, a noite desce, desce…
E espalham-se no cĂ©u camandulas de estrelas…
Ouve-me, ouve o meu silĂȘncio. O que falo nunca Ă© o que falo e sim outra coisa. Capta essa outra coisa de que na verdade falo porque eu mesma nĂŁo posso.
SĂł o silĂȘncio Ă© grande, tudo o mais Ă© fraqueza.
SilĂȘncio feliz. Sou um homem feliz porque nasci. E porque me sei calar. Calar-se Ă© nascer de novo.
OfĂcio de Amar
jĂĄ nĂŁo necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grĂŁo doente das cidades erguidas no princĂpio doutras
[galĂĄxias, e
[o remorsoum dia pressenti a mĂșsica estelar das pedras, abandonei-me ao silĂȘncio
Ă© lentĂssimo este amor progredindo com o bater do coração
nĂŁo, nĂŁo preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuråveis
e os secretos poços dos nómadasascendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponĂvel, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu prĂłprio corpo
Um Povo Resignado e Dois Partidos sem Ideias
Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambĂșzio, fatalista e sonĂąmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misĂ©rias, sem uma rebeliĂŁo, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem jĂĄ com as orelhas Ă© capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, nĂŁo se lembrando nem donde vem, nem onde estĂĄ, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e Ă© bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciĂȘncia como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silĂȘncio escuro de lagoa morta. [.]
Uma burguesia, cĂvica e politicamente corrupta atĂ© Ă medula, nĂŁo descriminando jĂĄ o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carĂĄcter, havendo homens que, honrados na vida Ăntima, descambam na vida pĂșblica em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infĂąmia, da mentira a falsificação, da violĂȘncia ao roubo, donde provem que na polĂtica portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escĂąndalos monstruosos, absolutamente inverosĂmeis no Limoeiro. Um poder legislativo, esfregĂŁo de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unĂąnime do PaĂs.
A indiferença a propĂłsito de um princĂpio equivale, com efeito, Ă negação deste princĂpio, e nĂŁo raras vezes o silĂȘncio pesa mais que o erro.
Um Pouco Mais de NĂłs
Podes dar uma centelha de lua,
um colar de pétalas breves
ou um farrapo de nuvem;
podes dar mais uma asa
a quem tem sede de voar
ou apenas o tesouro sem preço
do teu tempo em qualquer lugar;
podes dar o que Ă©s e o que sentes
sem que te perguntem
nome, sexo ou endereço;
podes dar em suma, com emoção,
tudo aquilo que, em silĂȘncio,
te segreda o coração;
podes dar a rima sem rima
de uma mĂșsica sĂł tua
a quem sofre a miséria dos dias
na noite sem tecto de uma rua;
podes juntar o diamante da dĂĄdiva
ao hĂșmus de uma crença forte e antiga,
sob a forma de poema ou de cantiga;
podes ser o livro, o sonho, o ponteiro
do relĂłgio da vida sem atraso,
e sendo tudo isso serĂĄs ainda mais,
anĂłnimo, pleno e livre,
nau sempre aparelhada para deixar o cais,
porque o que conta, vendo bem,
Ă© dar sempre um pouco mais,
sem factura, sem fama, sem horĂĄrio,
que a mĂĄxima recompensa de quem dĂĄ
Ă© o jĂșbilo de um gesto voluntĂĄrio.
Requiem por Muitos Maios
Conheci tipos que viveram muito. EstĂŁo
mortos, quase todos: de suicĂdio, de cansaço.
de ålcool, da obrigação de viver
que os consumia. Que ficou das suas vidas? Que
mulheres os lembram com a nostalgia
de um abraço? Que amigos falam ainda, por vezes,
para o lado, como se eles estivessem Ă sua
beira?No entanto, invejo-os. Acompanhei-os
em noites de bares e insónia até ao fundo
da madrugada; despejei o fundo dos seus copos,
onde sĂł os restos de vinho manchavam
o vidro; respirei o fumo dessas salas onde as suas
vozes se amontoavam como cadeiras num fim
de festa. Vi-os partir, um a um, na secura
das despedidas.E ouvi os queixumes dessas a quem
roubaram a vida. Recolhi as suas palavras em versos
feitos de lĂĄgrimas e silĂȘncios. Encostei-me
Ă palidez dos seus rostos, perguntando por eles – os
amantes luminosos da noite. O sol limpava-lhes
as olheiras; uma saudade marĂtima caĂa-lhes
dos ombros nus. Amei-as sem nada lhes dizer – nem do amor,
nem do destino desses que elas amaram.Conheci tipos que viveram muito –